O VIÚVO.
CAPÍTULO
2.
Só conseguiu melhorar depois que
chegou á sua casa e tomou um banho, assim mesmo foi dormir sem comer, nada
passava em sua garganta; parecia obstruída. Sentia nojo da comida, só pensava
nos ferimentos de sua amada. Sua irmã queria levá-lo com ela, mas ele não quis;
teria que enfrentar a situação. Longos dias se passaram e sua angustia parecia
parada na boca, mal conseguia engolir algum salgado ou refrigerante. A morte o
chocara e seu estômago embrulhava sempre que pensava no acidente. Sua aparência
era de abandono total. Quando se olhou no espelho ficou assustado, parecia um
andarilho, então, o homem tomou um choque de realidade. Teria que fazer a barba
e cortar os cabelos para poder sair de casa.
Na verdade Antonio estava deprimido,
tornara-se um homem taciturno. Em apenas três semanas de afastamento do
trabalho, concedido pela sua empresa, pois, tinha férias para tirar, perdera
aquele jeito bonachão, já não ria como antes, estava preso a sua dor. Ficava
imaginando que todas as pessoas tinham problemas, com isso procurava aliviar o
peso da ausência de sua esposa. Criara uma fuga para seu desarranjo emocional;
uma válvula de escape para não enlouquecer. Às vezes pensava em suicídio, porém,
lembrava-se do inferno, que sua mãe dizia ser o lugar para onde os suicidas
eram levados e ele tinha medo de queimar no fogaréu.
Os amigos diziam que era a vontade de
Deus, mas era difícil compreender aquilo.
–Será que Deus queria que ele ficasse
sozinho? Sempre pensara que Deus fosse uma figura paterna e seu pai, se
estivesse vivo, não gostaria de ver o filho sofrendo, mas, quem pode entender a
vontade de Deus?
Estava tão triste e não queria se
indispor com Deus, porque ainda precisava muito dele. Em seu desespero deu um
murro na mesa da cozinha, onde costumava jantar, que seus dedos sangraram. O
homem estava com ódio do mundo e só pensava na maldita pedra amarela; queria
encontra-la para jogar nas águas sujas da represa de onde fora retirada.
Verônica se fora prematuramente,
ainda não era hora, somente agora se dera conta da importância da mulher. Ela
lavava suas roupas, mantinha a casa limpa e cuidava da alimentação. Ás vezes
lhe afagava os cabelos ou massageava os pés e lhe dava beijos, muitos beijos!
Era uma mulher brava, com voz estridente, entretanto, quando queria era
carinhosa e meiga. Dormiam abraçados e agora que a cama estava vazia ele dormia
no sofá da sala.
Casaram-se por amor e foram fiéis,
jamais pensaram em separação. Não tiveram filhos da maneira convencional e
nunca procuraram o médico para saber se havia algum problema, apenas aceitaram
como sendo a vontade de Deus e pronto, ninguém tocava no assunto. Há um mês ele
vivia sozinho e angustiado naquela casa silenciosa. Comia pouco, ficava a maior
parte do tempo deitado, não queria conversar ou ver gente.
Nunca mais beijou ou foi beijado; sentia pena
de si mesmo. Não tinha paciência para arrumar outra mulher e não seria justo
com Verônica; suas coisas ainda estavam na casa.
Era um homem triste; sua vida perdera
o sentido. Não sabia o que fazer de suas noites, que eram longas e cheias de
pesadelos, por isso criava personagens cheios de problemas. Ficava horas
imaginando tragédias iguais ou piores que a sua, depois adormecia exausto.
Chegava a sentir saudades das brigas
com Verônica; aqueles bate-bocas eram rotineiros e não deixavam mágoas. Antonio
tinha que confessar que depois de algumas discussões tivera vontade de esganar
a mulher, dizia que ela falava demais. Ele ficava enfurecido, depois passava;
agora, daria tudo para ouvir aquela voz de taquara rachada. Queria a mulher de
volta, ela foi levada contra sua vontade.
A explicação do médico não saia de
sua cabeça.
-"Não teve jeito de salvá-la, tivera
múltiplas fraturas pelo corpo e hemorragia interna, que não conseguiram estancar".
Foi o que o médico disse a ele, para
justificar a morte de Verônica. Fora atropelada e seus ferimentos eram
gravíssimos; Antonio ainda não conseguia entender como a mulher não vira o
coletivo.
-Será que estava ficando cega? Ela
nunca se queixou!
O destino fora injusto com ele,
pensava o homem entristecido, sem a mulher a vida não tinha nenhuma graça;
estava perdido, se tornara um guerreiro sem causa. Continuava trabalhando para
ter aonde ir todos os dias, mas, sua vontade era dizer uns desaforos para seu
chefe e cair fora daquele empreguinho, que sua esposa vivia criticando. A
mulher tinha razão, aquela turma do escritório era um “pé no saco”, e o chefe,
um grande fingido. Só agora ele entendia porque ela não queria ir ás festas de
fim de ano, que sempre terminavam em brigas, discussões e até agressões
físicas.
Antonio pegava o ônibus para voltar
do trabalho ou caminhava observando ás pessoas nas ruas. Ele imaginava quais
seriam seus problemas, assim passava as horas e não se sentia tão infeliz.
Tornara-se um homem introspectivo e desleixado, perdera o hábito de tomar banho
diariamente, só de vez em quando. Abusava do desodorante para disfarçar; a casa
estava uma bagunça e suja. Precisava criar coragem e tirar tudo que lembrasse a
falecida. Estava com quarenta e oito anos e uma vida pela frente, mas, perdera
a vontade de viver.
Numa tarde de sábado ele saíra sem
destino e quando deu por si estava sentado em um banco dentro da Igreja em que
se casara com Verônica. A última vez em que ele esteve ali havia construção por
toda parte; a pequena Igreja tornara-se uma grande Matriz. Estava muito
diferente, mal conseguia imaginar a sua amada entrando naquela Igreja vestida
de noiva.
O silêncio foi quebrado pelo voo
rasante de um pássaro. A paz que reinava naquele local com certeza era a
presença de Deus. Antonio ficou sentado ali durante horas pensando em seu
passado e seus olhos finalmente encheram-se de lágrimas. Chorou muito até lavar
sua alma e quando saiu estava aliviado; tirara um peso de suas costas.
Precisava se agarrar a alguma coisa ou
desistiria de viver; sua vida se tornara insuportável. Era um homem sem futuro,
sem metas, sem compromisso; profundamente infeliz. Desceu a escadaria da Matriz
pensando que sua última vontade seria achar a pedra amarela e jogá-la de volta
no seu lugar de origem: a represa. Tinha certeza que suas desgraças eram
oriundas daquele estouro, que liberou alguma coisa muito ruim. Sentia-se
culpado pela morte de sua esposa, se soubesse o poder da pedra, jamais a teria
levado para sua casa.
Quando saia da Igreja, como por
encanto, um velho maltrapilho lhe pediu uma moeda e lhe deu uma folha de papel,
que ele pegou a contragosto e sentando-se no banco da praça abriu e leu:
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.