QUE NOSSA DOR VIRE AMOR
CAPÍTULO NOVE
Maria Alcina, com seu filho Alberto
no colo, viu nascer o ano de um mil novecentos e setenta e um. Eram tempos
difíceis e de muitas mudanças. As pessoas tinham medo de doenças, de
guerras, da polícia, dos governantes, e de assombrações. Mas, viviam melhor
porque o mundo era menor, as informações demoravam para chegar e havia tempo
para absorver as novidades.
Os jovens cresciam,
emocionalmente, no tempo certo. Aguardavam o grande amor e embalavam muitas
fantasias a respeito de relacionamentos. Enquanto o sexo era um tabu e ficava
somente no desejo das revistas de pornografia, conseguidas através de amigos de
outros amigos, que continham segredos incontáveis, o amor estava no ar. Estas
revistas só poderiam serem vistas nos banheiros, escondidas nos fundos dos
guarda-roupas e fechadas a sete chaves. Era o instrumento que os rapazes utilizavam
para dar asas à imaginação.
Desejavam amar sem medo de se comprometer ou
de sofrer por amor. Tempo em que homens e mulheres se davam o devido valor e se
respeitavam. As moças ainda sonhavam com um príncipe, já sem muito encanto,
mas, ainda um príncipe.
Ninguém se preocupava
com o efeito estufa e o ozônio ainda estava em seu devido lugar. O meio
ambiente ainda respirava sozinho, havia equilíbrio entre a flora e a fauna. Os rios continham oxigênio suficiente para a
sobrevivência de seus peixes. Computadores eram caixas enormes, restritas as
empresas dedicadas à corrida ao espaço, nos Estados Unidos da América.
No Brasil, o que havia de mais moderno era a
chegada da televisão em cores nas grandes cidades. No entanto, a maioria tinha
televisão em preto e branco e cuja programação terminava a meia-noite. Não
havia celulares e era raro quem tinha telefone em casa. Todos deveriam andar com algum documento no
bolso, pois, se a polícia os parasse e não tivessem identificação, seriam
levados presos.
Os jovens se divertiam nas discotecas e os adolescentes com jogos de diversos tipos. Os mais novos jogavam birocas, feitas no chão duro de terra com bolinhas de aço, tiradas dos carrinhos de rolimãs, ou bolinhas de gude feitas de vidros. Soltavam pipas ou jogavam futebol, em campinhos improvisados em terrenos baldios. Já os que tinham acesso ao clube local jogavam voleibol, basquetebol, tabuleiros de damas ou xadrez e outros.
Estavam sempre em
turmas heterogêneas, gostavam de se divertir juntando os meninos e meninas, que
formavam grupos alegres. Um jovem, ter amizade com outro
menino ou rapaz e até andar o tempo todo juntos, era comum. No entanto, sua
masculinidade não era posta em jogo. As moças tinham amizades com outras moças
e andavam de mãos dadas com as amigas, entretanto, ninguém dizia que éramos
lésbicas; isso estava fora de cogitação.
Todos respeitavam os
mais velhos, estes tinham o carinho dos filhos e netos e eram sempre ouvidos
nas decisões familiares. Os jovens
demonstravam seu respeito, cedendo-lhes os bancos para que viajassem sentados nos
coletivos. Os idosos tinham prioridade nas filas e eram auxiliados a atravessar
as ruas. Sempre encontravam alguém para carregar suas sacolas. Essas atitudes
faziam parte da educação recebida em casa e não era imposta por leis.
Os jovens eram bastante
emotivos e se apaixonavam com facilidade. E, eram os amigos ou amigas que
intermediavam o primeiro encontro. Os namoros eram sérios e a maioria queria se
casar com a menina certinha da escola ou da sua rua. Havia mais cuidado com os
namoros, que eram mais calmos e discretos. Eram menos impetuosos e dar uns
beijos no escuro, era o máximo de uma conquista. Não poderia passar disso ou a
jovem ficaria falada e ninguém mais a queria.
Nos finais de semana frequentavam
as discotecas, faziam os bailinhos nas casas dos amigos ou ficavam ouvindo
músicas até tarde da noite. Aguardavam os anos dois mil, prevendo grandes acontecimentos
futuristas.
As vestimentas usadas no início dos anos
setenta tinha como moda, na classe média, as calças jeans, muitas eram
importadas dos Estados Unidos. Este era um fato que causava inveja aos menos
abastados, pois, eram calças desbotadas e com um brim diferente do nacional. As
calças bocas de sino, os sapatos plataforma, os tênis tinham, também, seu lugar
assegurado entre os jovens.
Nesse contexto, era formada a
família de Fred e Maria Alcina, que já anunciava uma nova gravidez. Quando Alberto tinha dois anos nasceu a Alice,
uma menina linda, na casa do casal Fred e Maria Alcina.
Por aqui surgiram as passeatas pelas diretas já, um anseio do povo pelo fim da ditadura. A sinalização, por parte do governo, de uma abertura democrática agitava os meios políticos e o povo saia as ruas. Os hippies alienados andavam pelas grandes capitais.
Finalmente, os anos oitenta surgiram com acenos de novos tempos, menos escuros para o país. E as duas crianças, Alberto e Alice, estavam crescidos e frequentando as escolas, onde aprendiam que as lutas do povo, devem ser pacíficas e unidas com demonstrações de civilidade.
Um texto de Eva Ibrahim Sousa