MEU FLAMBOYANT
CAPÍTULO UM
O dia amanheceu cinzento, com
nuvens pesadas rondando a cidade, era um prenúncio de muita chuva. Aquele clima
pesado influenciava no humor da maioria das pessoas, deixando-as deprimidas.
Era a semana do Natal e nada deixava Laura motivada para as comemorações.
- Se ao menos tivesse um Sol brilhante! Ela
pensou desanimada.
O ano fora difícil para todos, muitos perderam
seus entes queridos; ela perdeu uma amiga e vizinha. Nunca imaginou que Olga
fosse para outro plano tão cedo. Num piscar de olhos, a moça adoeceu e faleceu,
ainda é difícil acreditar. Por tudo isso ela andava desanimada, não queria
fazer nada naquele final de ano.
Era segunda-feira da semana do Natal
e ela levantou-se bem cedo, precisava sair para fazer umas compras e depois
passar na Igreja. Como de costume, Laura queria pegar o folheto do programa das
festas natalinas. Gostava de frequentar a igreja e principalmente a Missa do
Galo. Deixava tudo pronto em sua casa e quando voltava da celebração, fazia a
ceia com todos da família.
No entanto, esse foi um ano
complicado, a pandemia do Corona vírus pegou a todos de surpresa e continua
influenciando a vida da humanidade em geral. A maioria das comemorações
públicas estão suspensas e cada família irá comemorar na privacidade de seus
lares, com cuidados especiais.
Saiu da igreja com algumas sacolas das
compras nas mãos e o folheto desejado, estava cansada e resolveu sentar-se no banco
da praça, queria tomar fôlego.
– A idade está pesando, já não
consigo fazer caminhadas sem sentir cansaço. Pensou com tristeza.
Era uma senhora com mais de setenta
anos e sofria de nostalgia. Passou meses confinada, os filhos e netos a
evitavam, pois fazia parte do grupo de risco, ao qual foi imposta uma solidão
forçada. No último mês, os governantes abriram o comércio e diminuíram as
restrições, então, o tal grupo de risco voltou a ter um pouco de liberdade. Assim,
Laura retornou a seus afazeres rotineiros.
Ali, debaixo da árvore, havia uma
sombra gostosa, podia-se ouvir o barulho dos pássaros e o farfalhar das folhas
ao sabor da brisa, que roçava seu rosto. A senhora respirou fundo, olhou para
cima e viu muitas flores vermelhas em galhos pendentes. Formavam cortinas de ramas,
que quase encostavam na terra.
Olhou para o chão e viu as raízes
grossas, que saíram da terra formando bancos ao redor do seu tronco. Era uma
árvore idosa também, do seu grupo de risco. Bem na sua frente, havia uma
procissão de formigas cortadeiras, carregando pequenos pedaços de folhas de uma
roseira do jardim. Não conseguiu avistar o formigueiro, somente a longa
procissão.
– Esse é um trabalho árduo e
constante, será que os filhotinhos de formigas estão preparando suas caixas
para receber o presente do Papai Noel? A mulher pensou e sorriu largamente.
Aquele fato a fez lembrar-se de
quando era criança, lá nos idos de um mil novecentos e cinquenta e seis. Os
belos anos dourados, onde os sonhos eram abundantes.
O país vivia uma euforia com o
início da construção da nova capital no centro oeste brasileiro. Havia muita
pressa para a construção de Brasília e as notícias eram alvissareiras, o Brasil
dava um grande passo à frente no após guerra. Para as crianças era permitido
sonhar em um mundo restrito, sem internet, sem telefone e no qual as notícias
boca a boca eram um importante meio de comunicação.
Laura era pequena e acreditava em Papai Noel, nesse ano ela pediu ao pai uma caixa com maquiagem. Pó de arroz, batom, lápis de olhos, rímel, esmalte, fixadores de cabelos, grampos e presilhas, a lista era grande, igual aos sonhos da menina. Ela vira tudo isso na revista de sua mãe: “Jornal das moças”. Queria praticar maquiagem em suas bonecas de louça, que ganhara de sua avó.
A menina esperava a noite de Natal
ansiosamente e na véspera pegou uma caixa de sapatos, que estava guardada para
a ocasião e foi até o outro lado da rua. Lá morava uma grande árvore de
Flamboyant, então, a menina apanhou um galho cheio de flores, que se arrastava
até o chão e o levou para sua casa.
Desmanchou
cada pétala da flor da árvore, para forrar o fundo de sua caixa, na qual o seu
presente deveria ser colocado. As folhas ficaram para seu irmão forrar a caixa
dele, pois ali seriam colocados os soldadinhos de chumbo, que ele tanto queria.
Lembranças de um passado simples e
bonito, no qual sua família estava reunida, acalentou seu coração. As nuvens
negras se afastaram e a beleza do sentido do Natal tomou conta da sua alma. A
mulher levantou-se e sorrindo fez um carinho no tronco da árvore, depois
sussurrou baixinho:
- Meu Flamboyant
Um texto de Eva Ibrahim Sousa