BRILHANDO
COM AS ESTRELAS.
CAPÍTULO 15
Antonio estava completamente decidido a viver recluso,
não queria prejudicar mais ninguém. Ele sentia que todas as pessoas que se
aproximavam dele, sofriam algum tipo de agravo à saúde; era a maldição da pedra
amarela, disso ele tinha certeza.
Deixou a barba crescer e saia de
casa somente uma vez a cada mês, para manter sua casa e suas necessidades
básicas. Seu visual era de um homem sem vaidade; roupas simples e surradas,
porém, limpas. Os vizinhos o apelidaram de “Ermitão”. O homem não tinha amigos
e não gostava de intrusos. Cuidava de sua casa e tinha o Lobo para espantar
curiosos, que de tanto ficar sozinho se tornara um cachorro muito bravo.
A solidão é um sentimento no qual a
pessoa fica com uma profunda sensação de vazio, sem motivos para viver; muitos
entram em depressão. Porém, quando é voluntária pode trazer uma paz
compensadora; era uma opção de vida para Antonio. Ele tinha seu amigo, o
Bernardo, que ele amava como se fosse seu filho. Bernardo, desde a morte de
Verônica, fora seu companheiro e ouvinte. O boneco sabia tudo da vida daquele
homem, que o criara para não enlouquecer; era sua fuga do mundo lá fora. O Lobo
era o guardião da casa e só permitia a aproximação de seu dono e de mais
ninguém.
Antonio criou para si uma estação
solidão; uma parada da vida. Ali ele era soberano e assim vivia tranquilo. Seus
dois companheiros lhe davam o equilíbrio necessário para continuar vivendo
nesse mundo, que lhe trouxera muitas inquietações. Antonio, Bernardo e o Lobo,
eram amigos para sempre.
Alguns
anos se passaram e todos da região sabiam da existência do Ermitão, que era um
homem pacato, mas não gostava de ser incomodado. Todo mês ele era visto
recebendo sua aposentadoria e comprando mantimentos, depois se recolhia até o
mês seguinte. Os vizinhos conheciam sua rotina e sempre o avistavam fazendo
algum conserto em sua casa ou pondo o lixo na rua. Certo dia alguém reparou que
ele estava sumido e ninguém o via, fazia dias. O cachorro estava inquieto e
emagrecido.
–Será que aconteceu alguma coisa com o
homem? Os vizinhos, apreensivos, resolveram chamar a polícia.
Quando a
viatura da polícia chegou, o cachorro desesperado foi comer a comida que a
vizinha trouxera para distraí-lo, enquanto os policiais entravam na casa.
Ao redor da casa havia um cheiro de
carniça, algo de muito errado estava acontecendo ali, disse um policial ao outro.
Quando o policial arrombou a porta e entrou na casa, sentiu que o cheiro ficara
mais forte e com uma mão segurando o nariz pôs a outra mão no coldre e adentrou
ao quarto. Antonio e o Bernardo, lado a lado na cama, pareciam dormir.
O policial se aproximou e pondo a mão
no homem sentiu que estava frio e duro. Espantado, deu um passo para trás
deduzindo que fazia dias que o homem estava morto; só não entendeu a presença
do boneco na cama, em seguida chamou reforço.
Houve um alvoroço na rua com a chegada da
pericia e do caminhão de defuntos. Na casa foi encontrado o endereço de Nalva,
a irmã de Antonio, que veio, juntamente com sua filha, para enterrar o corpo do
irmão, de quem há muito tempo não tinha notícias.
A mulher, surpresa, não sabia por que seu
irmão desaparecera. Durante algum tempo procurara por ele, depois desistira,
ele sabia seu endereço, se quisesse vê-la que a procurasse, declarou no plantão
policial. Nalva ficara surpresa com a nova vida de seu irmão e a presença daquele
boneco na cama de Antonio, era tudo muito estranho.
Estava em suas mãos resolver aquela
situação e precisava encontrar os documentos de Antonio, por isso ela começou a
mexer em seus guardados e encontrou a mala dentro do guarda roupas.
Ao abrir a mala ela percebeu que apesar de
vazia, tinha alguma coisa dentro do compartimento fechado com zíper. Abriu o
zíper e colocou a mão para pegar o pequeno volume. A mulher quase desmaiou
quando viu que era a pedra amarela que estava ali. Com a pedra na mão, Nalva
começou a orar, era inacreditável.
-Como aquela pedra fora parar ali?
Estava muito longe de onde sumira; era um enigma de difícil solução. Nalva
sacudia a cabeça enquanto mostrava a pedra à sua filha.
Havia alguma
coisa maligna naquela pedra e ela iria se aconselhar com o Padre. O pároco a
aconselhou a devolver a pedra para o lugar de origem e sossegar seu coração,
nada poderia ser feito além de muita oração para o seu irmão.
Enquanto o corpo de Antonio estava
sendo periciado, ela e sua filha teriam que resolver o que fazer com o cachorro
e o boneco. O Lobo já estava velho e era um cão muito bravo, por isso a vizinha
resolveu ficar com ele; guardaria sua casa e terminaria seus dias ali mesmo.
Conversando com a vizinha ela falou do boneco e disse que não sabia o que fazer
com ele. Era de seu irmão e não queria, simplesmente, jogá-lo fora.
- Não!
Exclamou a mulher eufórica, ela
conhecia um pessoal, que todos os anos desfilavam nas escolas de samba do Rio
de Janeiro, no sambódromo. Faziam bonito na pista do “Marquês de Sapucaí”, a
passarela do samba e ela tinha a certeza que eles dariam um lugar de destaque
ao boneco, pois era muito bem cuidado. Nalva concordou entregando Bernardo à
mulher.
Depois de dois dias e resolvendo tudo
por ali, Nalva e a filha foram ao enterro do corpo de seu irmão e em seguida
retornaram à sua cidade. A mulher tinha uma missão a cumprir, queria que seu
irmão pudesse descansar em paz.
Voltaria à represa e jogaria a pedra amarela o mais fundo possível, para
nunca mais ouvir falar daquela triste história, que atormentou a vida de seu
irmão.
Assim foi feito e Nalva cumpriu sua
missão. Quando voltava para sua casa já havia anoitecido e o céu estava
carregado de estrelas. E, elevando seu olhar para o alto, viu que uma estrela
brilhava mais que as outras e concluiu, olhando para sua filha:
-Bernardo iria brilhar nos desfiles de
carnaval, enquanto Antonio tomaria conta dele lá de cima, brilhando com as estrelas.
Um texto de Eva Ibrahim.
Aqui termina “ESTAÇÃO SOLIDÃO”, a história de
Antonio e o mistério da pedra amarela, que jamais será desvendado.