A “ZOIUDA”.
O
Sol se punha no horizonte, a escuridão aos poucos se instalava no local e mais
uma vez uma coruja grande pousava no galho da mangueira ao lado do quarto do
casal. Era o terceiro dia seguido que a ave pousava ali e Artur, o marido,
pegou a máquina digital e bateu duas fotos da criatura; assustada ela voou. Ele
mostrava as fotos e dizia que a ave era zoiuda, feia e velha. Luiza disse temer
a presença da coruja, pois sempre ouviu dizer que eram aves de péssimo agouro
para os moradores da casa. Artur deu de ombros e sorrindo entrou para mostrar
as fotos para as crianças.
O
casal morava na chácara dos pais de Artur, ao lado da casa grande. Era uma vida
tranquila, os dois trabalhavam e a sogra sempre dava uma mão com as crianças,
dois meninos. O maior tinha 12 e o menor 02 anos, eram crianças fortes e
saudáveis. Eles gostavam de brincar no grande espaço que havia no quintal. Uma
chácara cheia de aves, cães, gatos e muitas frutas. Artur era um marido
atencioso e bom pai, mas, um tanto nervoso e birrento, dizia Luiza censurando o
modo de ser do marido.
Por
diversas vezes voltaram de passeios, que deveriam fazê-los felizes, de cara
amarrada um com o outro. Artur discutia e dizia palavrões no trânsito por
qualquer motivo e sua esposa sentia medo. Ele incorporava o machão, aquele que
não levava desaforos para casa, pondo em risco a integridade física dele e de
sua família. Depois de alguns confrontos, Luiza se recusava a entrar no
automóvel com seu marido, principalmente, levando os filhos; as brigas eram
constantes.
Era
primavera e o horário de verão deixava as tardes mais longas, demorava a
escurecer e as crianças dormiam mais tarde. Luiza ao fechar a janela de seu
quarto viu a “Zoiuda” sentada no galho da mangueira, sentiu um calafrio e saiu
do local com um pressentimento ruim. Ela trabalhava em uma farmácia e levava o
filho menor para a creche, o maior ia para a escola e Artur saia de moto para o
trabalho em uma concessionaria de automóveis na cidade vizinha. O homem seguia
por uma estrada movimentada, com trânsito pesado e palco de muitos acidentes,
para chegar ao trabalho.
Passado
alguns dias, a mulher com a criança entrou no ônibus e o filho maior saiu,
andando a pé, a caminho da escola. Artur estava atrasado e saiu apressado,
teria que acessar a rodovia estadual. Era o horário de pico, todos saiam ao
mesmo tempo para o trabalho. Parecia que os motoristas estavam com muita pressa
e nenhuma paciência; ouvia buzinas o tempo todo, lembrou-se Artur mais tarde.
O
homem seguia concentrado na pista, quando de repente uma perua Kombi encostou-se
à motocicleta fechando a sua frente e jogando-o para o acostamento; Artur só
não caiu porque não estava correndo. O homem enfurecido foi atrás da Perua ofendendo
e fazendo gestos obscenos ao motorista. Depois de descarregar sua raiva, Artur
percebeu que havia três homens na condução e não tinham cara de bons amigos,
era melhor sair dali ou poderia correr risco; ele sentiu medo.
O
trânsito era intenso e logo chegaria ao pedágio, era melhor acelerar. Artur
pensou que a situação estava resolvida e respirou fundo; precisava se controlar
e pensou em sua família. Passou o pedágio, olhou pelo retrovisor e viu a perua
Kombi crescendo atrás de si. Não teve tempo de correr e foi abalroado pelo
veículo. Quando ele caiu da moto a Perua Kombi passou sobre o abdômen do rapaz.
Havia ódio nos olhos do motorista da perua; seu propósito era matar Artur. Foi
um ato covarde e intencional, disseram as testemunhas aos policiais.
A sensação era de morte iminente, pois o rapaz
estava deitado na pista de rolamentos com uma dor lancinante na barriga. A
perua saiu disparada em direção à capital e um enorme caminhão brecou quase
atingindo a cabeça do rapaz. O motorista do caminhão desceu assustado e quando
viu o jovem caído na pista se ajoelhou no chão agradecendo á Nossa Senhora
Aparecida por ter permitido que o caminhão parasse. A possibilidade de parar de
repente era quase nula para o tamanho do veículo. O caminhoneiro ficou ali
agradecendo e repetindo que presenciara um milagre.
Uma moça com vestimenta da concessionária do
pedágio sinalizava o local acenando uma bandeira amarela, desviando o trânsito
para permitir que o socorro chegasse até ele. Artur sentia dores lancinantes em
sua barriga e ela crescia muito; ele tinha a sensação que iria estourar, disse
depois para sua esposa. Quando sentiu um gosto amargo na boca e o vômito chegou
com um líquido amarelo ele pensou que iria morrer.
Logo
a seguir apareceu o socorro da concessionária da rodovia que o transferiu à
emergência do Hospital. Com o abdômen
distendido foi levado para uma cirurgia de emergência, pois havia muito sangue
na cavidade abdominal.
Artur,
depois da cirurgia, foi levado para a Unidade de Terapia Intensiva, correndo
sério risco de vida, pois tivera duas paradas cardíacas durante os
procedimentos médicos. Luiza chegou ao Hospital e somente ali ficou sabendo o que
realmente havia acontecido. Quase se transformou em uma viúva; tremeu de medo,
tinha dois filhos para criar. A mulher ficou horas aguardando o marido voltar
da anestesia. Sua vida toda passou como um filme em sua cabeça, seu medo se
tornara realidade. Desejava do fundo do coração que ele nunca mais se
envolvesse em brigas de trânsito.
Luiza
foi para casa dar assistência às crianças e retornou ao Hospital pela manhã
encontrando o marido choroso e cheio de dores. O médico disse que Artur era um
homem de muita sorte, pois por cerca de centímetros não ficaria paraplégico.
Estava em um momento difícil, mas ficaria bem; era jovem e tinha saúde.
A
mulher sentada ao seu lado comentou a aparição da coruja na árvore ao lado do
quarto do casal. Estava explicada a estranha aparição, ela queria avisá-los de
que haveria uma desgraça na família. O homem, incrédulo, disse que aquilo tudo
era apenas coincidência, a “Zoiuda” nada tinha a ver com o acidente. Esse poder
atribuído à coruja era crendice popular ultrapassada.
Quando
Artur melhorou disse à Luiza que tivera uma estranha experiência na sala de
cirurgia. Por duas vezes ele viu pessoas fazendo massagens em seu tórax, ele
estava fora do corpo. Assustado, ele queria sair dali, mas, alguém o empurrava
de volta para o corpo inerte na mesa de cirurgia.
O
homem contou que não sentia dores, apenas queria sair daquele local, mas alguém
o mandava de volta empurrando-o para o corpo cheio de sangue; depois não se
lembrava de mais nada. Não era hora de morrer, foi à conclusão que o casal
chegou.
A “Zoiuda” sumiu, mais uma vez ela fez seu
papel de ave de mau agouro, pensava a mulher temerosa. Em seguida, erguendo os
olhos para o céu, fez uma oração em agradecimento pela vida de seu marido. Um
texto de Eva Ibrahim.