LUA QUE ME FAZ SONHAR
A LUZ
DO LUAR
CAPÍTULO
UM
As
meninas não se misturavam com os meninos, era feio ser moleca naqueles idos de
um mil novecentos e sessenta e poucos. Ainda havia ética e moral vigente nas
famílias brasileiras. Embora hoje em desuso, os filhos obedeciam aos pais, que
outrora eram tidos como sábios e detinham o poder de resolver todas as
questões, até as mais difíceis e arrasadoras. Os adultos e as pessoas mais
idosas, não tinham diploma universitário, mas conseguiam resolver tudo; eram
formadas na escola da vida.
As
meninas se vestiam de meninas e os meninos jogavam bola. Enquanto elas sonhavam
com um príncipe encantado, eles sonhavam com os super-heróis das revistas em
quadrinhos. Frequentavam as missas aos
domingos e temiam o coisa ruim, tanto que se recusavam em dizer seu nome.
Telefone era coisa rara e quem tinha era
poderoso e invejado pelos cidadãos comuns. Somente o médico, o farmacêutico ou
o prefeito que se gabavam de tamanho luxo. O primeiro fusca foi trazido pelo
dono da farmácia, que era um alquimista, um mágico curador. Com suas poções
tratava a maioria da população, pois, o único médico das redondezas só era
chamado em último caso. Ninguém tinha dinheiro para pagar uma consulta médica.
Os
bebês nasciam pelas mãos das parteiras, que, geralmente, eram grandes e fortes
para enfrentar qualquer parada, durante o dia ou a noite. Chuva, barro ou
lamaçal, nada as detinham, enfrentavam qualquer perigo, para socorrer uma mãe
sofrida. E, também aceitavam qualquer coisa em forma de pagamento, desde
animais, ovos, frutas, verduras e outras quinquilharias quaisquer.
Nas
festas cívicas todos participavam, ficavam nas ruas aplaudindo ou desfilando na
avenida. No carnaval, os homens vestidos com a carcaça de bois avançavam em direção
aos seus amigos e até aos inimigos, pois, estavam camuflados. A ninguém era
permitido saber quem estava dentro daquele corpo de sacos de estopa pintados.
As crianças agarravam nas saias de suas mães, para se protegerem das investidas
dos bois malandros, que assustavam até os adultos.
Uma
vez por ano, havia um baile, que movimentava todas as pequenas cidades da
região; o baile das debutantes. As meninas mais bonitas e de famílias com certo
poder aquisitivo, eram convidadas a serem apresentadas à sociedade em uma
grande festa de gala. Todas deveriam ter quinze anos, feitos ou a fazer naquele
ano, antes do baile.
A primeira dama da cidade tomava conta de
tudo, era ela quem dava a última palavra para todas as questões referentes ao
evento. Havia um clima de camaradagem e respeito entre as pessoas, todos se ajudavam
dentro do possível. A dor de um era a dor de todos, os vizinhos e parentes
estavam sempre prontos para qualquer emergência.
Nesse
clima de camaradagem era muito difícil alguém roubar ou matar outra pessoa.
Então, as mulheres se juntavam em frente aos portões e as crianças brincavam na
rua até tarde da noite. As mães, sentadas em troncos de árvores feitos bancos,
trocavam receitas, faziam fofocas veladas ou confidências íntimas, enquanto as
crianças corriam na rua e os pais batiam papo no bar.
Já
os adolescentes jogavam bola no campinho improvisado na rua de chão batido de
terra e as meninas cismavam ao ver a lua brilhando no céu. Muitos iam dormir
com os pés sujos de terra de tanto cansaço, apenas desmaiavam nas camas.
É
nesse contexto que Maria Alcina e suas vizinhas amigas sentavam-se em um
barranco, em frente a uma das casas e ficavam sonhando acordadas. Olhavam a lua
enorme, que sempre aparecia em noites de verão e chegavam a ver são Jorge e o
dragão. Elas juravam que a lua era a casa do santo milagreiro. Era uma lua
feita de cristal, que reluzia iluminando a noite escura e fazendo as meninas
sonharem.
Um texto de Eva Ibrahim