COM DOR NO CORAÇÃO
CAPÍTULO QUATRO
O último componente da escola
passou e o portão foi fechado. Todos se cumprimentaram, abraços aconteceram e
lágrimas rolaram manchando os rostos, com a maquiagem derretida no calor do Rio
de Janeiro. Pareciam eufóricos, fizeram uma boa apresentação e conseguiram
chegar dentro do tempo permitido. Havia esperança de uma boa classificação e
consequentemente, o afastamento do medo do rebaixamento. Enfim, havia
felicidade em cada olhar.
Raquel, com seu adorno de
cabeça nas mãos, olhou para os lados, procurava por Murilo, voltara à
realidade. Ele tentava chegar até ela, mas havia uma multidão entre eles. Era
um grande obstáculo humano e a moça não sabia para que lado ir, a última vez
que vira o seu amor, ele estava acompanhando a bateria. Mas agora, em meio a um
mar de gente, temia que ele tivesse ficado atrás do portão fechado.
Cansada de tanto dançar, a moça
sentou-se em um canto. Acomodou seu adorno em uma mureta, tirou as sandálias,
que machucavam seus pés e aguardou a multidão se dispersar, com a certeza de
que Murilo a encontraria. Depois de uns quarenta minutos, alguém bateu em seu
ombro, era ele, que finalmente a encontrara.
Sentou-se ao seu lado e enlaçou os
seus ombros, puxando-a para junto de si. Em seguida, a beijou calorosamente,
estavam matando as saudades. Alguém passou e assoviou, fazendo-os voltarem à
vida; estavam no mundo dos sonhos. Perceberam que deveriam deixar o local e
seguir para a casa de Raquel.
Ela morava em uma comunidade,
bem no pé do morro. Lá, a rainha da bateria tomou banho para se livrar do suor,
conseguido com uma hora de intensos passos de dança enaltecendo sua escola, em
frente da bateria. Depois foram dormir abraçados, estavam felizes como se fossem
recém-casados em lua de mel.
Enquanto isso, sua esposa Lívia
estava dormindo na casa de sua sogra, com seus três filhos. Nem por isso,
Murilo sentia algum remorso pela traição, estava feliz nos braços de sua
amante. Ele postergava as preocupações para a quarta-feira de cinzas, ainda
teria três dias de folia pela frente.
O mecânico vivia momentos de puro prazer na
casa de sua amada. Á tarde, eles saiam para caminhar na praia, tomavam um banho
de mar e voltavam para casa. O casal curtia o seu ninho de amor com intensos
carinhos, depois jantavam e seguiam para o Sambódromo. Curtiam as outras
escolas de samba até a madrugada, depois retornavam à casa de Raquel.
Na segunda feira saíram mais cedo,
iriam participar dos blocos de rua atrás do trio elétrico. Passearam, riram,
brincaram e a noite terminaram tomando banho de mar. Quando chegaram em casa o
Sol já estava nascendo.
Murilo parecia outro homem, mais
jovem e com um grande sorriso nos lábios. Sua vida com Lívia parecia ter ficado
no passado, apenas sentia falta das crianças, que ele amava muito. Sua esposa
era uma mulher insipida, fria e ele não sabia como se casara com ela. Parecia
que Lívia não tinha nenhuma qualidade, apenas defeitos.
– Eu estava cego ou fui vítima de
algum despacho, para ter gostado daquela pedra de gelo. Era isso que ele
repetia para si mesmo, tentando relevar seus atos falhos.
–
Raquel sim, é uma mulher de verdade, linda, carinhosa e topa qualquer parada. E
assim, com essas afirmações, ele se iludia mais e mais.
Tinha uma mulher fogosa na cama e
disposta a compartilhar todos os seus desejos. Aquilo sim que era vida, o
mecânico pensava todos os dias, mas a terça-feira estava acabando e, ele teria
que voltar para sua família.
Era um homem responsável, que tinha
que trabalhar para pôr comida na mesa de sua casa. Raquel tinha uma pensão do
marido morto e vivia sozinha na comunidade, então não se preocupava muito, com
nada. E, agora estava apaixonada por Murilo, que retribuía com muito carinho.
Estava feliz e não se importava com seu futuro.
O
rapaz custou a se despedir, tinha uma dor no coração, mas o dever falava mais
alto e ele se foi depois do jantar. Dali para Niterói era uma hora na estrada,
que tinha muito trânsito. Chegou e sua família já estava à sua espera, a vida
voltava a rotina.
Naquela
noite, Lívia o abraçou e se recostou nele, que se virou dizendo estar cansado.
Fugiu de seus carinhos, estava satisfeito com sua amante, precisava dormir.
Sua
mulher aceitou conformada:
-
A pescaria exigia muitas energias, era compreensível seu cansaço, embora ele não
tivesse trazido nenhum peixe. Sua mulher concluiu, estava desconfiada.
Murilo
se justificou, no dia seguinte, dizendo que pegaram poucos peixes e comeram a
maioria. Os peixes, que restaram,
ficaram para os mais velhos do grupo. Ele não poderia exigir nada, apenas fora
convidado a participar por Leonel, seu amigo.
Lívia entendeu e não tocou mais no assunto,
mas estranhou o fato, de ele estar limpo e perfumado. Porque nas outras vezes, que seu marido fora
pescar, ele voltava sujo e fedendo a peixe. Agora, ela teria que manter seus
olhos bem abertos, havia alguma coisa estranha no ar.
Um texto de Eva Ibrahim Sousa.