HISTÓRIAS
DE ARREPIAR
CAPÍTULO
DOIS
Nessa época, havia muitas histórias fantasiosas,
que corriam boca a boca, influência dos contos de fadas dos irmãos Grimm. As
casas ainda não tinham televisão, nem as pessoas possuíam celular, então,
conversava-se muito mais olhando nos olhos do interlocutor. Em sua maioria eram
histórias macabras, criadas pela imaginação dos camponeses ou quem sabe, algumas
histórias verdadeiras, que deixavam as crianças com muito medo. Ainda persiste
a dúvida sobre a veracidade de certas histórias, que compõem o acervo do senso
comum.
O carnaval havia terminado e a quaresma começara
na quarta-feira de cinzas. Era tempo de resguardo e silêncio em respeito ao
período reservado à penitencia. Observava-se o jejum e a abstinência de carne
as quartas e sextas-feiras.
Era proibido ouvir músicas ou dançar, todos se
recolhiam logo após o escurecer; quarenta dias de respeito e reflexão às coisas
da religião e principalmente a Deus. Quem se recusasse a obedecer às
recomendações da Igreja e desrespeitar as orientações do padre, corria o risco
de ser excomungado.
Certo dia, chegou de viagem com a jardineira, o tio
de Maria Alcina; o jagunço Raimundo. A jardineira era um precursor
do ônibus, que era o meio de transporte para as outras pequenas cidades do
interior paulista. Fazia tempo que não se tinha notícias da família, que ficara
em Alagoas e agora chegava o tio com fama de valentão.
Ele era calado e bastante
desconfiado, mas, um dia sentou-se no tronco da árvore em frente à casa e chamou
as crianças, que brincavam na rua.
– Vou contar para vocês histórias
da minha terra, pois conheci Lampião, até andei um tempo acompanhando o bando
dele.
O nome de Lampião surtia efeito na
mesma hora, o jagunço era o terror do sertão e Raimundo sabia disso.
Em seguida, juntaram-se ao seu
redor uma porção de crianças das redondezas e alguns adultos, que estavam por ali.
Queriam ouvir suas histórias sobre o rei do cangaço, o Lampião, temido por
todos. Raimundo contou tantas atrocidades cometidas pelo bando de jagunços e
outras coisas fantasiosas envolvendo fatos macabros de terror. As crianças
ficaram boquiabertas e morrendo de medo.
Na noite seguinte, ele começou dizendo
que iria contar uma história sobre um lobisomem e as crianças se juntaram
novamente, pareciam hipnotizadas, para ouvir os relatos sobre um homem, que
virava lobisomem. O fato acontecia as sextas-feiras de lua cheia, quando o
relógio batia meia-noite. E, especialmente um caso que aconteceu em uma noite de
lua cheia numa sexta-feira santa.
Todos se espremeram, ali vinha outra
história de arrepiar, ainda mais que a sexta-feira da paixão se aproximava. A plateia
era cada vez maior, juntaram-se as mulheres e os vizinhos também.
Ele sabia como prender a atenção
das crianças e adultos; todos ficavam embevecidos ao ouvir o jagunço contar
fatos de sua terra. Então, ele começou dizendo que perto do rio, lá no sertão
nordestino, morava um homem temido por todos na região.
Chamava-se Tião Bento e era
manco de uma perna. Diziam que tinha sido mordido por uma cobra cascavel, que o
deixara vivo, mas com um grande aleijão em forma de ferida permanente e, que
por essa razão ele tinha conluio com o demonio. Ninguém antes sobrevivera a uma
picada de cobra cascavel naquelas redondezas. A história que envolvia o Tião Bento
era de arrepiar e as crianças tremiam de medo, mas não arredavam pé do lugar.
Acomodaram-se de qualquer jeito, sentadas no chão ou em pé mesmo. A
expectativa era grande, pois o assunto era interessante e assustador.
Um
texto de Eva Ibrahim