POR UM FIO.
O aluno estava tão
cansado que mal conseguia entender o que o professor falava; a última aula
passara cochilando com a cabeça encostada na parede. O professor sabia de sua
correria e fingia não ver; respeitava seu cansaço. Bruno trabalhava á noite
como garçom e chegava á sua casa para dormir de madrugada. O movimento no
Restaurante fora grande na noite anterior; havia música ao vivo e os clientes
tardaram á deixar o local. Ele estudava no período da manhã e a tarde tinha
outros afazeres relacionados com sua casa. Sua esposa trabalhava à tarde e ele ficava com o filho de cinco anos. Era raro conseguir dormir antes
de sair para trabalhar, por isso estava tão cansado.
Quando tocou a sineta para anunciar o término
das aulas o rapaz, de um sobressalto, apanhou suas coisas e foi saindo.
Cambaleando foi pegar a moto e acelerou apressado para chegar á sua casa e dormir
um pouquinho, ou não aguentaria trabalhar logo mais á noite. O trânsito era
intenso na Rodovia e ele resolveu cortar caminho adentrando em um bairro da
periferia; logo estaria em sua casa.
Seguia absorto em seus
pensamentos, pensava em tirar férias; iria falar com o gerente do Restaurante.
De repente ele sentiu um puxão e foi arrancado da moto, em seguida começou a engolir um
líquido quente. Sua roupa se encheu de sangue e parecia que iria morrer
afogado. Uma sensação de morte iminente e uma porção de gente chegando. Bruno
caiu no chão e sua visão foi ficando turva, até desfalecer. A última coisa de
que se recorda é da sirene da polícia.
Quando acordou estava
no Hospital com o pescoço todo enfaixado e uma dor latejante na garganta;
tentou e não conseguiu dizer nada. Sua esposa entrou com um olhar desesperado,
parecia muito nervosa. Alice chegou ao lado da cama, cuidadosamente pegou sua
mão e perguntou se estava com dor. O rapaz queria responder, mas, sua voz não
saia. A enfermeira entrou e pediu para a mulher não insistir, depois ele
tentaria novamente. O médico dissera que foi um milagre as cordas vocais de
Bruno não terem sido lesadas, mas, a região da garganta estava muito inchada,
por isso ele não conseguiria falar.
Com gestos ele pediu
papel e caneta, queria saber o acontecido. Alice estava com uma cópia do
boletim de ocorrência onde o policial relatava os fatos. Bruno fora vítima de
uma linha de cerol, que quase o degolou. Com vinte e cinco pontos no pescoço e
muita sorte por ter sido preservada suas cordas vocais, o garçom e sua
companheira choraram abraçados. O médico passou a visita e disse ao Bruno que
ele havia nascido novamente, poderia ter morrido ou ficado mudo para sempre.
O rapaz ficou internado por
cinco dias e quando saiu do Hospital não acreditava que estava vivendo aquela
situação, precisava se recuperar rapidamente. O ano letivo estava no final e
ele não poderia perder aulas; iria concluir o curso de contabilidade. O garçom
queria deixar aquela vida noturna para procurar outro serviço, menos
desgastante.
Alice não se conformava
com o acidente do marido. Bruno era um homem sério e trabalhador e não merecia
ser vítima da irresponsabilidade de desocupados. Acompanhada de seu irmão, ela
foi até o local do acidente para saber quem foi o responsável por aquele
episódio tão triste. Não conseguiu descobrir nada; ninguém sabia ou não queriam
dizer. Depois de muito insistir, alguém lhe disse que eram rapazes desocupados que faziam linha
com cerol e não crianças.
Aos poucos Bruno começou a emitir sons e sua
voz rouca foi voltando, mas a situação o deixou magoado e tristonho; o trauma
calou fundo. O dia marcado para tirar os pontos foi aguardado com ansiedade, só
então ele veria o tamanho do estrago. Quando olhou no espelho, o rapaz ficou
trêmulo e viu a extensão da ocorrência. Lágrimas rolavam de seus olhos e a vida
passava como um filme em sua cabeça. O filho querido aparecia em primeiro
plano, sua esposa, depois a mãe, dona Joana, já velhinha e doente. Seu coração
doía só em pensar que poderia causar tamanha dor aos seus entes queridos.
Entendeu que a vida é uma dádiva de Deus e devemos viver intensamente. Estava
vivo, Teria que agradecer aos céus; foi por um fio que ele não se foi. Um texto de Eva Ibrahim.