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quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

"A RESPOSTA CALMA DESVIA A FÚRIA, MAS A PALAVRA RÍSPIDA DESPERTA A IRA".PROVÉRBIOS 15:1



                    CHAMUSCADO

CAPÍTULO DEZ
          O menino parecia hipnotizado, ficou algum tempo alisando o selim, o guidão e os para-lamas da bicicleta; seus olhos brilhavam de satisfação. A Magrela era azul brilhante, estava seminova e tinha até porta-malas; era um luxo para os padrões da época.

         Benjamim fez vários movimentos para poder sentar-se, ao menos um pouco, no selim da bicicleta. Mas, o quadro do modelo masculino era alto, sua perna não alcançava e o gesso era pesado para levantar.

            Frustrado, o menino sentou-se em cima dos sacos de milho, que estavam no canto para serem debulhados e dados aos animais e onde colocara a lamparina para iluminar a bicicleta. Os milhos ainda estavam com suas palhas secas e ao tentar pegar na roda da Magrela para fazer girar, a lamparina caiu em cima dos sacos. Iniciando, então, um pequeno incêndio no local.

             Benjamim tentou tirar a bicicleta dali, foi seu primeiro impulso, precisava salvá-la a qualquer custo. Não poderiam perder tamanha joia, recém adquirida pelas mãos generosas do tio.

                O fogo crescia rapidamente e ele tentou sair daquele local, mas, as muletas atrapalharam e Benjamim acabou caindo no degrau do rancho. O barulho acordou o Foguete e o Rojão, os dois cães da família, que latiam freneticamente. O menino começou a chorar tentando puxar a Magrela pela roda. Mas, o pneu estava soltando fumaça e queimou suas mãos.

                Dirceu acordou assustado e levantou-se rapidamente. Havia histórias de roubos noturnos na região:

               - Será que são os ladrões? Pegou a espingarda e saiu de cuecas para ver o que estava acontecendo ali.

                Teresa saiu atrás do marido, Rui e Marília também acordaram e seguiram os pais. Da porta da cozinha dava para ver o fogaréu e todos correram para tentar apagar o fogo com sacos para abafar.  Não havia água ali perto, teriam que tirar do poço ou buscar no rio, que ficava a duzentos metros da casa.

           - Meu Deus, exclamou a mãe, é o Benjamim. E, correu para socorrer o filho.
                - Me desculpe, eu só queria ver a bicicleta. Choramingou o menino dando um grito de dor quando sua mãe pegou em suas mãos, retirando-as rapidamente.
           Olhando assustada, Teresa viu que as mãos do menino estavam pretas com fuligem.

               – Você queimou as mãos? Perguntou a mãe.

            - Queimei ao pegar no pneu, quando tentei tirar a Magrela dali. Gemeu o menino.

             Enquanto o pai e os irmãos tentavam sufocar o incêndio, a mãe amparava Benjamim para tirá-lo dali o mais rápido possível. Mãe e filho abraçados se arrastaram até a cozinha, onde o menino sentou-se em uma cadeira. Teresa pegou um copo com água e deu para o menino sorver; ele precisava se acalmar. O susto foi grande e poderia ter acabado em tragédia.

                A mãe sentou-se ao lado do filho e olhando para suas mãos ficou apreensiva. Já apareciam algumas bolhas nas palmas, dorso das mãos e até antebraços.

           – Como isso pode acontecer Benjamim? Você poderia ter morrido, meu filho. Choramingou a mulher.
               – Eu só queria ver a Magrela de perto e queimei as mãos tentando puxá-la para fora do fogo. Está doendo muito.
                 - Mãe passa um remédio! Gemeu o menino.

                Nisso Dirceu entrou dizendo que os pneus da Magrela estavam estragados, ficaram retorcidos pelo calor do fogo. Rui e Marília entraram carrancudos com Benjamim, que estragara a bicicleta. Quando poderiam consertar? Só Deus poderia dizer.

                Teresa esperaria amanhecer para chamar a Bibiana. Pediria a ela para fazer um curativo nas mãos do filho. Enquanto isso, colocara as mãos do menino dentro de uma bacia com água, para retirar a fuligem preta que estava grudada em suas mãos.

                O pai e os dois filhos voltaram ao rancho para fazer o rescaldo e ver se o fogo se extinguira totalmente. Teresa não tinha nada em casa que pudesse aliviar a dor das queimaduras, estava desesperada com a situação. Então, Marília que entrara na cozinha para pegar a vassoura e, a tudo assistia boquiaberta, perguntou?

            – Por que a senhora não dá para ele um remédio daqueles que estão na caixa do hospital? A menina aproximou-se para ver o estrago de perto, estava com raiva do irmão.

             Teresa ficou espantada e disse:

               - É verdade! Não pensei nisso, vou pegar um daqueles que servem para aliviar a dor. Levantando-se foi ao quarto do menino.

               Em seguida, Teresa voltou com um analgésico e colocou na boca do filho, oferecendo-lhe água para beber. Depois enrolou panos molhados nas duas mãos do menino, para mantê-las frescas e esperar o novo dia. A noite estava perdida, nada poderia remediar a aflição de ver o seu menino acidentado em meio ao fogaréu.

            A escuridão da noite ainda imperava por aquelas bandas. O relógio marcava três horas da madrugada. Benjamim gemia alto e sua mãe o levou para a cama, queria que dormisse um pouco, antes do pai retornar.

            Dirceu demorou a voltar para dentro da casa, estava arrumando o rancho e o que restara dos sacos de milho. Em um momento de raiva, pendurou a bicicleta na vigota que sustentava o telhado, estava irremediavelmente avariada e confiscada.

            Rui e Marília queriam matar o Benjamim, nunca mais falariam com ele; estavam de relações cortadas. Estragara o presente de Natal, que o tio trouxera.

             Quando o marido entrou, Teresa fingiu que estava dormindo, temia que ele iniciasse uma discussão por causa da bicicleta. Esperaria que se acalmasse para conversar, possivelmente quando o dia clareasse. Sabia da tempestade que se aproximava e começou a rezar baixinho.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa


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