LUGAR
NENHUM
CAPÍTULO
OITO
Andou a esmo, atravessou uma feira
livre e esbarrou em uma banca de verduras. O dono das verduras olhou feio para
Cirilo Artur, que saiu pedindo desculpas e foi sentar-se em um banco do jardim,
que ficava em frente a uma igreja católica.
Não queria pensar em nada, estava
entorpecido pela dor da perda da mulher amada. A vida para ele terminava ali;
não saberia viver sem Olívia. Foram felizes durante três anos; muito pouco para
quem tinha imensos projetos de vida a dois.
Dentro da igreja havia um alarido de
crianças e outras tantas chegando a todo momento, trazidas pelos parentes.
Entravam acenando com as mãos para os familiares, que as deixavam ali.
Crianças! Eles planejavam ter uma também. Despertou sua curiosidade e
ele foi verificar, precisava ocupar a mente para não começar a gritar
desesperado. Ele tinha um nó na garganta que o sufocava.
Eram crianças aprendendo o
catecismo; então, Cirilo Artur sentou-se no banco logo na entrada e ficou
observando. Ele nunca estivera em uma igreja católica e ali havia uma energia
contagiante, pensou o rapaz. E, como se tivesse orando começou a balbuciar:
- Deus está em todos os lugares e
aqui dentro também; esta é sua casa. Não importa a religião, Deus é único e
vive presente em cada um de nós. Assim dizendo, as lágrimas vieram e ele chorou baixinho, depois suspirando continuou:
- Meu Deus receba a minha amada
esposa e olhe por mim, porque sou fraco e preciso de sua ajuda.
A igreja era um lugar grande e alto, onde as vozes das crianças faziam eco, quando cantavam. E, quando paravam de cantar, ficava no ar um
burburinho de felicidade. Vez ou outra, para acompanhar o som do órgão, alguns
pássaros davam voos rasantes, que quase atingiam o rapaz.
Depois, pousavam em seus ninhos no
cantinho da nave da igreja, que com seus afrescos e vitrais coloridos
transmitia paz em sua grandeza. Diante de tanta beleza, Cirilo Artur chegou a
esquecer-se, por um momento, que Olívia estava morta.
No entanto, quando se lembrou do
passamento ocorrido naquela manhã, deixou a igreja e voltou, cabisbaixo, para o
hospital. Percebeu, então, que aquela dor era só dele e de sua família, pois, a
vida continuava lá fora. Seu coração estava
ferido mortalmente, mas havia voltado a bater em ritmo normal. As crianças
acalmaram seu coração, que vivia uma emoção intensa.
Precisava ser forte, porque ele
tinha o pior compromisso de sua vida, preparar o funeral de sua esposa.
Entretanto, quando chegou, o irmão e um tio já haviam providenciado o velório e
os trâmites legais do enterro. A ele restava esperar a liberação do corpo e
fazer o seu papel de viúvo; palavra que ele já detestava.
Sentou-se em frente ao necrotério
para esperar o corpo de Olívia. Logo chegaram alguns amigos, parentes e irmãos
da igreja e todos diziam para ele ir tomar um banho e comer alguma coisa, que o
corpo iria demorar.
Ele só fazia sinal com a cabeça, não
poderia responder, havia uma obstrução em sua garganta. Parecia um bolo de emoção
mal resolvida, que o impedia de falar. Não tinha fome e sua vida estava
acabada, não precisava de banho, aliás, ele não precisava de nada. Era o dia
mais triste de sua vida e seu futuro seria enterrado com sua esposa.
O corpo chegou e Cirilo Artur se
postara estático ao lado do caixão. O pessoal do escritório também foi prestar
solidariedade ao colega. Ele recebia os pêsames e agradecia como se fosse um
robô. Seu coração estava morto e seu futuro seria em lugar nenhum.
Um
texto de Eva Ibrahim