O VÉU DO LUAR
CAPÍTULO OITO
Durante os últimos meses aconteceram muitas
mudanças e a discoteca chegou à pequena cidade. Havia uma necessidade de
diversão, para compensar anos difíceis e conturbados no contexto mundial. Aos
sábados à noite, a festa ficava por conta da nova discoteca, que acontecia no
antigo salão de bailes da comunidade. O local fora remodelado, mas ainda tinha
característica de salão de festas familiares.
O clube era um lugar simples e acolhedor, o
único da região. Aos domingos, depois da missa dominical, os homens jogavam
bocha, enquanto as mulheres ficavam em casa preparando o almoço. Os rapazes
jogavam futebol e as meninas se divertiam com o voleibol, na quadra ao lado da
piscina.
Maria Alcina estava eufórica, pois
seu casamento seria realizado naquele salão, que para ela tinha um sentido
mágico, pois, enfeitava seus sonhos. O local já fora palco para muitas festas e
a maioria das pessoas o conheciam muito bem. Tudo fora preparado para ser uma
grande festa com muita comida, música e danças. Ela era a filha mais velha de
oito irmãos e seus pais estavam muito felizes, por casar a filha querida.
Entretanto, havia uma preocupação e
muito medo corroendo os pensamentos da noiva. Ela constatou que sua menstruação estava
atrasada e se assustou. O seu maior temor era que sua mãe desconfiasse. Não
poderia sequer imaginar a reação de seu pai, que mantinha vigilância constante
sobre o casal. Mas, quanto maior a vigilância maior é a tentação, já dizia a
sua avó.
Na primeira oportunidade, ela
cedeu a tentação do sexo e se entregou ao Frederico. Foi uma relação rápida e
furtiva, no canto escuro da porta, na hora da despedida. Num silêncio contido,
eles conheceram o sabor da paixão. Não pensaram nas consequências e, a moça perdeu
o sossego; sentia-se encurralada.
– Que falta de sorte! Fora apenas
um deslize, gemia inconsolável olhando para o noivo, que não sabia o que dizer.
Ambos estavam culpados pela
transgressão e não poderiam procurar o médico para obter esclarecimentos. E, muito menos dividir com alguém tamanha
preocupação. Era um assunto proibido, que ficava escondido entre eles. Ela estava
encrencada com a possibilidade de uma gravidez inoportuna.
A comunidade tinha um forte laço com
a Igreja católica e todos respeitavam os ensinamentos e tradições da casa de
Deus. Uma coisa não saia da cabeça de Maria Alcina, já não era mais uma moça
pura e não poderia usar um véu branco cobrindo sua cabeça, pois, era privilégio
das virgens. Assim, se estivesse grávida e cobrisse a cabeça com véu branco,
estaria cometendo um duplo pecado terrível.
Ela conseguiu esconder a falta da
menstruação, fingindo estar com cólicas, que tinha mensalmente. Doralice nada
percebeu e a filha ganhou tempo. Faltava, ainda, dois meses para o casamento e
ela conseguiria esconder sua gravidez, que com o passar dos dias se confirmava.
A jovem sentia náuseas e enjoos
matinais, mas escondia de todos e vomitava, em silêncio, no banheiro. Com
tantos vômitos ela emagreceu ao invés de engordar e com isso, disfarçava bem.
Dizia que a proximidade do casamento a estava deixando nervosa e sem apetite.
Faltando um mês para o enlace matrimonial, o
vestido de noiva estava pronto e o véu também. O véu cobria a cabeça preso com
uma tiara e descia até o chão. Ela teria que encontrar uma maneira de descobrir
sua cabeça; esse pensamento a atormentava dia e noite. Porque assim, ela não
cometeria um pecado e pouparia seus pais de passar vergonha, pois, quando
descobrissem iriam acusa-la de herege.
Certo dia, Fred foi a capital e
trouxe uma revista de noivas para Maria Alcina, que olhava desesperadamente
todos os véus. Queria encontrar uma solução para o seu problema. Nessa procura
ela encontrou uma noiva com um birote no cabelo, preso atrás da cabeça,
circundado com flores do casquete. Era a solução que ela procurava, então,
mostrou para sua mãe dizendo que queria fazer igual o cabelo da revista.
Houve
muita resistência, mas, alegando que era moda, sua mãe acabou cedendo. E, no
grande dia a noiva saiu do carro com a cabeça coberta, apenas, com o véu do
luar. Estava salva, pois, não ofendera a Deus cobrindo a cabeça com um véu
branco.
Os meses foram passando e sua
gravidez já estava evidente, porém, ninguém desconfiou de nada. Maria Alcina
era magra e ganhava pouco peso, à medida que o tempo passava. E, quando fez
sete meses do casamento, ela passou mal e entrou em trabalho de parto.
As comadres fizeram até grupo de
orações, pois, temiam pela vida do bebê prematuro, que, segundo elas, deveria
ficar na incubadora. Apesar de tantas orações não teve jeito e nasceu um lindo
menino.
-
O bebê nasceu antes do tempo, era o que diziam as comadres, preocupadas em
vigiar a vida alheia.
Mas,
quando viram o bebê, que pesava quatro quilos, rosado e cabeludo, saíram contando
aos quatro cantos, que Maria Alcina escapara por entre os dedos de Doralice e
Romeu e se casara embuchada.
Romeu
fechou a cara de vergonha e cortou relações com a filha e o genro, que o haviam
enganado. Doralice sentiu-se envergonhada, mas, queria estar ao lado do neto e
relevou o fato de ter sido enganada. Maria Alcina estava casada e logo o acontecido seria esquecido.
No entanto, como neste mundo tudo
passa, a raiva do pai ultrajado durou pouco. Romeu se rendeu ao ver o neto e
tudo acabou bem. Maria Alcina se explicou, dizendo que a culpa era da lua, que
a fazia sonhar.
Um texto de Eva Ibrahim Sousa