COISAS
DE DEUS
UM ANJO
CAPÍTULO
UM
O homem andava de cabeça baixa, parecia muito
mais velho do que era na realidade. Havia uma tristeza no olhar e um peso nos
ombros que o deixavam encurvado e lento. Andava em meio aos trilhos da estrada
de ferro e, lá no fundo de seu coração desejava que o trem passasse por cima de
seu corpo, para acabar com todo aquele sofrimento. Não tinha coragem de dar
cabo da própria vida, esperava que isso acontecesse ocasionalmente.
Deixara
seu automóvel no estacionamento do Hospital e saíra a pé, estava sem rumo;
muito descontrolado para dirigir. Precisava de ar puro e paz na alma, que a
muito tempo perdera. Jardel sabia que nunca mais veria os olhos que o encantara
um dia; seriam apenas lembranças. Andou até sentir cansaço, então, avistou uma
estação onde o trem parava e como estava com sede, resolveu entrar. Sua garganta estava seca.
Viu uma torneira na parede do lado de fora e
se aproximou para tomar água. Uma mulher o alertou dizendo:
- Não tome desta água, pode estar contaminada,
peça lá no balcão.
Ele
agradeceu e estendendo as mãos sorveu a água sob o olhar de censura da mulher.
Então, ele sorriu, fazia um bom tempo que não ria, achou graça na preocupação
da mulher. Ela não poderia imaginar o drama que ele estava vivendo e que morrer
seria a melhor opção.
- Tomara que esteja cheia de bichos e que eu
tenha a sorte de morrer contaminado. Pensou Jardel, com o coração apertado. Desejava
morrer, mas não queria causar mais sofrimentos e tinha uma pequena princesa
para cuidar. Isso o mantinha um morto vivo, que se arrastara nos últimos meses,
fingindo ser forte.
Sentou-se
no banco, estava sem destino, não queria voltar para os seus problemas. Em meio
a tantas pessoas estranhas, ele sentia-se um pouco melhor. Uma moça aproximou-se,
trazia nos braços um menino de uns dois anos de idade, que dormia com a cabeça
nos ombros da mãe. Ela trazia consigo duas bolsas grandes, que pareciam pesadas
e Jardel levantou-se para ajudá-la a sentar-se. Em seguida, ele se acomodou no
restante do banco.
O trem surgiu no horizonte e o
rapaz perguntou a moça se ela iria subir no trem, porque ele a ajudaria com as
bolsas. Ela sorriu com um olhar doce e disse que iria ao Hospital levar o filho
para uma cirurgia.
Com o barulho da locomotiva a
criança acordou e olhou para Jardel, que deu um passo para trás; era uma
criança feia. Então, Larissa, a mãe do menino, disse que ele nascera com lábio
leporino e depois de três cirurgias na parte interna, agora iriam corrigir os
lábios e ela estava muito feliz. Agradeceria se a ajudasse, porque estava
sozinha e o menino era pesado.
O
rapaz, por um momento se esqueceu de seus problemas e censurou o pai, que não
estava presente para ajudar aquela mãe. Em seguida, prontamente pegou as bolsas
e subiu no trem também, voltaria ao Hospital; a moça precisava de ajuda.
A boca da criança o incomodava,
mas ele queria parecer natural e perguntou onde estava o marido dela.
-
Eu sou o pai e a mãe, pois quando o meu namorado soube da gravidez, tratou de
desaparecer. Eu cuido dele sozinha e minha mãe fica com ele para eu trabalhar. E,
fez um carinho na cabeça do menino, que se aconchegou ao peito dela.
Jardel
sentiu-se envergonhado, pois ali estava uma mulher guerreira que não reclamava
de seus problemas; estava resignada. No entanto, ele queria fugir da vida
porque não lhe era favorável. Imaginou o trabalho que o filho doente dava
aquela mãe sozinha e, ela continuava firme em seu amor pelo pequeno menino.
A locomotiva seguia cadenciada e Larissa lhe
perguntou para onde ia e ele começou a falar como se ela fosse sua amiga de
muito tempo. Sua esposa estava morrendo e ele queria fugir e não presenciar
nada daquilo. Tinha uma filha de seis meses de idade, que não iria conhecer a mãe;
aquele pensamento cortava seu coração.
Foi
durante a gravidez que descobriram um tumor no ovário de Lídia. Nada poderiam
fazer antes da criança nascer, disseram os médicos. Assim mesmo fizeram uma
cesárea antes do tempo, para tentar salvar a mãe, mas todas as tentativas foram
inúteis. Lídia reagiu mal à quimioterapia e a doença ganhou força. E, nos
últimos quinze dias piorou de vez. As esperanças de cura se foram e a espera da morte o estava matando também.
Sua
filha estava com a avó, pois ele estava sempre com Lídia no Hospital. Vivia do
trabalho ao Hospital e vice e versa; ia para sua casa somente para tomar banho
e trocar as roupas. Apesar de todo o tratamento, não havia melhora,
Lídia definhava a olhos vistos. Arruinou muito durante a noite e o médico disse
que ela estava morrendo.
-
Entrou em coma e é questão de horas para ela nos deixar, o médico foi
categórico.
- Então, eu me acovardei, não queria
ver a minha mulher morrer, e duas lágrimas rolaram de seu rosto sofrido.
Larissa o abraçou dizendo.
–
Estou aqui e vou ajuda-lo, do jeito que me ajudou. Estamos juntos nesta
situação.
A moça entrou com a criança no
consultório médico e Jardel foi ver sua mulher. Estava do mesmo jeito que a
deixara, mas ele ganhara um fôlego extra, já não estava tão desanimado. O
encontro com Larissa e o filho lhe fizera bem, não era somente ele que tinha
problemas. Havia um sentimento de conforto, que emanava da moça.
– Seria coisa de Deus para lhe dar
forças quando Lídia partisse? Afastou o pensamento que teimava em lembra-lo do
que sua mãe sempre dizia:
- “Deus usa as pessoas menos
prováveis para falar conosco”.
Quando a noite chegou, os dois se
encontraram na recepção. O menino estava na sala de cirurgia e Jardel saíra
para tomar um café. Conversaram e ele a levou para ver sua esposa e foi ali que
ele deu seu último adeus a Lídia, que se foi suavemente. O aparelho começou a
apitar indicando que havia algo de errado, então, foi constatado o óbito de
Lídia.
Jardel já não estava só, agora
tinha um ombro para chorar. Sua dor foi acolhida e suas lágrimas puderam rolar
até desabafar, pois, alí havia um anjo a lhe apoiar com seu abraço.
Um
texto de Eva Ibrahim