A COBRANÇA.
Os colonos da Usina de açúcar formavam um grupo alegre e trabalhador; a maioria eram imigrantes italianos. Moravam em Colônias distribuídas em lugares estratégicos para facilitar a locomoção dos cortadores de cana até os canaviais. Uma fazenda com muito verde, fartura de rios e animais. A natureza exuberante estava em toda parte, parecia um manto verde de vários tons. Havia pasto a perder de vista no horizonte; muitos animais de corte, vacas leiteiras e outros para trabalhar na lida, puxando carroças ou arando a terra. Uma fazenda próspera que construíra uma represa de onde era gerada sua própria energia elétrica.
As casas dos colonos eram geminadas formando
Colônias homogêneas que abrigavam muitas famílias; parecia um pedacinho da
Itália naquele local. Nos quintais das casas formavam hortas, pomar de árvores
frutíferas, galinheiros e chiqueiros de onde saia parte do sustento das famílias.
Aquele povo viera em busca de uma
nova vida e trouxera consigo os costumes de sua terra. Em frente ás Colônias
havia muitas árvores que faziam sombra para os animais pastarem. Viviam soltos
e cada colono sabia qual era o seu animal, pois, traziam marcados com ferro quente as
iniciais do nome do dono. Ali conviviam cabras, carneiros, cavalos, burros,
vacas e cães, juntamente com o vai e vem dos moradores do local. Era um povo
ordeiro, trabalhador e festeiro. Quando havia um casamento ou batizado a festa
varava a noite com vinho e muita comilança.
Nessa época as famílias tinham
muitos filhos, pois precisavam de muitos braços para trabalhar na lavoura.
Poucos frequentavam a Escola, precisavam ajudar os pais na roça e no corte da
cana de açúcar. Viviam felizes e prósperos na terra adotada. Tinham cooperativa de produtos variados, salão de
festas, campo de futebol e uma Igreja para agradecer a Deus por tanta fartura.
Aos domingos as moças sentavam-se embaixo das árvores para bordar os enxovais e
sonhar com o futuro príncipe encantado. Era uma sociedade patriarcal; todo o
dinheiro da família ia para as mãos do pai e este cuidava para que os filhos tivessem uma
vida boa e com muita responsabilidade.
Enzo era filho de uma dessas
famílias e destacava-se por ser um rapaz de pavio curto e sangue quente. Era
trabalhador e honesto, mas, vivia arrumando brigas; ora com colegas, ora com
vizinhos, era mal visto na Colônia. O rapaz havia notado que quando estava em
casa, aos domingos, ele era acordado pelo barulho das cabras que vinham em
frente a sua casa berrar, Mééé... Mééé..... Elas o estavam deixando nervoso e
irritado. Precisava dar um jeito naquela situação, não seriam meras cabras que
o iriam incomodar.
Pensou muito e resolveu dar uma
lição nas criaturas que o irritavam tanto. Enzo levantou-se bem cedo no
domingo, acendeu o fogão á lenha e pôs a chaleira de água para ferver. Quando
as cabras chegaram, ele pegou a chaleira com água em ebulição e despejou sobre
as costas delas. Saíram em alvoroço e os Mééé se multiplicaram enquanto o rapaz
ficava rindo baixinho e pensando: ”estas não voltam mais”. Satisfeito voltara
para a cama, a lição fora boa. O aprendiz de lobo mau deitou e dormiu como se
nada tivesse acontecido.
Os dias foram passando e alguém,
no trabalho, comentou que o vizinho perdera três cabras que morreram com
estranhos ferimentos de queimaduras nas costas. Enzo ficou calado, porém, estava feliz, ficara
livre das cabras para sempre.
O tempo corria e o rapaz cada vez mais nervoso,
implicava com tudo e todos; “era desajeitado e resmungão por natureza”, sua mãe
dizia balançando a cabeça.
Depois de alguns meses ele estava
trabalhando nas caldeiras de melaço de cana, já não se lembrava das cabras,
quando houve um defeito na máquina em que ele trabalhava. Enzo não conseguiu
consertar a caldeira que estava prestes á explodir, levando o pânico ao local. O
rapaz apavorado tentou segurar com as mãos a enorme caldeira, cujo metal estava
avermelhado pelo calor. Ele soltou um grito desesperado enquanto suas mãos frigiam no metal fervente. Desfigurado pela dor, o rapaz caiu no chão e na mesma hora lembrou-se
das cabras. A dor que sentiu era indescritível, diria mais tarde á sua mãe.
O problema no trabalho foi
solucionado pela equipe de segurança da empresa, mas, as mãos de Enzo sofreram
queimaduras de terceiro graus e levaria anos para sarar, disse o
médico. Ele teria que submeter-se a diversas cirurgias para implante de pele nas palmas das mãos. O rapaz teria comprometida a sensibilidade das mãos para
sempre, e não teria digitais, pois os dedos ficaram em carne viva.
Enzo sentiu medo pela ira de
Deus, pois tinha certeza que aquilo fora castigo pelo ato criminoso que praticara
com as cabras. Agora ele compreendia o tamanho da atrocidade que praticara e a dor que causara nos animais.Certamente Deus não aprovara sua atitude.
Chamou sua mãe, ainda no
Hospital, e contou-lhe o que havia feito. Sua mãe chorou pela crueldade do filho
e disse que acreditava que aquilo era a paga pelo crime cometido e o aconselhou a
procurar o padre. Quando recebeu alta do Hospital, o rapaz foi à Igreja se confessar e pedir perdão á Deus.
Muitos anos já se passaram e o
velho Enzo mostra para seus netos as cicatrizes que trás nas palmas das mãos e
conta essa história para ilustrar a ira de Deus quando se comete maldades.
-A cobrança é cara e dolorida, por isso não gerem sofrimento, apenas promovam a paz- Diz o velho olhando para suas mãos.
Durante o tempo que passou para curar as mãos o homem aprendeu a ter paciência com tudo e todos, pois até para usar o banheiro precisava de ajuda. Até hoje ele tem dificuldade para segurar os objetos nas mãos.
-A cobrança é cara e dolorida, por isso não gerem sofrimento, apenas promovam a paz- Diz o velho olhando para suas mãos.
Durante o tempo que passou para curar as mãos o homem aprendeu a ter paciência com tudo e todos, pois até para usar o banheiro precisava de ajuda. Até hoje ele tem dificuldade para segurar os objetos nas mãos.
Enzo sofreu muito e entendeu que
sua maldade lhe foi cobrada com justiça para torna-lo um homem melhor. A mão
que fere, um dia, também será ferida.
Um texto de Eva Ibrahim.