CAPÍTULO DOIS
Eu
dispunha de um bom tempo para tomar a decisão de fazer ou não a cirurgia, que
me apavorava. Havia a possibilidade de fugir daquela situação. Nunca ouvira
falar de alguém que fizera uma cirurgia de catarata, que é eletiva, a força;
mesmo porque teria que retornar para fazer o outro olho. Havia tempo para
pensar e amadurecer a ideia; queria refletir e entender como a catarata se
instalou em meu olho. Puxaria o fio da lembrança para ligar os fatos que me
levaram até aquela situação; seria uma explicação e um alerta para outras
pessoas.
Planejar
é o início de tudo e eu comecei meu projeto catarata; uma coisa de cada vez e a
resolução final sobre a cirurgia, ficaria em último lugar.
O local da cirurgia ficava distante
de minha casa, portanto, comprei as passagens de avião. Eu ficaria hospedada na
casa de minha filha, ainda que não fizesse a cirurgia. Pensava na situação criada,
na necessidade da intervenção cirúrgica e na minha covardia. Parecia que todo
mundo vinha me contar sobre cirurgias de catarata; chegava a sentir inveja de quem
já havia feito à operação. Entrei na internet para ver vídeos sobre a cirurgia
e quase desisti; o procedimento parecia muito agressivo, me arrependi de olhar
aquilo.
As festas de fim de ano terminaram e eu
tinha que enfrentar a situação, alguns itens do projeto deveriam ser cumpridos.
Exames pré-operatórios, avaliação cardiológica e outros itens para o pós-operatório,
tais como: muitos colírios, quatro para o olho esquerdo, quatro para o olho
direito, remédio para dor, muitos lenços de papel e óculos escuros.
Senti uma pontada no peito, eu tinha
resistência em abandonar meu velho companheiro, os óculos de graus. Eu possuía
vários óculos que vinha colecionando ao longo de várias décadas, feios, bonitos,
ridículos; alguns foram reaproveitados, outros abandonados, porém todos tiveram
sua glória em algum momento de minha vida.
O uso dos óculos já tinha décadas,
pelo menos três; uma necessidade incontestável. Como todo mundo, eu comecei com
óculos para ler e depois incorporei o assistente, que passou a ser a luz dos
meus olhos. Não conseguia ir ao banheiro sem o sujeito sobreposto em meu nariz.
Amigo para todas as horas; ás vezes entrava debaixo do chuveiro e só então,
percebia que ainda estava de óculos. Outras vezes, me deitava e depois sentia
que os óculos permaneciam montados sobre o meu nariz. Então, tinha que tirá-lo
para que ele não amanhecesse todo torto, como já acontecera em outras ocasiões.
Certo
dia, quando fui adentrar ao Banco para fazer um pagamento, a lente do lado
direito dos meus óculos saltou, caindo no chão. Em seguida foi escorregando e
parou no pé de um jovem que, espantado deu um passo para trás; que sorte, daria para resgatá-la, pensei ansiosa. Ele a entregou para mim, estava sorrindo
disfarçadamente; afinal, lentes de óculos não ficam pulando por ai. Quando
olhei para trás, pude ver o rapaz e suas colegas cochichando entre risinhos de
contentamento, pela situação vexatória que presenciaram.
Desisti
de pagar a conta e fui procurar uma Ótica, pois estava me sentindo envergonhada com o buraco deixado pela lente e também enxergando muito pouco. A atendente da Ótica me conhecia de outros atendimentos e aproveitou
para polir e ajustar os óculos na máquina; ficou ótimo e sai feliz de volta ao
Banco. Ele fazia parte de mim, sem ele eu não faria nada, como poderia
abandoná-lo?
O projeto catarata tinha a finalidade de corrigir o problema constatado e aposentar os óculos. E, eu ainda não sabia como sobreviveria sem eles.
O projeto catarata tinha a finalidade de corrigir o problema constatado e aposentar os óculos. E, eu ainda não sabia como sobreviveria sem eles.
Com
a troca do cristalino, o médico garantiu que eu não precisaria mais usar óculos
de graus, entretanto, o medo criara um bloqueio em meu pensamento. Não queria
pensar naquilo, por enquanto era somente um projeto de saúde.
Um
texto de Eva Ibrahim.
Continua
na próxima semana.