EM
MEIO AO LARANJAL
CAPÍTULO
DOIS
Tudo começou há três décadas, mais
precisamente quando a família de Alceu morava no interior do Mato Grosso do
Sul. Tinham um pequeno sítio em uma área rural e mantinham um pomar de
laranjas. As frutas, de boa qualidade, eram vendidas na feira livre da cidade
mais próxima e o excedente para fábricas de sucos de laranjas.
O pomar de laranjas era uma
lavoura que exigia pouco trabalho manual, portanto rentável. E, enquanto a
natureza se encarregava da produção de laranjas, eles plantavam vagem, tomates
e outros produtos hortifrúti. Assim a vida corria normalmente e havia fartura
na região.
Pai, mãe, avô, avó maternos, André,
Alceu e depois três meninas, uma família comum do interior do Brasil. Os
meninos trabalhavam na roça com o pai e o avô; as meninas ajudavam a mãe e a avó
na casa.
Em uma certa manhã, o pai percebeu
que havia problemas no laranjal. As folhas e as laranjas estavam enferrujadas
em vários pontos. O pai e o avô subiram na velha caminhonete e foram para a
cidade buscar o agrônomo. Precisavam diagnosticar a doença, pois temiam as
pragas, que rondavam os laranjais da região. O agrônomo foi taxativo:
- É o bicho furão mostrando a sua cara, é
necessário um combate ferrenho para que ele não se espalhe ou perderemos todo o
pomar. Em último caso será necessário arrancar e queimar todo o laranjal.
Quirino, o pai, viu seu mundo
desabar, demorou anos para a formação daquele pomar e somente agora começou a
dar lucros, não seria justo queimar todo o pomar por causa de pragas.
– Faremos o que for necessário para
não perder o laranjal, afirmou Quirino, bastante nervoso.
- Então, a solução será entrar com agrotóxicos
e não dar folga para o bicho, disse o agrônomo preocupado.
No
mesmo dia foram buscar os agrotóxicos para iniciar na manhã seguinte, bem cedo,
o combate aquela praga. Era um procedimento feito logo após o amanhecer, com
uma bomba pendurada nas costas do agricultor.
Um procedimento manual, que liberava o veneno atingindo as folhas e frutos das laranjeiras. O veneno saia por um bico
regulável de uma mangueira, espalhando-se por todo o ambiente. O agricultor que
manuseava a bomba também ficava exposto ao veneno.
Quirino
montou a bomba e a carregou com o veneno. Pulverizou uma pequena parte e o
filho mais velho chegou para pedir que fosse receber o caminhão, que iria
transportar as caixas de vagens e tomates para o Ceasa.
Alceu ficou olhando e experimentou colocar a
bomba em suas costas. Sentiu firmeza e resolveu pulverizar o restante da
plantação. Quando Quirino voltou, Alceu já estava com o serviço bem adiantado.
Ele era um menino de dezessete anos, forte e arrojado; poderia fazer aquele
serviço para ajudar seu pai. Sendo assim, o pai autorizou que ele terminasse a
pulverização.
O
dia transcorreu normalmente e os homens foram para casa tomar banho, jantar e
descansar para o dia seguinte. Quirino estava mais tranquilo, pois as
providências quanto as pragas já tinham sido tomadas.
No dia seguinte, Alceu levantou-se
com mal-estar corporal, mas atribuiu a chegada de algum resfriado. O rapaz foi
diretamente para o paiol pegar o veneno e continuar a pulverização recomendada
pelo agrônomo. André, o pai e o avô foram cuidar das outras plantações, que
requeriam mais cuidados.
Na
hora do almoço, uma das filhas foi levar as marmitas para que os homens não
perdessem tempo e almoçassem por ali mesmo.
No entanto, Alceu não apareceu e Quirino
foi assuntar o que aconteceu. Ao chegar no pomar, ficou arrazado ao se deparar com o filho caído em meio ao capinzal,
entre as laranjeiras. Estava desfalecido, com a boca espumando, as calças
urinadas e com trejeitos estranhos.
Correu pedindo apoio aos demais, para ajudarem no socorro do filho. Então, o avô olhando o neto disse estarrecido:
- Rápido, o Alceu está convulsionando!
Um
texto de Eva Ibrahim Sousa