CAPÍTULO
ONZE
A mulher mantinha-se na cama quieta
e com os olhos fechados; o sono demorou a voltar. Dava para ouvir os barulhos
da roça, um latido de cães ao longe, que era respondido em diversos lugares e
distâncias diferentes. Uma melodia canina fazendo eco na madrugada, com
pequenos intervalos de silêncio.
Na árvore, perto da janela do quarto
do casal, havia corujas piando, uma, duas, três, eram várias e deixavam os
sentidos de Teresa aguçados. Não gostava da presença de corujas, traziam
mensagens de mau agouro, segundo o consenso popular.
Havia muitas perguntas no ar e não
havia respostas possíveis, naquela noite de Natal. O dia amanheceu e quando
Teresa acordou de um breve cochilo, Dirceu não estava mais na cama.
Levantara-se muito cedo e saíra para ver a destruição do incêndio diante da luz
do dia. Os estragos no rancho foram pequenos, os maiores estavam dentro do
peito de Dirceu.
Ele estava nervoso e muito bravo
com tudo aquilo. Preferia ficar calado até a raiva abrandar ou acabaria por
ofender sua mulher no dia de Natal. Ela não merecia, Teresa era uma boa mulher
e também uma mãe amorosa.
Quanto
ao Benjamim, este lhe dava muitas preocupações, temia pelo seu futuro. Ainda
não vira as queimaduras nas mãos do filho, teria que enfrentar mais essa
situação. Seu coração estava escuro, triste por ver o menino sofrendo física e
emocionalmente.
Dirceu
sentia saudades de quando via o filho montado a cavalo, correndo pelos pastos
sem camisa. Parecia forte e imbatível, no entanto, agora Benjamim ficava
contido em uma cama. Não estava fácil para ninguém, havia nuvens de desconfortos
no ar.
O pai entendia o que o menino fizera e também
não encontrava culpados para aquela atitude intempestiva. Antonio, seu cunhado,
nem sabia do acidente e trouxera a bicicleta para alegrar os sobrinhos, não
seria justo culpa-lo pela frustração do afilhado.
O Sol brilhava forte e aquele seria
um Natal diferente, todos cansados e com mágoas uns dos outros. Mas, ele não
estragaria o que restava do dia tão esperado. Pensou no nascimento do menino
Jesus, era um dia de alegria para todos os cristãos. Iria tomar algumas
atitudes para pacificar os ânimos.
Voltou para casa e encontrou Teresa fazendo
café. Aproximou-se dela e beijou seu pescoço, ela deu um passo atrás, então,
Dirceu a abraçou e disse:
- Feliz Natal mulher, eu te amo.
Não vamos estragar o Natal dos meninos reunidos. Em seguida a beijou.
- Obrigada homem, também te amo,
vamos fazer de conta que não aconteceu nada nesta noite. Vou fazer um almoço
especial de Natal.
Em seguida, foram ver Benjamim, que
gemia baixinho enquanto cochilava. Dirceu disse a Teresa que iria buscar
Bibiana para fazer curativo nas mãos do filho.
A curandeira ficou preocupada com as
queimaduras nas mãos do menino e disse ao casal:
- É melhor leva-lo ao médico,
isso pode infectar e piorar a situação de Benjamim. Em alguns pontos a
queimadura foi profunda.
O homem, então, disse que faria
isso no dia seguinte.
– Vou leva-lo até o posto médico da
vila, para conseguir um remédio para aliviar as dores das queimaduras.
A curandeira concordou com a cabeça e
seguiu de volta para sua casa, ficara realmente preocupada. As queimaduras não
eram apenas superficiais, careciam de cuidados médicos e teriam um longo
processo de recuperação. Em sua sabedoria popular ela tinha esse entendimento.
Benjamim sentia muitas dores,
mas evitava reclamar, pois tinha quatro olhos de censura, o tempo todo,
pregados nele. Rui e Marília não o perdoavam por ter estragado a bicicleta. Ela
ficara encarregada de levar e oferecer os alimentos para o irmão. Rui, o irmão
mais velho, deveria ajudar em sua locomoção para o banheiro e arrumar suas
calças, pois Benjamim tinha as mãos queimadas.
Os dois sentiam raiva de Benjamim e
ainda tinham que passar por criados dele, isso era terrível; estavam
revoltados. Ficavam calados para não aborrecer a mãe, mas olhavam com olhos que
fuzilavam o irmão. O menino estava na berlinda e precisava da ajuda de todos,
até para suas necessidades íntimas.
Com Benjamim acuado e os irmãos
irados, foi assim, que transcorreu o dia de Natal da família.
Um
texto de Eva Ibrahim Sousa.