MOSTRAR VISUALIZAÇÕES DE PÁGINAS

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

"A BELEZA DAS PESSOAS ESTÁ NA CAPACIDADE DE AMAR E ENCONTRAR NO PRÓXIMO A CONTINUIDADE DE SEU SER. E, TAMBÉM EM RECONHECER QUE NESSA VIDA, VOCÊ ESTARÁ SEMPRE PRECISANDO DE ALGUÉM E SEMPRE TERÁ ALGUÉM PRECISANDO DE VOCÊ. AUTOR DESCONHECIDO---SE ANOITECER PROCURE A LUZ DAS ESTRELAS. EVA IBRAHIM.

COM MUITO AMOR
CAPÍTULO TREZE

        A correria começou na madrugada quando a bolsa de águas estourou e Celina acordou a sogra. Em seguida as contrações começaram e a moça passou a gemer de dor; chegara a hora de Bruna nascer. Gilda parecia abobalhada, não sabia o que fazer tamanha era sua ansiedade. Sandro pediu que ela chamasse uma ambulância para conduzi-los à maternidade. Trêmula, a mulher discou o número que estava na lista, depois foi pegar as malas para acompanhar o casal à maternidade.

       O Sol estava nascendo quando adentraram ao Hospital e logo apareceu uma enfermeira, que conduziu Celina porta adentro, deixando Gilda e Sandro apreensivos. O rapaz parecia perdido naquele local estranho. Sua mãe o conduziu até uma poltrona e ambos ficaram aguardando notícias do nascimento do bebê.

       Gilda olhava seu filho que estava para ser pai e lembrou-se de Danilo. A alegria de ter a neta em seus braços, ele jamais sentiria; então, a nostalgia do passado voltou, era uma mulher solitária em se tratando de amor. Uma lágrima silenciosa rolou pelo seu rosto e, ela tratou de enxugar com o dorso de sua mão para que Sandro não percebesse.

      Depois de uma hora de angustia e muita oração apareceu o médico dizendo que a criança nascera bem e eles poderiam entrar. Sandro não se cansava de tocar o pequeno rostinho de sua filha; era muito bonita, dizia comovido. Gilda segurava o bebê no colo para Celina poder tocá-la e seu pensamento corria solto, estava sentindo muita alegria, como há muito tempo não sentia. Aquela pequena criança tomaria conta dos pais e ela poderia morrer tranquila. Em seus piores pesadelos ela deixava o casal sozinho no mundo e depois acordava suando frio.

      Os meses passavam rápidos e Bruna crescia forte e feliz. Desde pequena aprendera a conduzir o pai e a mãe segurando em suas mãos. A avó a ensinava a cuidar dos dois; Bruna sorria feliz e ganhava muitos beijos de seus pais.

       A menina entrou na escola e Gilda ou Sofia a acompanhavam até à entrada da sala de aulas. As duas mulheres tinham muito cuidado para ensiná-la a conhecer os lugares e os perigos que a rua apresentava para seus transeuntes. Logo ela poderia acompanhar os pais aos lugares conhecidos e posteriormente guia-los por toda parte.

      O casal já adquirira o controle para se locomover dentro de casa, isto é, tomaram o poder de suas próprias vidas e somente na rua precisavam de acompanhante. Mais do que qualquer um, as pessoas com deficiência visual podem e querem tomar suas próprias decisões, assumindo a responsabilidade por seus atos; foi assim que Gilda criara seu filho.

Sofia estava sempre presente na casa de sua prima; dizia ser impossível viver longe deles. O sonho de Gilda era fazer com que a neta servisse de guia para seus pais, assim ela poderia descansar; estava ficando velha. Com dez anos de idade, Bruna já acompanhava a mãe ao comércio, ajudava nas compras e no pagamento. A menina era inteligente e esperta; aprendia rápido tudo que lhe era ensinado.

       Ela pegava no braço da mãe e a guiava por calçadas esburacadas, degraus, buracos, pisos escorregadios e obstáculos. Conversava muito e ia descrevendo tudo que via nas ruas. Celina dizia confiar muito na filha, ela tornara-se a luz de seus olhos.

       Bruna completou dezoito anos e passara no vestibular; queria ser enfermeira. A moça gostava de prestar cuidados aos pais e a avó, era amorosa e interessada em tudo que dizia respeito a sua família.
Gilda tinha orgulho da neta e queria prepara-la para a vida. Então, lhe ensinou todos os procedimentos bancários e pagamentos que deveria fazer, para que seus pais pudessem ter uma vida tranquila. Durante meses ela acompanhou os passos da neta e só descansou quando sentiu que poderia confiar plenamente nela.

Gilda adoeceu, estava com pressão alta e diabetes, quase não saia de casa, somente para ir ao médico. Passava horas deitada na cadeira de balanço e quando via a neta dar o braço ao pai e a mãe para sair a passeio, sentia-se realizada. Bruna ficava no meio e os três seguiam felizes.

A mulher fechava os olhos e se reportava para a mulher negra, que esteve presente em seus piores momentos; então sorria, sabia que havia um anjo protegendo a todos. Sua missão fora cumprida e uma alegria muito grande tomava conta de seu coração; poderia morrer em paz...  
Um texto de Eva Ibrahim
Termina aqui a história da mãe, que involuntariamente cegara seu único filho.

Na próxima semana iniciaremos outra história.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

"AS PESSOAS NÃO SE PRECISAM, ELAS SE COMPLETAM... NÃO POR SEREM METADES, MAS POR SEREM INTEIRAS, DISPOSTAS A DIVIDIR OBJETIVOS COMUNS, ALEGRIAS E VIDA." MÁRIO QUINTANA---O AMOR ILUMINA A VIDA. EVA IBRAHIM

                                                     
UM TOQUE DE CARINHO
                            CAPÍTULO DOZE 
Gilda lembrou-se da felicidade de Sandro e agradeceu a Deus por ter conseguido fazer de seu menino um homem de verdade, apesar de sua cegueira. Seu filho tornara-se um homem culto e de bom gosto, amoroso e de bons sentimentos; estava preparado para seguir seu caminho. Ser cego não o privou de crescer, se desenvolver, amar e ser feliz.

Celina era uma moça com formação em piano pelo Conservatório da capital; a música fazia parte de sua vida desde criança e poderia ajudar o marido em seus arranjos musicais. O gosto pela música era um elo forte entre ambos, além do amor que os unia.

Sandro estava casado e isso bastava para sua vida ter valido a pena, pensava Gilda olhando o piano que os pais de Celina mandaram para a filha. O casal ficaria morando na casa dela, assim, ela seria a luz que faltava para ambos até o fim de seus dias.

Sofia estava feliz, encontrara o amor ali perto, na figura do padeiro Luís. Ele a pedira em casamento e ela aceitara, pois, poderia ficar vivendo perto de Sandro e Gilda, que se tornaram sua família. Sandro sempre dizia que tinha duas mães, Gilda e Sofia, as mulheres de sua vida.

O casal voltou da lua de mel e a casa ganhou alegria e muita música. Quando Sandro e Celina não estavam no quarto, estavam tocando instrumentos musicais. Os dois riam muito, pareciam duas crianças; estavam muito felizes juntos, um completava o outro.

Gilda orientava a nora nos afazeres da casa e a acompanhava sempre que ela precisava sair. Era uma visita ao médico, uma ida ao Supermercado, a compra de um presente ou uma visita ao dentista.

Com o passar dos dias Celina ganhava segurança e já se virava sozinha dentro da casa de Gilda. Sandro saia com seus músicos para ensaios e vistorias em lugares de novas apresentações, tinha os dias cheios de compromissos. E, em algumas noites tocava nos eventos e só retornava com o Sol nascendo.

Alguns meses se passaram e Sandro estava tranquilo e feliz; sua esposa estava grávida. Foi à notícia mais importante de sua vida, dizia abraçando sua mulher. Gilda saiu para chorar longe dos ouvidos do filho, estava emocionada.

Sofia se casou em uma cerimônia simples, celebrada pelo padre Bento, em seguida viajou com seu marido. Antes do casamento a mulher se mudara para a casa de Luís, deixando o quarto que ocupava na casa de Gilda, para a criança que estava a caminho.

Gilda imaginava a criança como uma bênção recebida de Deus; ela tomaria conta dos pais quando ela partisse desse mundo. Era a peça que faltava naquele quebra cabeça chamado vida. A ecografia desvendou o sexo da criança, era uma menina, dissera o médico. A partir daquele dia tudo girava em torno da chegada do bebê.

Celina era uma moça fina e a sogra a orientava quanto às cores e beleza das coisas, que ela escolhia para a pequena Bruna; assim se chamaria a neta de Gilda, disseram seus pais.

A moça escolhia todas as peças do enxoval do bebê pelo tato, ela tinha uma sensibilidade extraordinária na ponta dos dedos. Gilda ficava admirada pelo bom gosto da nora; tudo que ela escolhia era de qualidade além de bonito, por isso era fácil orientá-la.

O tempo passava rápido e Celina ganhava peso; logo teriam o bebê nos braços para enfeitar aquela casa. O quarto estava arrumado esperando a chegada de Bruna. Gilda sentia-se muito feliz, a alegria voltara ao seu lar.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

"A VIDA SÓ É VIDA QUANDO É VIVIDA POR DUAS VIDAS EM UMA SÓ VIDA." AUTOR DESCONHECIDO---QUE HAJA LUZ, NESTE DIA, DENTRO DOS SEUS CORAÇÕES." EVA IBRAHIM

O CASAMENTO 
DE 
SANDRO E CELINA.

                                                                 CAPÍTULO ONZE
       Depois de seis meses e com a casa reformada, estava tudo pronto para o casamento de Sandro e Celina. O casal de noivos vivia um conto de fadas, estava tudo perfeito. A Igreja do padre Guima, que já não estava mais lá, fora se encontrar com Deus, estava inteira florida de branco e amarelo.

       O novo pároco era o padre Bento, que realizaria o casamento com muito gosto, dissera, quando soube que o casal era cego. O padre Bento era novo e bem intencionado, ficou feliz em realizar o casamento de um paroquiano que o padre Guima estimava muito. Foi o velho pároco que lhe contara a história triste da cegueira de Sandro e o empenho da mãe em seu desenvolvimento e inserção na sociedade. Gilda não media esforços para levar o filho à escola e as aulas de música, era o motivo de vida para ela.

       Gilda convidou alguns parentes que não via desde o acidente de Sandro; na época muitos se afastaram criticando e condenando a pobre mãe. Seria uma satisfação apresentar seu filho em uma situação de grande felicidade. Alguns confirmaram presença; a maioria queria satisfazer sua curiosidade em relação ao casal de cegos. Entre os convidados estavam os amigos de Sandro e de Celina, alguns conhecidos de Gilda e de Sofia e os parentes das duas famílias.

      Sandro estava vestido impecavelmente com seu terno preto; ele se postara entre os padrinhos, no altar da Igreja, que estava toda decorada com flores brancas e amarelas. Quando foi aberta a porta central, a Igreja foi tomada pela música tocada e cantada pelo coro da paróquia. Celina escolheu a canção “Ave Maria” para sua entrada na igreja. O noivo se mantinha impassível esperando a presença da noiva no altar.

      Celina entrou acompanhada de seu pai, seguindo lentamente rumo ao altar. Enquanto isso, Sandro escutava seus passos, eram leves e macios, porém, ele tinha o ouvido aguçado e o que passava despercebido para as outras pessoas, para ele era nítido. E, quando ela se aproximou ele desceu os degraus do altar para recebê-la das mãos de seu sogro, sem ajuda de ninguém.

       Nesse momento Gilda, olhando para os convidados, viu entre eles Dora, a mulher negra, que a amparou no dia do acidente de Sandro. Seu primeiro impulso foi correr até ela, entretanto, não poderia deixar o altar, pois, o casamento iria começar. Quando ela sentiu que poderia sair dali, não encontrou mais o rosto tão conhecido; a mulher sumiu. Ela tinha certeza de que Dora viera para assistir a cerimônia de casamento de Sandro. Em seu íntimo sentiu uma sensação de segurança; Deus nunca a abandonara.

       O casal ouvia atentamente a explanação que padre Bento fazia sobre o sucesso de uma vida a dois. Depois, foi iniciado o ritual da cerimônia de compromisso entre os nubentes. Quando o padre disse:
-“Estão casados, pode beijar a noiva”.
       Sandro beijou Celina com todo amor do mundo. Formavam a figura da própria felicidade; depois seguiram de braços dados até a porta de entrada da Igreja. Ali, no topo da escadaria, o casal receberia os cumprimentos dos convidados. Gilda e Sofia choraram abraçadas com o sentimento de vitória no coração. Elas cumpriram à missão de fazer de Sandro um homem forte e feliz.

       A festa foi realizada no Salão Paroquial e lá pelas tantas o casal saiu de fininho com a ajuda do irmão de Celina, que os levou até o Hotel reservado para a noite de núpcias. 

Gilda sabia que de onde Danilo estivesse, presente ali no casamento ou lá no céu e se pudesse vê-los, ele estaria feliz, pois, amava o filho. Ela também sentia a falta do marido, foi o único homem que amara em sua vida; naquele momento a solidão lhe pareceu pesada e triste.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana

sexta-feira, 18 de julho de 2014

"PREFIRO A MÚSICA, PORQUE ELA OUVE O MEU SILÊNCIO E AINDA O TRADUZ SEM QUE EU PRECISE ME EXPLICAR." AUTOR DESCONHECIDO---A FÉ É A RESPOSTA PARA TODAS AS DÚVIDAS. EVA IBRAHIM.

A CELEBRAÇÃO.
CAPÍTULO DEZ

      Gilda estava eufórica, finalmente um pouco de alegria para colorir a vida naquela casa. Sandro parecia estar vivendo um sonho, estava alegre e brincalhão. O pequeno menino indefeso, agora, era um belo rapaz de vinte e cinco anos. Um músico que se mantinha tocando em seu conjunto, que era formado por cinco músicos e um cantor. Sandro tocava órgão e acordeão; gostava de teclado, dizia aos companheiros, por isso estudava piano.

       Há vinte anos ele estava cego, mal se lembrava das coisas antes vistas; seu mundo se reduzira ao que podia sentir com as mãos ou com os ouvidos. O restante ele imaginava lendo livros em braile. Tornara-se um rapaz culto, porém, perdera o poder de colorir as coisas. Às vezes reclamava com a mãe que já não se lembrava da diferença de azul ou rosa, vermelho ou verde; seu mundo era cinzento e só a música o tirava da escuridão.

       Sua mãe se anulara como pessoa para cuidar do filho querido; ela já não se lembrava de como era sair para se divertir. Estava com cinquenta anos, sozinha desde que Danilo faleceu e seu maior sonho era ver o filho feliz. Trazia em seu coração a culpa por ele estar cego e faria tudo para vê-lo contente com o seu amor; era um bom menino e merecia ser feliz. Sandro nunca acusara a mãe por sua cegueira, embora ela tenha lhe contado a verdade por diversas vezes.

      Sofia também era uma cinquentona e ultimamente andava saindo com o dono da padaria da esquina, parecia que estavam namorando; Gilda dava a maior força. Sofia ajudou a prima com o menino e foi o apoio que ela precisava para sobreviver à tamanha desgraça.

Em momentos de nostalgia, Gilda pensava na mulher negra e pressentia que Sofia fora induzida, por uma força maior, para ajuda-la. Agora, a prima poderia refazer sua vida, já cumprira sua missão. Sandro já era um homem e iria se casar, então, ela poderia seguir o seu caminho.

      Gilda queria preparar um jantar com muito esmero para receber Celina, seus pais e irmãos. A moça também vinha de uma história triste, era a filha mais velha de três irmãos; sua mãe tivera “rubéola” na gravidez e a criança nascera com deficiência visual, que se agravou posteriormente, deixando-a cega.

      Celina gostava de música e tocava piano desde criança, seus pais a incentivavam e lhe deram um piano de presente. Sandro a conheceu durante as aulas no Conservatório e se apaixonou pela sua doçura; era uma moça tranquila e sensível. Ao contrário dele ela nunca viu a luz, nasceu com catarata congênita e não foi possível reverter o quadro.

       Os dois jovens formavam um casal muito bonito, um apoiava o outro, gerando segurança e fortalecendo os laços amorosos. Era a liberdade que Sandro precisava para construir sua vida, uma companheira compreensiva que compartilhava de seus projetos.

       Houve a reunião das duas famílias e Celina estava muito bonita; parecia apaixonada por Sandro. Era tudo o que Gilda sonhara para seu filho, a moça estava aprovada pelas duas mulheres que cuidavam do rapaz. Antes do início do almoço Sandro pediu para dizer algumas palavras, queria ficar noivo de Celina. Pegando nas mãos de sua namorada ele pediu aos pais dela que abençoasse as alianças, que ele trocaria com Celina. Era a celebração do amor e um pedido de casamento.

       Quando Celina e seus familiares deixaram a casa, ficou a certeza de que aquele acontecimento seria o início de uma nova vida para todos. Sandro e Celina estavam noivos.
      O rapaz dizia estar preparado para se casar e queria continuar a morar com sua mãe, ainda precisava de sua ajuda e orientação. Começava, então, um planejamento para acomodar o casal e iniciar os preparativos do casamento.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

"NÃO LHE DIREI AS RAZÕES QUE TENS PARA ME AMAR, POIS ELAS NÃO EXISTEM. A RAZÃO DO AMOR É O AMOR." SAINT-EXUPERY---E, NADA OCUPA O SEU LUGAR...EVA IBRAHIM


VOCÊ É UM SONHO PRA MIM

CAPÍTULO NOVE

      Sandro saiu cedo, estava acompanhado por sua mãe, que o deixou na porta do ônibus com um beijo no rosto. Gilda esperou ele sentar-se e depois entrou no veículo vagarosamente. Então, pediu silêncio ao cobrador com o dedo em riste na boca fechada, indo sentar-se no fundo do ônibus. O rapaz seguiu a rotina e desceu em frente à escola; sua mãe também desceu e ficou parada do outro lado da rua para esperar que ele entrasse no estabelecimento.

       Chegaram alguns alunos e Sandro se foi em meio ao grupo, deixando a mulher decepcionada; nada havia acontecido de estranho. Então, ela decidiu dar uma volta na cidade enquanto esperava a hora da saída. Quatro longas horas e Gilda teria que esperar se quisesse saber o motivo de tanta vaidade do filho. Ela ficou passeando e vendo vitrines; aproveitou para comprar material para a confecção das tapeçarias que fazia para vender.

      Com as sacolas nas mãos a mulher se postou do outro lado da rua; um lugar onde dava para ver o portão da saída e onde ela pregou os olhos assim que ouviu a sineta. Havia muita gente em frente à escola, eram pais que esperavam os filhos para leva-los para casa. Por último apareceu o seu filho segurando a mão de uma moça, ambos usavam óculos escuros. Quando chegaram perto da escada a moça segurou no braço de Sandro e ele a conduziu até o portão, tateando com sua bengala.

Então, ele a abraçou, beijou e ficou um longo tempo com os braços ao redor do corpo dela; estava claro que aquela moça era a namorada de seu filho. Uma moça bonita, de boa aparência e cega como ele. Gilda sentiu-se satisfeita, seria melhor que ele se apaixonasse por uma moça que tivesse o mesmo problema que ele.

        Ela sabia que seu compromisso seria dobrado, pois, teria que cuidar de um casal de cegos, porém, seu coração se aquietava sabendo que ela seria a luz dos olhos dos dois. Demorou um pouco e apareceu um automóvel que levou a moça embora, deixando Sandro sozinho no ponto de ônibus. Gilda se aproximou, porém, manteve certa distância, não queria que o filho ficasse constrangido; esperaria que ele lhe contasse sobre seu amor.

       Quando o ônibus chegou, o cobrador o chamou, ele entrou e sentou-se no banco de costume. Em seguida, sua mãe também entrou e foi sentar-se bem longe dele. Voltaram para casa e Sandro não percebeu que sua mãe o seguira. Sofia e Gilda compartilhavam o segredo de Sandro e sentiam-se felizes em saber que ele poderia conquistar a felicidade, apesar de sua deficiência visual. Ele encontrara o amor e estava diferente, mais alegre, mais cuidadoso e muito vaidoso.

        As duas mulheres sempre davam indiretas para ver se ele se abria e contava tudo sobre sua namorada, porém, ele se mantinha calado. Chegaram a pensar que ele havia terminado o namoro, mas, certo dia ele estava tomando café quando disse que precisava da ajuda de sua mãe e da Sofia. As duas se entreolharam espantadas e acenaram com a cabeça, era só dizer o que queria. Sorrindo ele disse:

      -É o aniversário da minha namorada e eu queria comprar um presente especial para ela, por isso preciso de ajuda. As duas mulheres fingiram surpresa e queriam saber quem era a moça e como era. Então o rapaz a descreveu assim:

     -Eu sinto que ela é muito bonita, tem a pele sedosa, cabelos macios, cheirosos e eu me sinto completo ao lado dela. 
Gilda olhou para a amiga, estava encabulada.  Ele não via, ele sentia a beleza da namorada, foi o que pensou sua mãe relembrando o passado com nostalgia. Sofia entendeu o pensamento de Gilda e tratou de mudar o rumo da prosa.

     -Por que ele não trazia a moça para um jantar? E, afinal qual era o nome dela? Perguntou Sofia.
Sandro sorriu e disse:
     -Celina, minha Celina; ela é um sonho pra mim.
      Era seu amor, ele a conheceu no Conservatório, ela também tocava Piano e a traria à sua casa, pois a amava e queria apresenta-la as duas mulheres de sua vida, a mãe e Sofia.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sábado, 5 de julho de 2014

"...QUE MINHA SOLIDÃO ME SIRVA DE COMPANHIA. QUE EU TENHA A CORAGEM DE ME ENFRENTAR. QUE EU SAIBA FICAR COM O NADA E MESMO ASSIM, ME SENTIR COMO SE ESTIVESSE PLENA DE TUDO." CLARICE LISPECTOR. A MORTE É UM MISTÉRIO.. EVAIBRAHIM

ADEUS AO PAI

CAPÍTULO OITO

       Sandro crescia com saúde, estava acostumado com a escuridão; aceitava a situação e procurava aguçar os outros sentidos. Aprendera a tocar órgão e sentia-se feliz. O menino tinha ouvido apurado e talento musical. O padre Guima arranjou um lugar para ele tocar na Igreja ao lado da organista da paróquia. Gilda era a sombra do menino, cuidava e protegia o filho de todas as maneiras; Sofia também ajudava em tudo que fosse necessário.

       Porém, Danilo estava cada dia mais deprimido e se afogava na bebida; perdera o gosto de viver. Quando chegava à sua casa, tarde da noite e bêbado, acusava Gilda da cegueira do filho, depois deitava e dormia. Não era um homem mau, apenas não se recuperara do acidente do filho; ele se dizia acovardado. Trabalhava para sustentar sua família e nas horas de folga bebia muito.
        Quando Sandro estava com treze anos Danilo adoeceu e foi hospitalizado. Estava com cirrose hepática em estado avançado, era um caso irreversível, dissera o médico. Depois de alguns dias internado, Danilo faleceu. 
       Gilda se desesperou e foi saber por que o marido se fora tão rapidamente; era jovem demais para morrer. O médico foi categórico em afirmar que seu fígado não aguentara tanta bebida e a consequência fora à morte. 
      O padre Guima ajudou Gilda com os funerais e a consolou; gostava daquela família, que fora marcada com um fato tão terrível, o acidente que causou a cegueira do menino. Depois ele explicou à Gilda que muitas pessoas quando sofrem algum tipo de perda se fecham e perdem também o rumo. Ficam deprimidas e começam a beber, depois se isolam do mundo e chegam ao fundo do poço; então, desistem de viver. A morte ocorre por suicídio ou de forma natural, isto é, em consequência da agressão imposta ao organismo, como foi o caso de Danilo.

       A mulher estava viúva, não sabia descrever como se sentiu diante daquela notícia tão dolorosa e como poderia agir diante do filho, que agora teria privada sua convivência com o pai. Danilo, apesar de tudo, sempre procurou dar carinho ao filho e fazer suas vontades. Seria mais uma perda irreparável imposta ao menino, que já tinha sofrido muito com sua cegueira.

       Gilda teria que compensá-lo de alguma maneira, contava com Sofia ao seu lado para minimizar a ausência do pai. O menino chorou e ficou abatido por vários dias, gostava do pai e não entendia por que ele morreu. Gilda tentava suprir a falta de Danilo dando toda a assistência que podia ao filho.

      O tempo passava rápido, Sandro com dezoito anos de idade se formou no segundo grau e ganhou um acordeão de sua mãe; o rapaz ficou muito feliz. Rapidamente aprendeu a tocar o instrumento e foi convidado a tocar em uma Banda, que se apresentava na noite. Depois estenderam suas apresentações para festas de casamentos e Bailes de Debutantes. Sandro se entrosou rapidamente e passou a faturar um bom dinheiro com seu trabalho. Tornara-se um homem interessante e de gosto apurado.

     – Ganhava seu sustento e poderia se casar, não estava morto, tinha sentimentos e queria companhia. Todos os seus amigos tinham mulher ou namorada, ele também queria ter um amor, dizia Sandro para sua mãe.

      Era um rapaz bonito e inteligente; apareceram algumas moças interessadas nele, porém, Gilda as afastava do filho. Dizia que eram interesseiras e que ele se casaria com uma moça igual a ele. Assim, não haveria perigo de ser traído.

     A mulher recebia a pensão do marido e vendia as tapeçarias que fazia juntamente com a Sofia. O filho ganhava seu dinheiro tocando na banda com os amigos; era o que gostava de fazer. Entretanto, Sandro era ambicioso e queria aprender a tocar piano e músicas clássicas; demonstrava muito orgulho quando dizia que era músico. Na verdade, ele descobriu a música e nela se descobriu; foi o que o ajudou a superar a falta de visão.

     Gilda procurou um Conservatório de músicas onde houvesse partituras em braile, para que ele recebesse as aulas necessárias. O Conservatório ficava na cidade vizinha e a mãe ou Sofia o acompanhavam à escola. Passados dois meses, ele queria viajar sozinho, aprendera a viajar de ônibus. E, fazia questão de demonstrar independência, que podia e sabia andar sozinho com sua bengala.

      Nas primeiras vezes, Gilda fingia que não ia e o seguia para ter a certeza que nenhum mal lhe aconteceria. Com o tempo ela foi deixando que Sandro fosse sozinho, ele era esperto e a escola ficava em frente à parada de ônibus. O motorista e o cobrador sempre o ajudavam e assim ele sentia-se seguro.   
  
      Sandro gostava de frequentar o Conservatório, ficava eufórico no dia em que tinha aulas; fazia questão de estar vestido impecavelmente. Gilda e Sofia ficaram desconfiadas de que havia algo mais naquela escola. Gilda o acompanharia de longe, para assuntar o motivo de tanta euforia.

Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

"E, O QUE A GENTE LEVA, NÃO É O QUE ENCANTA OS OLHOS, MAS O QUE TOCA O CORAÇÃO." AUTOR DESCONHECIDO-- O TEMPO PROMOVE A CICATRIZ. EVA IBRAHIM.

A MÚSICA TOCA O CORAÇÃO
CAPÍTULO SETE

Gilda foi à Igreja agradecer ao Padre Guima por tê-la encaminhado ao Instituto para cegos.  A escola para crianças cegas era mantida pelo governo do Estado, Prefeitura local e comunidade. E, nada deixava a desejar em comparação às melhores escolas particulares da região. A pastoral da criança e o padre Guima também ajudavam na manutenção de tão importante projeto.

Naquele local eram aceitas crianças de toda a região, muitas viajavam todos os dias com condução cedida pela prefeitura, devido à distância de suas casas. O velho pároco ficou feliz por saber que a vida de Gilda estava em uma fase melhor, então, ele cobrou a presença de sua família na missa.

No domingo ela arrumou o filho e lhe disse que iriam à missa na Igreja do padre Guima. O marido não quis acompanha-los, pois, estava de ressaca da noite anterior. Sandro sentou-se no banco da frente entre a mãe e Sofia. O menino ficou encantado com as músicas tocadas na Igreja. Ele queria saber que instrumento era tocado e quem tocava. Em dado momento ele parou de falar e, extático pediu silêncio à sua mãe com o dedinho em riste na boca. Gilda ficou pasma esperando o que ele queria dizer com aquilo. Então, veio à surpresa.

-Aqui na Igreja podemos ouvir o eco da música, toca aqui e responde lá; isso é muito legal. Eu quero vir aqui outras vezes para ouvir esse som.
Gilda respondeu que voltariam ali quando a Igreja estivesse vazia para ele sentir o eco. Sandro estava contente, fazia novas descobertas e aguçava seus sentidos.

O pai não conseguia superar o acontecimento, se entregara à bebida. Era um bom homem, trazia todo seu salário e entregava à sua mulher, não queria que faltasse nada ao filho. Ele procurava agradar o menino, depois se fechava e saia para beber. “Queria afogar seu desgosto”, dizia a quem lhe perguntasse por que bebia.  Na verdade era uma fuga para não enlouquecer.

Gilda e Sofia construíram uma bela amizade, fruto de tamanha desgraça. Juntas decidiram fazer tapeçaria nas horas em que o menino estava na escola, depois vendiam e sempre conseguiam um dinheiro para suas despesas pessoais.

Na escola havia aulas de música para que as crianças sentissem a vibração das notas musicais. Cada criança sente a frequência a sua maneira, algumas cantarolam, outras ficam em silêncio e outras entram em euforia. A presença da música no dia a dia auxilia no desenvolvimento físico, pessoal, social, intelectual e emotivo, melhorando sua qualidade de vida e favorecendo sua inclusão no grupo.

No Instituto havia muitas atividades para movimentar o corpo. Os alunos de séries mais avançadas formaram grupos de danças folclóricas ao som de músicas. De mãos dadas eles ensaiavam danças típicas da região no galpão de lazer da escola. Nesse projeto esperava-se desenvolver a confiança de cada criança em seu companheiro, incentivando o equilíbrio e a desenvoltura do corpo. Sandro ficava sentado em um banco do salão ouvindo as músicas e o barulho dos sapatos no chão; parecia enfeitiçado.

No final do ano houve uma comemoração Natalina e o professor de música formou um coral com crianças de todas as séries. Ao todo eram trinta vozes e Sandro estava na fileira da frente com sua roupa de gala.

A festa foi muito bonita e o menino estava feliz. Gilda não se conteve e chorou ao ver o filho cantando. Danilo a puxou para perto de si, também estava emocionado. Por um momento a mulher sentiu que seu marido voltara a ser como era antes do acidente de Sandro. E, na noite de Natal o menino ganhou o presente tão esperado, um teclado musical infantil.

       Com o presente nas mãos ele sorria e dizia que iria tocar igual a “moça” da Igreja. O menino experimentava o instrumento sentindo a vibração de cada nota proferida. O teclado tornou-se o seu brinquedo favorito, uma necessidade de brincar descobrindo cada nota musical, escondida atrás das teclas. Assim, o menino ia aumentando suas descobertas e criando um novo mundo onde a música tocava o seu coração.

Um texto de Eva Ibrahim. 

sexta-feira, 20 de junho de 2014

"AMAR NÃO É QUERER ALGUÉM CONSTRUIDO, AMAR É CONSTRUIR ALGUÉM QUERIDO." AUTOR DESCONHECIDO---ASSIM É A VIDA, SEMPRE MUDANDO O CENÁRIO. EVA IBRAHIM


SUA VISÃO DE MUNDO

CAPÍTULO SEIS

      Gilda estava nervosa com o primeiro dia da permanência de Sandro na Escola Infantil para cegos; temia que ele se assustasse e desistisse da escola. A professora do menino foi recebê-lo com alegria e depois pegou em sua mão para conduzi-lo à sala de aulas. Ele titubeou e quis chorar, porém, Gilda o abraçou dizendo que ficaria ali até as aulas terminarem. Sandro iria completar seis anos e teria iniciada sua alfabetização, mas, para isso teria que sofrer um processo de adaptação, para depois iniciar seu aprendizado em braile.

     O grupo de educadores daquela escola explicaram para Gilda, que teriam que estimular a construção de sua visão mental de tudo que o cercava, dando significado a cada som ouvido, ou sentido a cada coisa percebida. A mulher ficou no fundo da sala, observando quieta tudo que se passava naquele local.
Seu filho permanecia sentado ouvindo a professora e os sons das outras crianças que estavam na sala de aulas. Essas crianças são mais quietas, pois precisam ouvir para decodificar a mensagem, então, são raros os burburinhos.

       Com muita segurança a professora chamava cada criança pelo nome e os estimulava a contar um pouco de suas vidas. Sandro ficou em pé e disse que não podia ver porque tinha machucado seus olhos e todos o aplaudiram desejando boas vindas ao pequeno menino. Gilda chorou silenciosamente, as lágrimas corriam pelo seu rosto indo morrer em sua boca, deixando um gosto salgado em sua alma. Aquele momento a elevou aos céus. Ela, então, compreendeu que tinha uma grande missão a cumprir; era coisa de Deus.

      A escola tinha uma proposta de apresentar o mundo para as crianças através dos sons, do toque, percepções táteis e gustativas, para suprir a falta da visão estimulando e explorando os outros sentidos. Começaram fazendo sons repetitivos e exercícios bucais para aprender a soltar a voz. A sala tornou-se um lugar de sons de todos os tipos, as onomatopeias estavam presentes.
    -O gato faz que som? E, todos miavam.
    -O cão faz que som? E, todos latiam.
E, assim sucessivamente os sons invadiam a sala. Rapidamente chegou a hora do recreio e mãe e filho se abraçaram; o menino estava alegre, gostara da escola.

      A ausência da visão seria compensada estimulando e explorando os outros sentidos, que permaneciam intactos, levando em conta suas potencialidades. A professora daquela classe parecia ter consciência da importância de considerar o potencial de cada criança e não salientar suas limitações. A criança cega terá em seus outros sentidos, seus olhos para o mundo e a música fará com que sinta muitas sensações, que sua alma reconhecerá em sentimentos e emoções, explicou a professora para Gilda.

      O som dos pássaros cantando, uma porta rangendo, os carros passando, o vento assoviando e o farfalhar dos galhos das árvores entre outros sons, despertam a percepção auditiva, que será seu maior trunfo na falta da visão. Além disso, terá aguçado o tato no reconhecimento das superfícies e de todas as coisas que podem ser tocadas; O contato com as pessoas e coisas próximas será um aliado imprescindível ao ouvido, para a formação de sua visão de mundo.

      O Instituto era excelente, ali trabalhavam as sensações gustativas, o olfato e a expressão corporal acompanhada de músicas. Percebeu-se que a música tinha o poder de relaxamento e contentamento; a criança aprende a se desenvolver através dela.

      Os dias iam passando e Gilda não precisava ficar assistindo as aulas, deixava o menino na escola e depois voltava para busca-lo. Ele estava gostando da escola e demonstrava alegria quando contava coisas que estava aprendendo com as outras crianças cegas.

       A mulher percebeu seus progressos quando ele pedia para tocar seu rosto com as mãozinhas e de seu pai também. Depois sorria dizendo que eram bonitos. O tato permite que a criança sinta a temperatura, textura, forma e linhas de expressão.

      Em outro dia, Gilda viu o menino tateando seu próprio rosto, sua pele, as roupas, enfim, tudo que fazia parte de seu corpo. Depois perguntou a mãe quais eram as cores de suas roupas. A mãe lhe explicou que ele estava muito bonito e com roupas coloridas, pois, era seu príncipe. Portanto, ele poderia criar uma representação simbólica para cada coisa que o cercava; ela seria a luz de seus olhos enquanto vivesse. O amor se fundiu em um longo abraço. 
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.
                               

sexta-feira, 13 de junho de 2014

"FAREI DAS MINHAS DORES ALGO TÃO LEVE, QUE POSSA SER LEVADO PELO SOPRO SUAVE DA ESPERANÇA DE DIAS MELHORES." AURÉLIA VASCONCELOS.--- A VIDA NUNCA PARA DE ENSINAR.EVA IBRAHIM


EM BUSCA DE LUZ

CAPÍTULO CINCO

       Danilo sempre fora um bom marido e pai amoroso até o dia do acidente, depois se tornou um homem amargo e arredio. Gilda mal podia falar de futuro ou de planos para Sandro, que ele fechava a cara e saia de casa; ia ao bar beber até altas horas. Quando chegava a sua casa estava cambaleando e fedendo a álcool.

      Gilda começou a ir à Igreja em busca de apoio de Deus e do padre Guima. O velho pároco estava sempre disposto a ouvi-la e compreender a situação da família. A mulher encontrara ali seu refúgio, onde expunha seus anseios e problemas conjugais.

      Foi lá que Gilda começou a perceber a sua realidade e entender o marido. O padre Guima lhe explicou que Danilo sentia-se esmagado pelo enorme desgosto de ver o filho cego. Pode ter sido devido ao fato de nunca ter conhecido uma pessoa cega. Com certeza ele tinha uma ideia errada de pessoas cegas, lembrando-se apenas dos cegos que vira na rua andando apoiados em outras pessoas, dando-lhe a impressão de total dependência. Ele carregava um preconceito que o fazia acreditar que Sandro sentiria a cegueira do mesmo jeito que ele.

      Traumatizado pelo desapontamento, o pai demorou a perceber que o filho é apenas uma criança, e ser cego é somente um aspecto de sua vida. A cegueira não o faz diferente das outras crianças, por isso o pai deve aprender a lidar com o filho e ajuda-lo a superar a mudança, ensinando lhe o caminho a ser trilhado.

      O padre Guima prometeu à Gilda que iria acompanha-la a uma escola para cegos, onde ela poderia ver que ali havia um mundo especial, cheio de outras crianças iguais ao Sandro. Gilda precisava convencer o marido a acompanha-los, pois, alguns pais sentem-se apoiados se conversarem com outros pais na mesma situação. Aqueles que já ultrapassaram a angustia dos primeiros meses servem de alento aos que ainda não se conformaram com a nova realidade.

      À medida que o tempo passa a criança começa a se desenvolver e a criar independência, isto é, a andar pela casa sem derrubar as coisas e a se localizar dentro de cada ambiente. Aprende a comer sozinha, tomar banho, vestir-se e a cuidar de si mesma, tornando-se independente.

      Gilda pediu ao marido que a acompanhasse e ao filho à escola que o padre Guima indicava. Ela queria conhecer o local e saber da possibilidade de colocar o menino para se socializar com as outras crianças. Danilo concordou em acompanha-los até a Instituição para crianças cegas, faria tudo pelo filho; o amava ainda mais.

      Sandro ficou alegre ao saber que iriam passear de automóvel, todos juntos, até a Sofia iria acompanha-los. Chegando a escola, foram recebidos pela Diretora que os levou para conhecer a Instituição. Havia muitas crianças cegas naquele local, cada uma com uma história diferente; as que já nasceram cegas e as que ficaram cegas depois de conhecer a luz. Todas viviam na escuridão, entretanto, não eram infelizes; brincavam e riam como todas as crianças daquela idade.

       O segredo, explicou a Diretora, para aquelas crianças estarem tão bem dispostas, chama-se amor, carinho e atenção; elas têm que se sentirem amadas, estimuladas a pegar nos objetos e a reconhecer as pessoas pela voz. Assim a curiosidade despertada as leva ao aprendizado. Elas gostam de ouvir conversas e que falem com elas, porque a audição de uma criança cega é muito aguçada; conseguem perceber sentimentos na voz de cada pessoa.

       O passeio foi bom e produtivo, haviam encontrado um lugar apropriado para o menino interagir com outras crianças e não viver tão só. Gilda estava mais leve, chegava a sentir-se alegre. Sentia que o padre Guima fazia o papel de seu anjo, ou seja, Dora a mulher negra continuava ao seu lado, agora em uma versão diferente. Gilda percebia uma energia boa e uma confiança muito grande no padre Guima, um sentimento que nunca sentira antes por ninguém.

Danilo, com Sandro seguro pela mão, parecia resignado. Sofia fazia parte daquela família por opção e os acompanhava tristonha; trazia muitas recordações em seu íntimo.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

'AS VEZES, SÓ PRECISAMOS DE ALGUÉM QUE NOS OUÇA. QUE NÃO NOS JULGUE, QUE NÃO NOS SUBESTIME, QUE NÃO NOS ANALISE. APENAS NOS OUÇA." CHARLIE CHAPLIN--- NÃO TENTE FORÇAR, DEIXE A VIDA FLUIR. EVA IBRAHIM

UM PASSARINHO QUE CAIU DO NINHO.
               CAPÍTULO QUATRO

   O menino aceitava a situação com tranquilidade, ouvia música e as histórias que as duas mulheres contavam; pensava que seus olhos estavam vendados para cicatrizar os ferimentos. Gilda saiu do seu emprego no Banco, onde era caixa, para ficar o tempo todo com seu filho. Danilo concordou, precisavam compensar a cegueira da criança de alguma maneira e a mãe ficaria encarregada de minimizar a situação.
      Além do que, a mãe de Gilda que ficava com o menino para ela trabalhar, disse que não saberia cuidar de uma criança cega. A filha aquiesceu, o filho era seu tesouro e ela cuidaria dele noite e dia se fosse preciso.

      Danilo parecia mais conformado, conversava com Sandro e até lhe contava histórias, mas não queria conversa com sua mulher. Fazia três meses do ocorrido e o marido nunca mais tocou em Gilda. E, se ela se aproximava dele, ele se afastava e a noite na cama, ele a empurrava. Havia um rio de mágoas entre eles, uma sensação de perda muito grande. Ambos estavam machucados.
      Um respeitava a dor do outro, porém não havia como abordar o assunto. Sofia aconselhava a prima para não deixar o amor de marido e mulher morrer, como acontecera com ela; porque no final é a separação que acontece.

      Em uma noite de verão ao som de relâmpagos e trovoadas, Sandro começou a chorar e quando a mãe o abraçou ele pediu para ela acender a luz. Gilda sentiu, naquele momento, a maior dor que poderia sentir, não teria mais luz, só escuridão, disse baixinho ao pé do ouvido do filho. Ficou abraçada a ele até a chuva passar e ele adormecer, depois foi chorar na varanda; nada mais poderia fazer.

      O marido, que a tudo presenciara, foi sentar-se ao lado de sua mulher. Com grande esforço ele a abraçou e puxou para perto de si e as lágrimas se confundiram. Lavaram a alma de tanto chorar e depois Danilo disse que sabia que ela não tivera culpa, foi um acidente, ele estava presente. Porém, não conseguia suportar a ideia de que seu único filho parecia um passarinho que caiu do ninho. Sandro andava perdido, tateando pela casa, doía muito ver aquela situação e não poder fazer nada. Todos seus sonhos e projetos para o filho caíram por terra, o que seria o futuro para ele, sem poder enxergar?

      A mulher argumentou que existem muitas crianças cegas, projetos escolares e assistência para eles. As crianças são perfeitas e o fato de não enxergarem não quer dizer que não possam viver e interagir com as outras crianças. Estivera lendo a respeito e levaria o filho para onde fosse necessário para que ele aprendesse a ler e outras coisas de seu interesse.

      Danilo concordou, ela tinha seu apoio, jamais abandonaria seu menino. Foram para a cama e dormiram abraçados; encontraram um caminho para trilhar juntos. Um ponto tênue de ligação amorosa, que precisava de muito empenho para progredir. Uma coisa ela pediu a ele, que nunca mais dissesse que Sandro parecia um passarinho que caiu do ninho, pois, ela iria fazer dele um homem forte e seguro, apesar da cegueira.

      A relação do casal melhorou, entretanto, Danilo adquirira o hábito de beber, e quando bebia falava coisas que ofendia sua esposa. Muitas vezes ela pedia para Sofia ficar com Sandro e ia à Igreja conversar com Deus. Ela sabia que seu anjo da guarda a acompanhava, então, ela se sentava no banco da Igreja e abria seu coração. Voltava para sua casa com novas energias para seguir em frente. O pároco, de tanto vê-la ali, um dia a chamou para conversar e a conversa foi tão boa, que se tornou um amigo valioso para Gilda.

      Ele lhe disse que o fato ocorrido foi uma prova de amor e que aquela era sua missão nessa vida; deveria aceitar e seguir em frente sem reclamar. E, que aquela mulher negra poderia ser mesmo, um anjo que Deus mandou para ajuda-la a suportar a carga que lhe fora atribuída, Gilda confidenciou à prima Sofia.

      Sofia, também estava ali para ajuda-la com o menino e minimizar a situação; sua dor era grande, mas havia sempre um bálsamo para equilibrar. Sandro estava vivo e o filho de Sofia não pertencia mais a este mundo; Gilda se consolava ao ver a dor da prima.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

"OS ANJOS SE FAZEM NOTAR APENAS PARA AQUELES QUE ACREDITAM EM SUA EXISTÊNCIA, EMBORA SEMPRE ESTEJAM POR PERTO." PAULO COELHO---NUNCA É TARDE PARA RECOMEÇAR. EVA IBRAHIM

UMA ROSA PARA GILDA

CAPÍTULO TRÊS.

        Gilda seguiu andando pela rua de cabeça baixa, estava muito triste por tudo que aconteceu ao seu filho; também sentia vergonha por estar com os pés descalços. Entretanto, havia uma paz estranha dentro dela, à ferida ainda estava aberta, mas já não sangrava tanto. Lá no fundo ela sabia que não estava só, alguém olhava por ela e por Sandro.

        Ao entrar em sua casa, sentiu um perfume de flores, entretanto, não havia nenhuma flor no ambiente, a sala estava na penumbra. Quando adentrou ao quarto, ela foi até o criado mudo e avistou uma rosa ao lado do remédio de feridas; o mesmo que cegou seu menino.

        Sentou-se na cama e pegou a rosa nas mãos, era apenas um botão vermelho, que exalava um perfume inebriante.
      -Quem teria colocado a flor ali?
       De repente ela sorriu, já sabia a resposta, foi o anjo que a amparou, a mulher negra. Franziu a testa e se lembrou de que não sabia o nome dela. Era muito estranha à situação vivida, pensou a mulher encabulada. Depois, levantou-se apressada adentrando ao banheiro. Tomou um banho rápido, estava se sentindo suja. Antes de sair, colocou a rosa em um copo de água e, com o vidro de remédio na mão seguiu para o Hospital.

      O vento frio da manhã batia em seu rosto e ela sentia que ainda estava viva, apesar de toda aquela loucura que ocorrera em sua vida. Teria que buscar forças para enfrentar a luta que se iniciava naquele dia.

       Sandro foi internado no Hospital de oftalmologia, teria um atendimento especializado; seu caso era grave e irreversível, dissera o médico. Gilda permanecia ao lado do filho, enquanto seu marido levava à notícia aos parentes, que a condenaram impiedosamente.

      Seu coração já estava em frangalhos com a situação e ainda teria que suportar a indiferença do marido e o falatório dos parentes e conhecidos. Porém, ela recebeu apoio de uma prima distante, que viera para ajuda-la, assim que soube do ocorrido.
Sofia era filha de uma tia de Gilda e perdera o filho ainda pequeno; agora estava separada do marido. A criança teve meningite e morreu em três dias, a mulher sofreu muito e quando soube dos acontecimentos na casa da prima ficou nervosa e disse que iria ajuda-la.
       Estava disponível para aliviar as dores de Gilda e seu filho; eles não estavam sós. Curava sua dor da perda ajudando as pessoas necessitadas.

      Sofia cuidava da casa de Gilda enquanto ela acompanhava o filho internado.
      Passados dez dias, Sandro tivera alta do Hospital; as feridas dos olhos estavam cicatrizadas. Voltaria para casa, estava cego; um mundo escuro e difícil se iniciava para ele e sua mãe.

       O pai foi busca-los no Hospital e estava cheirando a álcool; Gilda estranhou, ele não gostava de bebidas.
      –Será que agora iria começar a beber?
Ele mal olhou para ela; pegou o filho no colo e abraçou. Uma coisa era certa, Danilo amava o menino e estava sofrendo muito com aquela situação. Todos da família estavam sofrendo de alguma maneira e a culpada era Gilda. Que fora julgada sem piedade, sem direito de defesa e condenada ao sofrimento eterno.

      O que menos importava para a família de Danilo era seu sofrimento, teria que ficar calada. Até sua família a condenava, ninguém queria ouvir suas explicações. Sua vida estava acabada desde o dia do acidente, agora viveria para diminuir o sofrimento de Sandro. Seria a luz dos olhos de seu filho, jamais o abandonaria.

      Ao chegar a sua casa ela viu a rosa no copo de água, ainda estava viva e com seu perfume espalhado pelo ambiente.
Sofia estava esperando a família com a casa limpa e a comida pronta; Gilda agradeceu a prima com um abraço. Depois pegou um envelope que estava sobre a mesa e abriu. Havia um pequeno pedaço de papel com a frase:
    “Boas vindas”, Dora.
     Não tinha remetente, nem endereço; somente o nome dela na frente. Gilda sorriu, era dela, seu anjo da guarda, a mulher nunca dissera seu nome, porém, ela tinha certeza que era dela o bilhete, tinha o cheiro da rosa vermelha.

     Ela beijou seu filho, Dora estava por perto, ela sentia sua presença.
      Sandro era um menino calmo e gostava de ouvir histórias que sua mãe lia em livros infantis. Gilda ainda não lhe dissera que nunca mais veria as coisas a sua volta, apenas dizia que seus olhos precisavam sarar. Ela e Sofia tiraram móveis e coisas do caminho para facilitar a locomoção do menino. As duas mulheres o guiavam pela casa, pegando em sua mão. Sofia cuidava da casa enquanto a mãe cuidava do menino e seu tratamento.

     Danilo chegava a sua casa já ao anoitecer e sempre cheirando a cachaça. Dava um beijo no filho e caia na cama, ignorando sua mulher.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.
MEU MUNDO REINVENTADO.

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