PERDAS E GANHOS
CAPÍTULO OITO.
O domingo foi de
reclusão total, as crianças foram ao Clube com um casal de amigos de Marcos.
Clara ficou só, estava exausta por ter sofrido tanta emoção negativa. Quando as
crianças voltaram já estava escuro e logo foram dormir. Na segunda feira, Sara
a colaboradora da casa, chegou para trabalhar e viu que sua patroa estava com
os olhos inchados de tanto chorar; ofereceu um chá, tentando consolá-la.
Depois que os filhos
tomaram o ônibus escolar, Clara sentou-se na cadeira em frente à mesa da cozinha;
precisava desabafar. E, enquanto catava os feijões que Sara havia colocado ali,
para serem escolhidos, ela contou os últimos acontecimentos de sua vida para a
mulher, que a ouvia enquanto cuidava de lavar a louça.
A mulher era de
confiança e naquele momento era o ombro amigo que acolhia Clara. Vez ou outra Sara
balançava a cabeça e dizia conhecer aquela história; havia muitas mulheres em
sua comunidade que foram casadas e traídas. Eram histórias corriqueiras para as
mulheres pobres de seu bairro, que tinham que trabalhar para sustentar os
filhos pequenos.
A conversa fluía
fácil, Sara era simples, porém, inteligente e esperta; uma mulher diplomada
pela vida. Vivia com a filha, cujo marido estava preso e ela ajudava a criar as
três crianças menores. A patroa perguntou do marido de Sara e soube que ele a
deixou há muitos anos. Continuava casada, pois, não sabia se o marido estava
vivo ou morto; era, portanto, mais uma mulher de papel. Sorrindo, a moça disse
que tinha um namorado de fim de semana; vivia feliz.
Clara foi para seu quarto imaginando
como Sara poderia ser feliz com tantos problemas e uma vida tão difícil.
Entretanto, aquela conversa lhe fizera bem, mostrou-lhe que havia vida após
separações; ela aprenderia a sobreviver também. Os dias passavam lentamente e
ela procurava ver televisão ou ler livros e revistas; precisava encontrar
alguma coisa para preencher seu tempo.
Sara a ouvia com muita atenção e a
ajudava a entender algumas coisas que ela não conhecia, como por exemplo, ser
independente do marido e poder curtir sua liberdade. Andar a esmo, passear sem
destino, sair para dançar, participar de reuniões de mulheres da comunidade e
dividir suas preocupações com outras pessoas. Clara sentia que seu problema
encolhia, sempre que ela contava sua história.
No sábado seguinte, Marcos apareceu
dizendo estar com saudades dos filhos e também queria saber como sua esposa
estava passando sozinha. Estava vestido com roupa esporte, bonito e cheiroso
como sempre. Seu olhar era misterioso e parecia procurar algo diferente ou
algum sinal que revelasse como sua mulher estava vivendo sem ele. Clara desceu
serena e elegante; cumprimentou Marcos com educação e o deixou à vontade com os
filhos.
O homem ficou surpreso ao encontrar sua
mulher bem disposta e arrumada; tudo continuava no mesmo lugar. Marcos almoçou
com ela e as crianças e depois a chamou para conversar na varanda, onde tentou
agarrá-la, no que foi repelido violentamente.
- Que ficasse com sua piranha. Retrucou
Clara, fechando a cara.
Então, ele disse que ela deveria se
preparar para acompanhá-lo ao casamento do filho de um de seus sócios. E,
deveria levar as crianças também, era uma festa familiar. Todos os seus amigos a
conheciam e não era bom dizer que a abandonara, ela deveria lhe fazer companhia
sempre que ele precisasse. Ainda tinha deveres para com ele, já que ele
continuava pagando as contas da casa.
Ela concordou em
acompanha-lo e era só isso, que não tocasse nela. Antes de sair ele a ameaçou,
dizendo:
- Cuidado com o que você faz, estou de
olho em você. Em seguida saiu cantando pneus.
A mulher, além de
magoada, agora fora intimidada, ele iria demarcar território, isto é, não a
deixaria em paz. Ela chamou os filhos e contou-lhes toda a verdade sobre a
saída do pai daquela casa. Ele tinha outra mulher e não voltaria a morar com
eles; viria somente para visita-los. As crianças ficaram surpresas, mas não
deram muita importância, não faltava nada para eles.
O casamento seria
dentro de quinze dias e ela teria tempo suficiente para se preparar. Mostraria a ele que estava muito bem
sozinha.
Na quinta feira à
tarde, Sara pediu dispensa do trabalho para ir a uma reunião de artesanato na
comunidade de seu bairro e Clara perguntou se poderia acompanha-la. A moça
ficou temerosa, pois, o lugar era simples. Mas, disse que seria muito bem recebida.
Clara ficou surpresa
com os trabalhos das mulheres daquela comunidade; cada uma fazia um tipo de
artesanato e depois vendiam na feira livre do sábado. Colchas de retalhos de
fuxico, toalhas de crochê, guardanapos pintados à mão, sacolas de barbante,
colares de contas e conchas. E, tantas outras coisas, que a mulher ficou
encantada com a criatividade e a camaradagem que havia ali. Comprou algumas
coisas e prometeu voltar outras vezes.
Durante a semana, Clara procurou
assuntar com Sara sobre aquelas mulheres e suas vidas; eram alegres e
brincalhonas. Bem diferente das mulheres de seu círculo de amizades; fúteis e
vazias. Ficou sabendo que o marido de uma delas, o Josias, e o irmão dele, o
Tiago, orientavam as vendas e compravam o material necessário com o dinheiro
arrecadado na feira. O restante era depositado num fundo que no final do mês
era repartido entre as participantes. Havia uma organização que garantia o
sustento das famílias envolvidas.
Clara acabara de
conhecer um mundo novo, onde as pessoas eram simples, porém, mais felizes. Seu
coração lhe dizia que aquele era um lugar mágico e que seu futuro estava ali.
Um texto de Eva
Ibrahim.
Continua na próxima
semana.