ENTRE
OS LÍRIOS
A CHUVA FINA
CAPÍTULO UM
A chuva castigava a região fazia uma
semana, os
transtornos estavam por toda parte. Quedas de barreiras, rios acima do nível
causando inundações e as ruas da cidade cheias de lama, que desceram pelas encostas
dos morros. Assim se apresentava o domingo naquela cidade do interior de Minas
Gerais.
As ruas escorregadias provocaram diversos
acidentes e entre eles, estava a derrapagem de um motoqueiro. Fernando, o dono
da pizzaria daquela região, sofrera um grave acidente ao entardecer daquele
dia.
Ele saíra para fazer uma entrega, pois seu
ajudante faltara ao trabalho. Era um domingo e a pizzaria estava cheia, o que o
deixava satisfeito, a féria do dia seria boa. Ele precisava saldar dívidas
acumuladas há algum tempo.
Saiu apressado, tinha muito serviço
e poucos funcionários. Com a recessão instalada no país sobraram dois
funcionários, para ajudar no seu comércio, o restante precisou ser dispensado.
Marília, a esposa, ficou encarregada do caixa e Fernando passou a atender o
balcão, juntamente com o rapaz que fazia as entregas. Na cozinha ficaram o pizzaiolo
e o filho do casal, Lorenzo de 16 anos, que ajudava no preparo das pizzas.
Durante a semana, o movimento era
tranquilo, mas aos domingos o trabalho apertava. Havia indicadores de recuperação
do comércio alimentício, deixando Fernando animado. E, naquele dia frio e
chuvoso, muita gente apareceu para jantar pizza e, também recebeu outros tantos pedidos, para serem entregues em suas casas. Fernando se desdobrava, mas com a falta do
rapaz, que estava doente, ele teve que sair para fazer as entregas. Lorenzo
ficou atendendo o balcão.
O motoqueiro seguia distraído com
tantos pensamentos aflitivos, queria dar conta da freguesia, mas estava
difícil. Acelerou e derrapou na curva, batendo a cabeça na traseira de um
ônibus. A moto entrou para debaixo do veículo e ele ficou estatelado no chão. No
primeiro momento, ele tentou se erguer, mas sua cabeça doía muito e corria
sangue pelo rosto até sua boca. Um gosto salgado o fez cuspir enojado, era
sangue quente, que descia da cabeça.
Deitou e percebeu que havia muita
gente ao seu redor. Tentou se erguer novamente e foi contido por um homem, que
tentava estancar o sangue com um pano e acalmá-lo. Então, relaxou e sentiu
dores lancinantes em sua perna, que não obedecia ao seu comando. Lágrimas
correram pelo seu rosto, misturando-se ao sangue e para piorar começou a chover.
A demora na chegada do socorro e a
chuva fria o estavam enregelando. Ele ficara estendido sobre uma pasta de
sangue e lama misturados. A dor era tanta que ele pressentiu que iria desmaiar,
então, ouviu a sirene do corpo de bombeiros se aproximar. Em seguida, mergulhou
em uma escuridão total, estava inconsciente.
A conclusão a que chegou,
posteriormente, é que se tivesse morrido, não teria sentido nada, pois não se
lembrava de nada além da sirene do carro dos bombeiros. O médico explicou que
ele sofrera um choque hipovolêmico, pela perda excessiva de sangue e em
consequência perdeu a consciência.
Poderia ter morrido se não fosse atendido
prontamente com a reposição de volume no corpo. Na sala de cirurgia ele foi
sedado e intubado para proteger seu cérebro. Além do corte profundo no couro cabeludo, havia inchaço no cérebro, o trauma fora violento. Explicou o médico para a
esposa de Fernando, que aguardava ansiosa por notícias do marido.
Depois de vários dias ele foi extubado para recobrar a consciência. Marília estava ao seu lado quando ele acordou. Fernando abriu os olhos e assustado perguntou:
Depois de vários dias ele foi extubado para recobrar a consciência. Marília estava ao seu lado quando ele acordou. Fernando abriu os olhos e assustado perguntou:
- Onde estou, o que aconteceu? Parecia
não se lembrar de nada.
- Está no hospital, você
sofreu um acidente com a moto no domingo. Respondeu sua esposa aflita.
A perna direita estava
imobilizada com muitas ataduras, em seguida, ele levou a mão à cabeça, que doía
em pontadas, e encontrou mais ataduras. Olhou para suas mãos e estas estavam
cheias de arranhões. Duas lágrimas correram de seus olhos, então ele indagou:
– Que dia é hoje?
– Sexta-feira, hoje faz cinco dias que você está aqui no hospital. Os médicos fizeram uma cirurgia em sua
perna, que estava quebrada e suturaram sua cabeça com quinze pontos. Agora está
tudo bem, fica sossegado. Concluiu sua esposa, tentando acalmá-lo.
Fernando tentou se
levantar e caiu para trás com dores lancinantes na cabeça. Estava sentindo um enorme vazio, um corpo pesado e não se lembrava de quase nada, apenas da chuva
fina molhando seu corpo ferido e uma sensação de morte iminente.
Com muita dor na cabeça ele forçou
a mente e disse que ficou um tempo sentado em meio a uma plantação de lírios
brancos. Lá havia muita luz e paz. Em seguida, cobriu os olhos com os braços,
começou a gemer e depois passou a gritar de dor.
Um
texto de Eva Ibrahim Sousa.