POR
ENTRE OS DEDOS
CAPÍTULO
ONZE
Marcelo, com seu melhor traje de peão de
boiadeiro e com toda a fé do mundo, aguardava sentado no lombo de seu cavalo
Jiló, a abertura do portão para sua apresentação. Seu coração batia forte e
seus pensamentos se embaralhavam a ponto de ele sentir-se fora da realidade.
Sabia que era uma chance única de marcar muitos pontos e sair vencedor.
Pensou em sua santa de devoção e balbuciou uma
oração, no entanto, misturou o Pai Nosso com a Ave Maria, estava confuso. Que
ela o desculpasse, pensou, pois precisava muito de sua proteção. Em seguida,
fez o sinal da cruz. Não conseguia pensar em mais nada.
Angel e os pais do rapaz estavam
apreensivos, a mãe rezava com o terço na mão, pedindo a ajuda de Nossa Senhora.
Quando o narrador disse o nome de Marcelo Magalhães, Angel cobriu os olhos com
as mãos. Era tudo ou nada, poderiam ir aos céus ou baixar aos infernos, em
apenas alguns segundos. Não havia mais tempo, então ela fechou os olhos, como
se fecha uma cortina da janela.
O cavalo saiu desembestado,
pulando, corcoveando e girando sobre si mesmo, parecia possuído por alguma
coisa estranha. Marcelo estava pregado em seu lombo, acompanhava os saltos de
Jiló com o braço esquerdo levantado, parecia impassível. Nem o chapéu caiu da cabeça.
Aquele boneco de pano resistiu aos sacolejos intensos, até ultrapassar o tempo
necessário.
Por entre os dedos, Angel espiava
temerosa. Abria e fechava suas janelas de visão de mundo, parecia flutuar,
tamanha era sua emoção. Oito, dez segundos, uma eternidade e a campainha tocou,
para que os cavaleiros salva-vidas o apoiasse para descer. Marcelo desceu e se
ajoelhou na arena em agradecimento a Santa. A plateia aplaudiu freneticamente
gritando:
- É campeão, é campeão!
O peão ficou por alguns minutos
concentrado de cabeça baixa, com o chapéu nas mãos e os olhos cheios de
lágrimas. Seus pais gritavam desesperados o seu nome e Angel tirou as mãos dos
olhos para aplaudir.
Então ela gritou:
- Acabou? Marcelo venceu? A sogra chorando
aquiesceu com a cabeça.
Em seguida, a moça abraçou a futura
sogra e chorou de escorrer lágrimas dos olhos. Depois de alguns minutos, saiu a
nota oficial do peão Marcelo Magalhães, noventa e um pontos, se tornara o líder
da competição. No entanto, era cedo para cantar vitórias, pois ainda faltavam
os dois melhores competidores daquela modalidade.
Dando
prosseguimento ao evento, foram apresentados os últimos competidores, que
obtiveram oitenta e oito e noventa pontos. Mas, não alcançaram os pontos de Marcelo,
que venceu a competição, entre choros e risos, abraços e beijos. Até o Jiló
recebeu beijos de Marcelo, pela sua excelente performance.
Angel não se continha, parecia
inacreditável que seu amor se consagrara o campeão de Barretos, depois de ter
sofrido um acidente tão grave, há seis meses apenas. Agora era só esperar a
hora da entrega do prêmio, para abraça-lo e comemorar.
Com muita festa e fogos de
artifício, Marcelo recebeu as chaves da caminhonete, das mãos do organizador do
evento. Mas, ficariam na arena para assistir à final da montaria em touros.
Agora já calmos e felizes, apenas observando os competidores.
Marcelo ficou na plateia com sua família e
acompanhou o desempenho de seus companheiros. E, entre uma prova e outra, contava histórias dos rodeios para sua namorada.
- Angel, houve nessas arenas um touro que foi
considerado invencível durante oito anos. O maior mito dos rodeios brasileiros,
o touro Bandido, vou lhe contar essa história.
Então, saíram da arena e foram
pegar o veículo, que foi ganho na competição. Uma caminhonete possante e
brilhante, onde os quatro foram dar uma volta. A noite era apenas uma criança e
depois de deixar os pais no hotel, saíram para namorar.
Sentaram-se em uma mesa reservada
de uma lanchonete e Marcelo, entre um carinho e outro, começou a contar a
história do touro Bandido.
Um texto de Eva Ibrahim Sousa