ATRAVESSAR A PRÓPRIA SOLIDÃO
CAPÍTULO DEZESSETE
A missa prosseguiu solene em
intenção aos entes queridos de vários paroquianos. O organista tirava notas
doídas do instrumento musical. Havia tristeza no ambiente carregado de orações
e emoções contidas. Quando a celebração terminou, alguns familiares pararam
para cumprimentar conhecidos e a sogra de Celina se afastou um pouco da moça.
Reinaldo se aproximou e estendeu a mão para cumprimenta-la dizendo que, sentia
muito por tudo que acontecera com Fernando.
Celina respondeu dizendo que
também sentia pela morte prematura de Amanda. Em seguida, a moça ruborizada, pediu
licença e foi procurar a sogra. As duas mulheres saíram da Igreja mais
conformadas; não estavam sós no sofrimento da perda. A busca de Deus conforta e
proporciona atravessar a própria solidão gerando conforto e menos sofrimento.
Viver o silêncio exterior, que é
importante, mas fundamentalmente o silêncio interior, que age como abertura
quando descobrimos que a nossa verdadeira identidade se desvenda na presença do
mistério de Deus, que nos habita. A solidão, tantas vezes sentida como dor
intensa, quando atravessada abre uma nova porta para a vida.
Celina
voltou para casa pensativa; não tirava da cabeça o gesto de Reinaldo. Ele
conhecia a história dela e também estava sofrendo. Em seu íntimo sentiu vontade
de consolá-lo, já amargara sua cota de sofrimento e agora sentia-se mais leve
para lhe dizer que, “afinal a vida continua”.
A
viúva estava mais disposta, queria sair e andar a esmo; havia sofrido muito e o
tempo começava a anestesiar sua dor. Ir à missa tornara-se um hábito e
consequentemente as antigas amizades voltaram a chama-la para sair. No entanto,
o tempo não para e nove meses da morte de Fernando e um ano de casamento se
passaram; uma data impossível de não se lembrar.
Celina
foi à Igreja para aliviar seu coração cheio de amargura e quando adentrava ao
local, apesar de ser dia de semana, viu que já havia algumas pessoas ajoelhadas
diante do Santíssimo, fazendo suas orações. Foi juntar-se a elas e quando
ajoelhou viu Reinaldo no banco detrás. Ele a cumprimentou com a cabeça e um
leve sorriso; seu coração disparou.
Ambos
ficaram ajoelhados, rezando com o pensamento disperso, um pensava no outro;
havia uma ligação de perda entre eles. Depois de um certo tempo, ela saiu
apressada; sentia seu rosto ferver. Reinaldo foi atrás e quando a alcançou
disse que precisavam conversar; era inevitável aquele encontro. Tinham um assunto
em comum, estavam viúvos e carentes. Precisavam de um ouvinte que entendesse de
perdas; que houvesse experimentado o amor e suas surpresas, a dor e seus
enganos.
Um
texto de Eva Ibrahim.
Continua
na próxima semana.