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sábado, 18 de maio de 2013

"QUANDO MEUS OLHOS ESTÃO SUJOS DE CIVILIZAÇÃO, CRESCE POR DENTRO DELES, UM DESEJO DE ÁRVORES E PÁSSAROS"-- MANOEL DE BARROS.-- A MUDANÇA DE UM ÚNICO HÁBITO PODE MUDAR TODA UMA VIDA. EVA IBRAHIM.


                                   POR UM FIO.
O aluno estava tão cansado que mal conseguia entender o que o professor falava; a última aula passara cochilando com a cabeça encostada na parede. O professor sabia de sua correria e fingia não ver; respeitava seu cansaço. Bruno trabalhava á noite como garçom e chegava á sua casa para dormir de madrugada. O movimento no Restaurante fora grande na noite anterior; havia música ao vivo e os clientes tardaram á deixar o local. Ele estudava no período da manhã e a tarde tinha outros afazeres relacionados com sua casa. Sua esposa trabalhava à tarde e ele ficava com o filho de cinco anos. Era raro conseguir dormir antes de sair para trabalhar, por isso estava tão cansado.
 Quando tocou a sineta para anunciar o término das aulas o rapaz, de um sobressalto, apanhou suas coisas e foi saindo. Cambaleando foi pegar a moto e acelerou apressado para chegar á sua casa e dormir um pouquinho, ou não aguentaria trabalhar logo mais á noite. O trânsito era intenso na Rodovia e ele resolveu cortar caminho adentrando em um bairro da periferia; logo estaria em sua casa.
Seguia absorto em seus pensamentos, pensava em tirar férias; iria falar com o gerente do Restaurante. De repente ele sentiu um puxão e foi arrancado da moto, em seguida começou a engolir um líquido quente. Sua roupa se encheu de sangue e parecia que iria morrer afogado. Uma sensação de morte iminente e uma porção de gente chegando. Bruno caiu no chão e sua visão foi ficando turva, até desfalecer. A última coisa de que se recorda é da sirene da polícia.
Quando acordou estava no Hospital com o pescoço todo enfaixado e uma dor latejante na garganta; tentou e não conseguiu dizer nada. Sua esposa entrou com um olhar desesperado, parecia muito nervosa. Alice chegou ao lado da cama, cuidadosamente pegou sua mão e perguntou se estava com dor. O rapaz queria responder, mas, sua voz não saia. A enfermeira entrou e pediu para a mulher não insistir, depois ele tentaria novamente. O médico dissera que foi um milagre as cordas vocais de Bruno não terem sido lesadas, mas, a região da garganta estava muito inchada, por isso ele não conseguiria falar.
Com gestos ele pediu papel e caneta, queria saber o acontecido. Alice estava com uma cópia do boletim de ocorrência onde o policial relatava os fatos. Bruno fora vítima de uma linha de cerol, que quase o degolou. Com vinte e cinco pontos no pescoço e muita sorte por ter sido preservada suas cordas vocais, o garçom e sua companheira choraram abraçados. O médico passou a visita e disse ao Bruno que ele havia nascido novamente, poderia ter morrido ou ficado mudo para sempre.
O rapaz ficou internado por cinco dias e quando saiu do Hospital não acreditava que estava vivendo aquela situação, precisava se recuperar rapidamente. O ano letivo estava no final e ele não poderia perder aulas; iria concluir o curso de contabilidade. O garçom queria deixar aquela vida noturna para procurar outro serviço, menos desgastante.
Alice não se conformava com o acidente do marido. Bruno era um homem sério e trabalhador e não merecia ser vítima da irresponsabilidade de desocupados. Acompanhada de seu irmão, ela foi até o local do acidente para saber quem foi o responsável por aquele episódio tão triste. Não conseguiu descobrir nada; ninguém sabia ou não queriam dizer. Depois de muito insistir, alguém lhe disse que eram rapazes desocupados que faziam linha com cerol e não crianças.
 Aos poucos Bruno começou a emitir sons e sua voz rouca foi voltando, mas a situação o deixou magoado e tristonho; o trauma calou fundo. O dia marcado para tirar os pontos foi aguardado com ansiedade, só então ele veria o tamanho do estrago. Quando olhou no espelho, o rapaz ficou trêmulo e viu a extensão da ocorrência. Lágrimas rolavam de seus olhos e a vida passava como um filme em sua cabeça. O filho querido aparecia em primeiro plano, sua esposa, depois a mãe, dona Joana, já velhinha e doente. Seu coração doía só em pensar que poderia causar tamanha dor aos seus entes queridos. Entendeu que a vida é uma dádiva de Deus e devemos viver intensamente. Estava vivo, Teria que agradecer aos céus; foi por um fio que ele não se foi. Um texto de Eva Ibrahim.
MEU MUNDO REINVENTADO.

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