MOSTRAR VISUALIZAÇÕES DE PÁGINAS

sexta-feira, 26 de maio de 2017

"A VIDA ME AFASTOU DE PESSOAS QUE EU PENSAVA QUE SERIAM PARA SEMPRE E ME APROXIMOU DE OUTRAS QUE EU NUNCA IMAGINEI CONHECER". AUTOR DESCONHECIDO

COISAS DE DEUS
 UM ANJO
CAPÍTULO UM
 O homem andava de cabeça baixa, parecia muito mais velho do que era na realidade. Havia uma tristeza no olhar e um peso nos ombros que o deixavam encurvado e lento. Andava em meio aos trilhos da estrada de ferro e, lá no fundo de seu coração desejava que o trem passasse por cima de seu corpo, para acabar com todo aquele sofrimento. Não tinha coragem de dar cabo da própria vida, esperava que isso acontecesse ocasionalmente.

Deixara seu automóvel no estacionamento do Hospital e saíra a pé, estava sem rumo; muito descontrolado para dirigir. Precisava de ar puro e paz na alma, que a muito tempo perdera. Jardel sabia que nunca mais veria os olhos que o encantara um dia; seriam apenas lembranças. Andou até sentir cansaço, então, avistou uma estação onde o trem parava e como estava com sede, resolveu entrar. Sua garganta estava seca.

 Viu uma torneira na parede do lado de fora e se aproximou para tomar água. Uma mulher o alertou dizendo:

 - Não tome desta água, pode estar contaminada, peça lá no balcão.

Ele agradeceu e estendendo as mãos sorveu a água sob o olhar de censura da mulher. Então, ele sorriu, fazia um bom tempo que não ria, achou graça na preocupação da mulher. Ela não poderia imaginar o drama que ele estava vivendo e que morrer seria a melhor opção.

 - Tomara que esteja cheia de bichos e que eu tenha a sorte de morrer contaminado. Pensou Jardel, com o coração apertado. Desejava morrer, mas não queria causar mais sofrimentos e tinha uma pequena princesa para cuidar. Isso o mantinha um morto vivo, que se arrastara nos últimos meses, fingindo ser forte.

Sentou-se no banco, estava sem destino, não queria voltar para os seus problemas. Em meio a tantas pessoas estranhas, ele sentia-se um pouco melhor. Uma moça aproximou-se, trazia nos braços um menino de uns dois anos de idade, que dormia com a cabeça nos ombros da mãe. Ela trazia consigo duas bolsas grandes, que pareciam pesadas e Jardel levantou-se para ajudá-la a sentar-se. Em seguida, ele se acomodou no restante do banco.

                O trem surgiu no horizonte e o rapaz perguntou a moça se ela iria subir no trem, porque ele a ajudaria com as bolsas. Ela sorriu com um olhar doce e disse que iria ao Hospital levar o filho para uma cirurgia.

            Com o barulho da locomotiva a criança acordou e olhou para Jardel, que deu um passo para trás; era uma criança feia. Então, Larissa, a mãe do menino, disse que ele nascera com lábio leporino e depois de três cirurgias na parte interna, agora iriam corrigir os lábios e ela estava muito feliz. Agradeceria se a ajudasse, porque estava sozinha e o menino era pesado.

O rapaz, por um momento se esqueceu de seus problemas e censurou o pai, que não estava presente para ajudar aquela mãe. Em seguida, prontamente pegou as bolsas e subiu no trem também, voltaria ao Hospital; a moça precisava de ajuda.

                A boca da criança o incomodava, mas ele queria parecer natural e perguntou onde estava o marido dela.

- Eu sou o pai e a mãe, pois quando o meu namorado soube da gravidez, tratou de desaparecer. Eu cuido dele sozinha e minha mãe fica com ele para eu trabalhar. E, fez um carinho na cabeça do menino, que se aconchegou ao peito dela.

Jardel sentiu-se envergonhado, pois ali estava uma mulher guerreira que não reclamava de seus problemas; estava resignada. No entanto, ele queria fugir da vida porque não lhe era favorável. Imaginou o trabalho que o filho doente dava aquela mãe sozinha e, ela continuava firme em seu amor pelo pequeno menino.

 A locomotiva seguia cadenciada e Larissa lhe perguntou para onde ia e ele começou a falar como se ela fosse sua amiga de muito tempo. Sua esposa estava morrendo e ele queria fugir e não presenciar nada daquilo. Tinha uma filha de seis meses de idade, que não iria conhecer a mãe; aquele pensamento cortava seu coração.

Foi durante a gravidez que descobriram um tumor no ovário de Lídia. Nada poderiam fazer antes da criança nascer, disseram os médicos. Assim mesmo fizeram uma cesárea antes do tempo, para tentar salvar a mãe, mas todas as tentativas foram inúteis. Lídia reagiu mal à quimioterapia e a doença ganhou força. E, nos últimos quinze dias piorou de vez. As esperanças de cura se foram e a espera da morte o estava matando também.

Sua filha estava com a avó, pois ele estava sempre com Lídia no Hospital. Vivia do trabalho ao Hospital e vice e versa; ia para sua casa somente para tomar banho e trocar as roupas. Apesar de todo o tratamento, não havia melhora, Lídia definhava a olhos vistos. Arruinou muito durante a noite e o médico disse que ela estava morrendo.

- Entrou em coma e é questão de horas para ela nos deixar, o médico foi categórico.
          - Então, eu me acovardei, não queria ver a minha mulher morrer, e duas lágrimas rolaram de seu rosto sofrido. Larissa o abraçou dizendo.

– Estou aqui e vou ajuda-lo, do jeito que me ajudou. Estamos juntos nesta situação.
                 A moça entrou com a criança no consultório médico e Jardel foi ver sua mulher. Estava do mesmo jeito que a deixara, mas ele ganhara um fôlego extra, já não estava tão desanimado. O encontro com Larissa e o filho lhe fizera bem, não era somente ele que tinha problemas. Havia um sentimento de conforto, que emanava da moça.

            – Seria coisa de Deus para lhe dar forças quando Lídia partisse? Afastou o pensamento que teimava em lembra-lo do que sua mãe sempre dizia:

             - “Deus usa as pessoas menos prováveis para falar conosco”.

           Quando a noite chegou, os dois se encontraram na recepção. O menino estava na sala de cirurgia e Jardel saíra para tomar um café. Conversaram e ele a levou para ver sua esposa e foi ali que ele deu seu último adeus a Lídia, que se foi suavemente. O aparelho começou a apitar indicando que havia algo de errado, então, foi constatado o óbito de Lídia.

            Jardel já não estava só, agora tinha um ombro para chorar. Sua dor foi acolhida e suas lágrimas puderam rolar até desabafar, pois, alí havia um anjo a lhe apoiar com seu abraço.

Um texto de Eva Ibrahim
MEU MUNDO REINVENTADO.

UM BLOG PARA POSTAR CONTOS CURTOS E EM CAPÍTULOS.