CHAMUSCADO
CAPÍTULO
DEZ
O menino parecia hipnotizado, ficou algum
tempo alisando o selim, o guidão e os para-lamas da bicicleta; seus olhos
brilhavam de satisfação. A Magrela era azul brilhante, estava seminova e tinha
até porta-malas; era um luxo para os padrões da época.
Benjamim fez vários
movimentos para poder sentar-se, ao menos um pouco, no selim da bicicleta. Mas,
o quadro do modelo masculino era alto, sua perna não alcançava e o gesso era
pesado para levantar.
Frustrado, o menino sentou-se em cima dos
sacos de milho, que estavam no canto para serem debulhados e dados aos animais
e onde colocara a lamparina para iluminar a bicicleta. Os milhos ainda estavam
com suas palhas secas e ao tentar pegar na roda da Magrela para fazer girar, a
lamparina caiu em cima dos sacos. Iniciando, então, um pequeno incêndio no
local.
Benjamim tentou tirar a bicicleta dali, foi
seu primeiro impulso, precisava salvá-la a qualquer custo. Não poderiam perder
tamanha joia, recém adquirida pelas mãos generosas do tio.
O fogo crescia rapidamente e ele
tentou sair daquele local, mas, as muletas atrapalharam e Benjamim acabou
caindo no degrau do rancho. O barulho acordou o Foguete e o Rojão, os dois cães
da família, que latiam freneticamente. O menino começou a chorar tentando puxar
a Magrela pela roda. Mas, o pneu estava soltando fumaça e queimou suas mãos.
Dirceu acordou assustado e
levantou-se rapidamente. Havia histórias de roubos noturnos na região:
- Será que são os ladrões? Pegou
a espingarda e saiu de cuecas para ver o que estava acontecendo ali.
Teresa saiu atrás do marido, Rui
e Marília também acordaram e seguiram os pais. Da porta da cozinha dava para
ver o fogaréu e todos correram para tentar apagar o fogo com sacos para
abafar. Não havia água ali perto, teriam
que tirar do poço ou buscar no rio, que ficava a duzentos metros da casa.
- Meu Deus, exclamou a mãe, é o
Benjamim. E, correu para socorrer o filho.
- Me desculpe, eu só queria ver
a bicicleta. Choramingou o menino dando um grito de dor quando sua mãe pegou em
suas mãos, retirando-as rapidamente.
Olhando assustada, Teresa viu que as mãos
do menino estavam pretas com fuligem.
– Você queimou as mãos?
Perguntou a mãe.
- Queimei ao pegar no pneu, quando
tentei tirar a Magrela dali. Gemeu o menino.
Enquanto o pai e os irmãos
tentavam sufocar o incêndio, a mãe amparava Benjamim para tirá-lo dali o mais
rápido possível. Mãe e filho abraçados se arrastaram até a cozinha, onde o
menino sentou-se em uma cadeira. Teresa pegou um copo com água e deu para o
menino sorver; ele precisava se acalmar. O susto foi grande e poderia ter acabado
em tragédia.
A mãe sentou-se ao lado do filho
e olhando para suas mãos ficou apreensiva. Já apareciam algumas bolhas nas
palmas, dorso das mãos e até antebraços.
– Como isso pode acontecer Benjamim?
Você poderia ter morrido, meu filho. Choramingou a mulher.
– Eu só queria ver a Magrela de
perto e queimei as mãos tentando puxá-la para fora do fogo. Está doendo muito.
- Mãe passa um remédio! Gemeu o menino.
Nisso Dirceu entrou dizendo que
os pneus da Magrela estavam estragados, ficaram retorcidos pelo calor do fogo.
Rui e Marília entraram carrancudos com Benjamim, que estragara a bicicleta.
Quando poderiam consertar? Só Deus poderia dizer.
Teresa esperaria amanhecer para
chamar a Bibiana. Pediria a ela para fazer um curativo nas mãos do filho.
Enquanto isso, colocara as mãos do menino dentro de uma bacia com água, para
retirar a fuligem preta que estava grudada em suas mãos.
O pai e os dois filhos voltaram
ao rancho para fazer o rescaldo e ver se o fogo se extinguira totalmente.
Teresa não tinha nada em casa que pudesse aliviar a dor das queimaduras, estava
desesperada com a situação. Então, Marília que entrara na cozinha para pegar a
vassoura e, a tudo assistia boquiaberta, perguntou?
– Por que a senhora não dá para ele
um remédio daqueles que estão na caixa do hospital? A menina aproximou-se para
ver o estrago de perto, estava com raiva do irmão.
Teresa ficou espantada e disse:
- É verdade! Não pensei nisso,
vou pegar um daqueles que servem para aliviar a dor. Levantando-se foi ao
quarto do menino.
Em seguida, Teresa voltou com um
analgésico e colocou na boca do filho, oferecendo-lhe água para beber. Depois enrolou
panos molhados nas duas mãos do menino, para mantê-las frescas e esperar o novo
dia. A noite estava perdida, nada poderia remediar a aflição de ver o seu
menino acidentado em meio ao fogaréu.
A escuridão da noite ainda imperava
por aquelas bandas. O relógio marcava três horas da madrugada. Benjamim gemia
alto e sua mãe o levou para a cama, queria que dormisse um pouco, antes do pai
retornar.
Dirceu demorou a voltar para dentro
da casa, estava arrumando o rancho e o que restara dos sacos de milho. Em um
momento de raiva, pendurou a bicicleta na vigota que sustentava o telhado, estava
irremediavelmente avariada e confiscada.
Rui e Marília queriam matar o
Benjamim, nunca mais falariam com ele; estavam de relações cortadas. Estragara o
presente de Natal, que o tio trouxera.
Quando o marido entrou, Teresa
fingiu que estava dormindo, temia que ele iniciasse uma discussão por causa da
bicicleta. Esperaria que se acalmasse para conversar, possivelmente quando o
dia clareasse. Sabia da tempestade que se aproximava e começou a rezar baixinho.
Um
texto de Eva Ibrahim Sousa