OS
CARAS PINTADAS ESTÃO DE VOLTA
CAPÍTULO
ONZE
No sábado, após o jantar, a família de Alberto
se reuniu para a preparação de suas vestimentas e acessórios, que usariam no
dia seguinte. A família iria participar do movimento contra a corrupção, que
acontece em grande escala no governo brasileiro. Houve uma convocação geral nas
redes sociais e nas mídias para o protesto, que aconteceria no domingo 15 de
março de 2015.
A mãe e os três filhos pediram ao pai
que lhes contasse como fora o movimento dos “caras-pintadas” contra o governo
de Fernando Collor de Melo, uma vez que ele participara da grande passeata, que
mobilizou o país em meados de 1992. E, que posteriormente culminou com sua
renúncia em 29 de dezembro de 1992, horas antes de sua cassação.
Alberto gostava de contar as lutas que
presenciara e participara durante os anos difíceis da Ditadura Militar. Queria
ensinar aos filhos o valor da democracia e o temor que sentia quando ouvia
alguém dizer que queria a ditadura de volta. Assim, ele deixava claro aos seus
filhos, que a coisa mais importante do mundo é a liberdade: imprensa livre, ter
paz para trabalhar, poder ir e vir sem medo. Lutar pelos seus direitos e
cumprir com seus deveres. Nossos avós e pais lutaram para formar uma sociedade
de direito e devemos preservá-la, custe o que custar.
Alberto, então, começou a contar
a história que ele vivenciara como cara pintada e que trazia na memória com
muito orgulho.
- A passeata dos caras pintadas no
início da década de noventa, se espalhou pelo Brasil. Consistia num movimento
contra os desmandos do governo do Presidente Collor, que assumira o governo com
muitas promessas de lutas contra a corrupção, ajustes fiscais, econômicos e
amparo aos descamisados. Porém, suas atitudes e decisões demonstraram que todas
as suas promessas eram falsas. E, que por trás havia um grande esquema de
corrupção. Depois do confisco
da poupança, o que deixou a população perplexa e as decisões tomadas pelo
governo, que não favoreciam os interesses da nação, houve uma tomada de
consciência geral. Então, houve a maior
mobilização de protesto popular contra um governo, já visto no Brasil.
A
massa popular era composta de pessoas de todas as idades e principalmente por
adolescentes, que munidos de sua mais poderosa arma, a Bandeira do Brasil,
gritavam palavras de ordem. Grupos saíram às ruas vestidos de preto, outros com
as cores do país e muitos com os rostos pintados para a guerra. Uma luta em
prol da democracia, de um país mais justo e contra um governo corrupto.
Diante de tantos clamores e
mobilização popular, que procurava de alguma forma se proteger, para impedir o
retrocesso aos anos de repressão da ditadura, a voz do povo se fez ouvir.
Enfatizou o homem, emocionado.
As crianças prestavam atenção ao que
o pai dizia e de vez em quando faziam alguma pergunta, pois, ainda não
compreendiam bem o que era uma ditadura ou um governo corrupto.
– Preciso contar um pouco da
história dessa época, para que vocês entendam os fatos como eles aconteceram.
Disse Alberto, compenetrado.
Sua esposa e os filhos estavam
atentos, queriam estar bem informados, para entender o movimento ao qual
participariam no dia seguinte.
- Desde os anos sessenta, depois da
instauração da ditadura militar e seu regime de censura e repressão, o povo
brasileiro ansiava pelo direito à liberdade. Então, houve muitas lutas
subversivas contra o poder militar, que oprimia a sociedade civil com mão de
ferro.
Um dos grandes momentos de luta
pela democracia foram os movimentos estudantis do final dos anos sessenta, em
plena Ditadura Militar, onde jovens universitários saíam as ruas para protestar
abertamente contra o governo, expressando ideias, geralmente, de esquerda.
Muitos desapareceram e outros foram presos e exilados; foi uma fase obscura da
política brasileira, “A DITADURA MILITAR”. Nessa luta apareceram algumas
lideranças e entre elas o ex-Presidente Lula e a atual Presidente Dilma
Roussef, que lutavam na clandestinidade.
A ditadura durou 21 anos, de 1964 a
1985. O primeiro presidente eleito pelo povo foi Fernando Color de Melo que assumiu
em 1990 e renunciou em 1992, assumindo seu vice, Itamar Franco. Com o fim de
seu mandato foi eleito Fernando Henrique Cardoso, que cumpriu dois mandatos
seguidos.
Em 2002 assumiu o novo Presidente
eleito, Luís Inácio Lula da Silva. Seria a primeira vez que a esquerda
assumiria o poder e nas primeiras medidas tomadas, o governo anunciou um
projeto social: a campanha “Fome Zero”. Seu primeiro mandato foi de encontro as
expectativas do povo carente de mudanças e melhoria nas condições de vida da
população de baixa renda.
Entretanto, depois da esquerda
assumir o governo e mostrar uma nova maneira de assistir aos mais necessitados,
levando o país a uma estabilidade aparente, vieram à tona uma enxurrada de
decepções e corrupções em todos os escalões do governo, acordando o gigante que
estava adormecido.
E, na eleição de 2014 com uma disputa acirrada,
a presidente Dilma conseguiu se manter no poder em meio a muitas denúncias de
corrupção. Depois de sua posse ela tomou medidas impopulares e contrárias as
suas promessas de campanha, o que levou o povo a se posicionar contra seu
governo e pedir a sua saída através do impeachment.
- Portanto, é para esse movimento
que estamos nos preparando, frisou Alberto. O movimento em prol da ética, da
moral e da cidadania. Por mais saúde, segurança, educação e transportes, que
estão sucateados em nosso país
Diante desse cenário
confuso “os caras-pintadas” retornarão às ruas; os mais velhos, que
participaram da primeira versão, os filhos e netos deles, todos unidos para
mais uma vez defender o seu país de um governo corrupto.
Os filhos de Alberto
estavam em idade escolar e os dois mais velhos já tinham ouvido falar sobre
essa história. Mas, a menina Ana Clara, que estava no primeiro ano do ensino
fundamental, ainda não conhecia essa história, que seu pai contava com tanto
entusiasmo e patriotismo.
Alberto continuava contando que, “os
caras-pintadas” tornaram-se ícones de uma nova maneira, que o povo descobriu,
de se fazer democracia; forçar a queda de dirigentes corruptos e incompetentes.
Em seguida, todos foram dormir, precisavam descansar para cumprir seu dever
cívico no dia seguinte.
O domingo amanheceu ensolarado depois de
vários dias de chuva, no entanto, uma brisa fresca deixava o dia perfeito para
a passeata. Logo após o almoço, a família de Alberto se preparou e saiu para
cumprir seu dever cívico em defesa de um Brasil melhor. Todos vestidos com
roupas nas cores da Bandeira do Brasil, apitos, chapéus, bandeiras e as caras
pintadas de verde, amarelo, azul e branco; estavam alegres e felizes.
Saíram do bairro do Ipiranga e
tomaram o ônibus em direção ao Vale do Anhangabaú, no centro da cidade de São
Paulo. O local foi escolhido como ponto de encontro para uma das maiores
manifestações do movimento contra a corrupção, os aumentos de tarifas abusivos
e a instabilidade do atual governo da presidente Dilma.
Chegando ao local, eles foram se juntar a
outros grupos, que estavam se organizando para iniciar a passeata. Um dos líderes do grupo pegou o microfone e
começou a falar qual a diferença entre os caras pintadas antigos e os atuais.
Em 1992, o povo queria tirar um político da Presidência, baseados em suas
atitudes impopulares e provas de corrupção. Nos dias atuais a luta é contra um
partido, Partido dos Trabalhadores e a disseminação da corrupção em todas as
esferas do governo.
Para Alberto, a decepção e revolta do povo é o que existe de comum entre
os dois momentos. Ele acredita que contra o PT a revolta é ainda maior do que
com o Collor; o sentimento está na cara das pessoas e é maior do que em 1992.
Alberto conta, com um certo
saudosismo, que em 1992 os jovens eram mais comprometidos e atuantes, mesmo sem
acesso à internet e as redes sociais. Hoje em dia, com acesso a todo tipo de
tecnologia, os jovens demonstram menos interesse. Os caras-pintadas atuais são
pessoas mais velhas e experientes, levando os jovens para um compromisso com a
democracia. São idosos, cadeirantes, artistas, jogadores de futebol e muitas
crianças acompanhando os pais. A população está muito mais informada do que
antes e querem um país livre e sem corrupção. Os caras-pintadas da atualidade
estão fartos de corrupção e falcatruas; pedem a prisão dos corruptos e a queda
do governo.
O líder do grupo que estava reunido
permanecia com o microfone na mão e continuava seu discurso:
-Não adianta ir para uma
manifestação e achar que já fez a sua parte e se acomodar. Agora é a hora de
iniciar uma longa luta. Nesse primeiro momento servirá de alerta para os governantes
saberem que o povo não é bobo, e unidos tem muita força. A corrupção não está somente
em todos os partidos, faz parte do sistema. As pessoas precisam ir às ruas
brigar pelas reformas política, tributária e jurídica.
Em seguida, saíram em passeata cantando o Hino
Nacional Brasileiro e gritando palavras de ordem; foi uma festa da liberdade de
expressão e fortalecimento da democracia. A manifestação ocorreu em âmbito
nacional e quando a família de Alberto regressou a sua casa, já estava
escurecendo e as crianças, apesar de felizes, estavam exaustas. Depois do banho
e de um lanche foram dormir e marido e mulher se abraçaram, tinham ensinado aos
filhos um sentimento muito importante: o amor e respeito a Pátria. O valor dos
símbolos do país, que é a Bandeira e o Hino Nacional, que devem representar seu
povo em todos os momentos, apresentações, lutas e competições que participarem.
Portanto, as crianças aprenderam em um dia,
muito mais do que em um ano de estudos, pois, vivenciaram um momento importante
de civismo. Os filhos de Alberto e os filhos de milhares de famílias que
participaram de tão importante manifestação, criaram dentro do peito uma
semente de patriotismo. Coisa antiga, meio adormecida diante de tanta
modernidade e tecnologia, que tomou conta da nova geração. Eles estão
aprendendo o valor da presença física e do som da voz em uma luta contra um
inimigo gigante: um governo corrupto. As ruas estavam pintadas, as caras
pintadas, e as casas pintadas de verde e amarelo A manifestação ocorreu em
âmbito nacional e a mobilização assustou quem não acreditava no movimento.
- Sair detrás do computador e gritar a plenos
pulmões o orgulho de ser brasileiro, não tem preço. É sentir a liberdade no
rosto, pois, os caras-pintadas estão de volta, concluiu Alberto, satisfeito.
Então, Maria Alcina que estava na
sacada da casa do filho, olhou para o céu e com um suspiro murmurou.
– Boa noite lua, você ainda me faz
sonhar e agora, com um país mais justo.
- Ah! Eu quero registrar que tenho
certeza, que São Jorge e o dragão ainda moram na lua... Em seguida entrou e foi
descansar.
Um texto
de Eva Ibrahim Sousa