ESTAÇÃO SOLIDÃO
CAPÍTULO 1
Quando
Antonio voltou da licença nojo, falecimento de sua esposa, ele estava
diferente; parecia mais velho. Os colegas o abraçaram em solidariedade e
tentavam animá-lo, mas ele estava vivendo fora do ar; uma nuvem negra pairava
sobre sua cabeça. Ele parecia perdido no tempo, havia muita tristeza no olhar e
sua voz mal saia para agradecer ou, talvez fosse uma fuga para não pirar de
vez. A morte viera de surpresa, nunca imaginara que sua mulher fosse deixá-lo
tão rapidamente. Não tiveram tempo de despedir-se, nem mesmo um abraço ou um
beijo conseguiu dar no rosto inerte de Verônica.
A notícia chegou através de um
policial que foi buscá-lo no trabalho. O homem enrolou a conversa e Antonio
entendeu que teria que acompanhá-lo ao Hospital, que sua esposa estava passando
mal. Mas, na verdade ela já estava morta e seu corpo fora levado para o
necrotério, estava na geladeira de cadáveres. Antonio teria que aguardar o
corpo ser liberado depois da autópsia. Ele só conseguiu ligar para sua irmã,
que morava no interior, dizendo que sua mulher estava morta, depois entrou em
choque.
O homem,
abalado pela notícia, sentou-se em um banco de pedra em frente ao necrotério e
estranhamente não sentia fome ou sede, estava abobalhado. Ao olhar para o
edifício fúnebre do Instituto Médico-Legal, ele sentia-se cansado e angustiado;
queria esgueirar-se para um canto escuro; estava no fundo do poço. Antonio
fazia um grande esforço para manter a cabeça erguida e perceber a extensão do
prédio, que abrigava o corpo estraçalhado de sua esposa.
Ele não conseguia chorar e sua mente só pensava no passado
bem distante, quando ele conheceu Verônica e apaixonou-se por ela. Uma morena
vistosa, com um vestido rosa, balançando os cabelos cacheados, que passava por
ele com um sorriso enigmático e convidativo.
A primeira abordagem, a dúvida que a moça lançara no ar:
- Iria pensar
se queria sair com ele ou não. A moça foi taxativa.
Esperara
durante uma semana para saber a resposta; a dúvida agia contra ele, porque o
deixava nervoso. Depois viera o tão esperado consentimento para saírem juntos. Era
o que ele conseguia pensar, a imagem ficava dançando em sua frente. Dessa vez o
golpe fora fatal, a pedra amarela, mais uma vez, estava agindo em sua vida com
seus poderes malignos. Dessa vez atingira seu peito, que estava sangrando de tanta dor.
O dia do
casamento e a emoção que sentira ao vê-la vestida de noiva, ainda disparavam
seu coração. A festa no Salão paroquial da Igreja de Nossa Senhora da Conceição
e a chegada á casa onde se entregaram de corpo e alma, enchia seus pensamentos.
Amanheceram alegres e felizes; realizaram um sonho de amor. O homem podia sentir
o perfume de alfazema que sua Verônica usava e o antigo desejo voltava; ele
queria sentir seu calor. Depois de tantos anos ainda a amava, não podia ser
verdade que a morte conseguira apanhá-la.
O Sol já se
punha no horizonte quando sua irmã Nalva chegou e o tirou dali. Ele nem
percebeu que ficara por cinco horas aguardando o corpo; estava estático. A irmã
dissera que eles poderiam seguir para o velório, a defunta estava liberada.
Antonio só viu o caixão quando estava no carro fúnebre; o ataúde estava lacrado
e mal dava para reconhecer sua mulher. Com o rosto muito inchado e o corpo
coberto de flores amarelas, ela parecia uma estranha. O homem indagou o porquê
de tudo aquilo e a resposta foi dura.
-Sua esposa
ficara toda moída debaixo do ônibus, fizeram o que deu, isto é, colocaram os
pedaços que recolheram da melhor forma possível- Disse o encarregado de
óbitos.
O homem agia friamente e aquilo incomodava o marido desconsolado. Antonio quase desmaiou só em pensar no sangue jorrando debaixo do ônibus e sua esposa sendo retirada aos pedaços pelos bombeiros.
O homem agia friamente e aquilo incomodava o marido desconsolado. Antonio quase desmaiou só em pensar no sangue jorrando debaixo do ônibus e sua esposa sendo retirada aos pedaços pelos bombeiros.
Ele sentiu o estômago embrulhar com aquele
cheiro de crisântemos da coroa de flores que seus colegas mandaram para o
velório; estava enojado. O pessoal do trabalho, algumas vizinhas e sua irmã
estavam ao lado do caixão. Ainda não sabia quem pusera o terço em cima da tampa
da urna, pois estava lacrada.
-Pensando bem, que diferença faria saber ou
não-? Pensou Antonio.
Havia algumas pessoas estranhas ali no local entre familiares e amigos.
-Será que eram conhecidas da mulher ou apenas
curiosas?
Queria ficar sozinho, porém, teria que manter a postura de
homem civilizado. Sentia-se sujo e fedido, ainda não tinha tomado um banho
depois que recebera a triste notícia. Morte, sangue, médicos, necrotério,
aquela situação gerava uma aversão no íntimo dele. O homem permanecia com sua
aparência de viúvo intacta, como se estivesse dentro de uma armadura de horror.
Queria
vomitar, aquela situação era insuportável; esgueirando-se entre as pessoas ele
foi saindo e quando adentrou ao estacionamento despejou o que tinha no estômago. Vomitou na roda do automóvel de seu chefe. Então, respirou profundamente; sentia-se
melhor. Logo depois procurou uma torneira para lavar a boca e, ficou um tempo
do lado de fora tomando o ar fresco da noite. Quando melhorou voltou para perto
do caixão; já era tarde da noite e ele teria que permanecer ali, afinal aquela
seria a última noite que teria sua esposa presente. Só o corpo estava ali,
porque a alma dela deveria estar com Deus; o velho mistério rondava a cabeça de
Antonio, mas, não queria pensar nisso.
A mais longa
das noites, algumas pessoas rezavam o terço, outras aguardavam do lado de fora.
O dia amanheceu cinzento, igual o coração do viúvo. Na verdade ele queria sumir
dali, evaporar para não presenciar aquela situação deprimente.
Mais pessoas foram chegando para o cortejo fúnebre e Antonio
parecia um zumbi, mais morto que vivo. Amparado pela irmã ele não conseguiu
chorar, mas, tinha um nó na garganta. Seguiu o cortejo calado, estava morto por
dentro.
Jogou uma
margarida, que alguém lhe deu, sobre o caixão da falecida para ela não voltar
mais e descansar em paz. Depois saiu acompanhado da irmã, seguia a passos
lentos até sentar-se no automóvel do colega, que o levaria de volta para casa. Finalmente poderia ficar só para sentir sua dor. Com um rápido olhar disse adeus á Verônica. Antonio estava só, não sabia o que
fazer da vida.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.
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