NAS RÉDEAS DO JILÓ
O
DUQUE
CAPÍTULO UM
O domingo amanheceu iluminado com
um Sol brilhante, depois de uma semana de chuvas fortes. As casas foram abertas
e as mulheres começaram as faxinas, lavando as roupas e enchendo os varais.
Muitos rapazes se dispuseram a lavar seus automóveis, motos e até bicicletas.
Os passarinhos estavam felizes, pulando de fio em fio ou de galho em galho,
caracterizando a chegada da primavera.
Na casa de Angel, todos estavam
empenhados em concluir as tarefas da casa para almoçar. Olga estava no fogão
fazendo o almoço e o torresmo cheirava longe. Era a mãe de três filhos
adolescentes, Angel, Alcione e Artur. Em dado momento, Olga pediu a filha de 18
anos, que fosse ao supermercado buscar fubá para fazer a polenta.
– Seu pai vai chegar para
almoçar e tudo deve estar pronto, afirmou a mulher.
A filha tratou de trocar sua
roupa e obedecer a mãe, que não aceitaria protestos. Se ela mandasse, era para
ser obedecida ou haveria castigo na família. Olga era uma mulher de fibra e
muito enérgica, trazia os filhos na rédea curta, dizia sempre. Angel pegou o
dinheiro e saiu apressada, estava com um vestido simples e chinelos de
borracha. O supermercado era perto, apenas algumas quadras dali. Sendo assim, não
havia motivos para grandes enfeites pessoais.
Naquela rua morava um médico, que
trabalhava no posto de saúde local. Era a melhor e mais imponente casa das
redondezas. Uma casa grande, com um belo jardim na frente. Na casa havia cinco
cachorros da raça Buldogues, todos fortes e bravos. Um deles, o Duque, escapava
quando o dono abria o portão para sair e este, que estava sempre apressado,
incumbia o jardineiro de capturar o cão.
Havia relatos de pessoas que haviam
sido atacadas e feridas pelo animal. Quando não conseguiam pegá-lo, ele ficava
deitado na calçada fingindo dormir e quando alguém chegava perto, ele corria
atrás da pessoa. Algumas se safavam, outras caiam e se machucavam, pois, Duque
era um cão assustador: grande, gordo e feio.
As pessoas que moravam
por ali, cortavam voltas para não passar em frente àquela casa. No entanto,
Angel não vislumbrou o cachorro e como estava com pressa, resolveu passar por
ali mesmo. Não havia ninguém a vista e ela foi para o outro lado da rua, onde
havia um parque infantil. A moça caminhava de olho na casa do médico e não percebeu
que o cachorro estava dentro do parquinho, com o portão entreaberto. De repente,
o cão saiu correndo e rosnando para cima da menina, que desesperada, começou a
correr e gritar.
A jovem enroscou o chinelo num
desnível da calçada e caiu batendo a cabeça no muro de outra casa. O Duque
parou assustado e, para sorte dela, ele não a atacou, ficou parado olhando. Em
seguida, várias pessoas se aproximaram para acudir a vítima e espantar o
cachorro.
Foi um corre-corre danado e alguém
foi avisar a família da menina. Olga, descabelada, apareceu em socorro da
filha. Vendo a menina caída no chão, com várias escoriações nas pernas, nos braços
e um corte na testa sangrando, atacou o cachorro com pontapés e o pau de
macarrão que trazia nas mãos. A mulher estava tão furiosa, que o cachorro
também saiu sangrando na cabeça, levado pelo jardineiro. Angel chorava e Olga
proferia palavrões se referindo ao cachorro e seu dono.
Nesse meio tempo alguém chamou a
ambulância, que chegou rapidamente para levar a menina ao Pronto Socorro.
Chegando lá, havia muita gente esperando a vez e um rapaz estava na sala de
emergência sendo atendido. Havia um princípio de tumulto, a maioria discutia
reclamando da demora.
O caso era grave, o rapaz, um peão
de boiadeiro, que levara um coice na cabeça. Um ferimento que precisava de mais
de vinte pontos, havia uma fenda no couro cabeludo do rapaz. Marcelo voltara do
Raio X e estava à espera do médico, para a sutura em sua cabeça. Então, Angel
foi colocada na maca ao lado, os dois precisavam de sutura e deveriam esperar
outro médico chegar, pois o que estava ali, não poderia deixar toda aquela
gente esperando, por mais tempo.
O casal, que estava com as testas
feridas, se entreolharam e ficaram com pena um do outro. Eram dois jovens e um
contou a sua história para o outro. Marcelo estava em pior situação, sua cabeça
doía fortemente, mas ele bancava o durão. Foi num tropeção que seu cavalo se
enfureceu, saiu dando coices e atingiu a cabeça do dono, que tentava pegar a
rédea caída no chão. Jiló, era o nome do equino, um garanhão altivo e só se tornava
agressivo se algo o atingisse.
A
enfermeira trouxe uma injeção para cada um, era para combater a dor, disse
sorrindo. Em seguida, foi logo virando a moça e aplicando a injeção nas nádegas
e Angel gritou:
- Pare com isso, que está doendo
muito. E, duas lágrimas rolaram de seus olhos.
A
mulher se voltou para o rapaz e olhando fixamente em seus olhos, pediu que se virasse
expondo as nádegas. Marcelo obedeceu, não teria outra alternativa. Em seguida,
ela cobriu os ferimentos dos dois com gazes e disse que deveriam aguardar.
Angel
e Marcelo ficaram ali deitados, olhando o teto, onde girava um ventilador velho
e sujo, que fazia um barulho indicando falta de lubrificante. Em dado momento, o
rapaz puxou conversa, mostrando a medalha que trazia no peito, que o protegera,
mais uma vez, da morte. Era a padroeira dos peões de boiadeiro, a Senhora
Aparecida. A medalha suja de sangue foi levada a boca e beijada pelo rapaz, que
colocava toda sua fé na santa.
Um texto de Eva Ibrahim Sousa