UMA FLOR MURCHA
A
mulher virou-se na cama e sentiu falta de Murilo, nos últimos dez anos seu
corpo esteve ali, junto dela. O travesseiro, que mantinha o cheiro
característico do marido, continuava ao lado do seu. Aquele odor misturado de
shampoo e suor, que muitas vezes a incomodou, era a lembrança viva do seu amor.
Agora parecia um perfume, que ela abraçava entre lágrimas.
- Onde será que ele dormiu? Terá ido
diretamente para a casa de Raquel? Será que fizeram amor, rindo de mim?
Essas perguntas bailavam em sua
mente. Sentou-se na cama, precisava levantar-se e verificar como estavam as
crianças. Fez sua higiene pessoal chorando, olhava no espelho e via uma pessoa
acabada. Estava sem a vivacidade costumeira, parecia ter envelhecido dez anos,
na última noite.
Lívia não levou as crianças para a
escola, não queria ver ninguém. Sentia-se envergonhada, por ter perdido o
marido para outra mulher. Passou o dia meio morta, levantava-se para atender as
crianças, dar de comer ao cachorro, mas seu corpo pedia cama; estava aniquilada
moral e fisicamente. De uma coisa ela tinha certeza, aquela história ninguém
saberia de sua boca. Estava calada, vivendo o mais profundo luto da morte do
seu casamento.
O final de semana chegou e
ela continuava na mesma. Fazia três dias que o marido deixara sua casa. O telefone
tocou várias vezes, porém, ela não atendeu. Lívia estava de mal com o mundo,
não queria contato com ninguém, que estivesse fora de sua casa.
Era domingo e já passava das dez horas da manhã, quando a campainha
tocou, as crianças foram para a frente da casa. Em seguida, entraram correndo e
gritando:
- A vovó está chamando você, mamãe.
Lívia se apressou a olhar pela janela, era sua sogra. Foi passar um
pente no cabelo antes de abrir a porta, então percebeu, que estava envelhecida
e desleixada. Entretanto, não havia tempo para se arrumar, a mãe de Murilo
estava entrando, as crianças abriram o portão.
- O que está acontecendo nesta casa? A mulher falou espantada, olhando a
bagunça que havia ali, o que não era normal.
- O seu filho nos abandonou por outra mulher. Lívia disse e começou a
chorar.
Rosa, a mãe de Murilo, tratou de abraçar a nora e confortá-la.
- Vamos conversar, me conte tudo o que aconteceu, por favor.
Entre soluços ela contou o motivo, pelo qual o marido havia ido embora.
A velha senhora chorou junto com a nora; temia pelo futuro dos netos.
- Nunca pensei ter que presenciar uma situação como essa. O que posso
fazer para ajudar?
Depois
do almoço, a sogra saiu dizendo que iria conversar com o filho; ele tinha
obrigações a cumprir. A nora ficou olhando a mulher partir e sentiu vontade de
reagir. Não poderia continuar naquela morbidade, em que se encontrava naquele
momento. Sentia-se como se fosse uma flor murcha.
Murilo tinha deixado para trás, muitas coisas importantes, inclusive
documentos de uso pessoal. Na pressa de sair de casa, pegou a carteira e as
roupas que estavam no guarda-roupas, mas havia outras peças no cesto de roupas
sujas e na bancada para passar o ferro.
No quartinho de despejo ficaram todas as suas ferramentas, as varas e
apetrechos de pesca, além de acessórios do automóvel. Quase tudo que havia
naquele lugar era de Murilo, apenas as vassouras e produtos de limpeza
pertenciam à sua mulher. Então, era apenas uma questão de tempo para ele voltar
e pegar suas coisas.
Lívia respirou fundo, estaria ali
quando ele voltasse. Assim, teria com seu marido a conversa mais importante de
suas vidas. Ele poderia ficar com sua amante, mas teria que arcar com todas as
responsabilidades, que tinha com os filhos.
A primeira providência a ser tomada, seria trocar as fechaduras das
portas de entrada, desse modo ela não teria nenhuma surpresa. Ela tinha uma
quantia de dinheiro em casa, Murilo era generoso e nunca deixava faltar nada.
Dessa maneira, ela poderia chamar o chaveiro e quando ele voltasse, teria que
tocar a campainha.
Um texto
de Eva Ibrahim Sousa