UMA NOVA VIDA
CAPÍTULO 9
Antonio morava na cidade do Rio de
Janeiro e pouco frequentava a praia, Verônica não gostava de Sol, dizia que
ficava parecendo um peru de Natal tostado, por isso faziam outros passeios em
direção oposta. O casal gostava de passear em Petrópolis, Teresópolis e
Friburgo; apreciavam o ar das montanhas.
Logo depois das festas o homem saiu á
procura da cadeira e do carrinho de bebê que comprou e levou para um conhecido
adaptar, dizendo que era para doar á uma pessoa paraplégica. Iria procurar uma
Imobiliária para mudar de bairro, queria um lugar próximo, mas onde ninguém o
conhecesse. Mudaria de vida, deixando o passado para trás, solidão nunca mais.
A mudança foi realizada em um domingo
após a passagem de ano. Os três mudaram para uma casa bonita, com um jardim na
frente e um pequeno quintal, pois o Lobo precisava de espaço para vigiar a
casa. Aquele seria o lar da pequena família a partir daquele dia.
O homem passou o dia arrumando a casa e quando abriu a mala e tirou o
Bernardo ficou satisfeito; era um plano perfeito. Colocou o boneco deitado na
cadeira com o boné cobrindo parte do rosto e com o toldo abaixado; parecia uma
pessoa adormecida. Ele estava ótimo, agora poderiam sair para passear. O Sol já
se punha no horizonte e o Mar parecia um grande espelho brilhante. Ao longe
estava estacionado um grande navio com suas luzes acesas. Antonio olhava o céu
e pedia a Deus que transformasse o Bernardo em um ser humano; neste momento uma
estrela cadente cortou o céu, parecia ter ouvido seu desejo.
Chegando à sua casa foi procurar um velho livro do Pinóquio, ele
tornara-se humano por causa do grande amor que Gepeto dedicara a ele. Aquele
livro tinha tudo que Antonio desejava para si. Ele sabia que era ficção, mas
gostava de imaginar que poderia acontecer com ele e Bernardo também.
Ele amava Bernardo como se ama a um
filho. O carinho de pai que havia adormecido em seu peito agora viera á tona
com muita força. Quando entrava em casa a primeira coisa que fazia era pegar
seu filho nos braços e acariciá-lo, enchendo-o de beijos, depois ia á cozinha
preparar o jantar. Aprendera a cozinhar para ficar mais tempo em sua casa.
Depois de dois anos da morte de Verônica o homem não sabia definir se
Bernardo era um amigo ou um filho muito amado. A verdade é que estivera
afastado de tudo e de todos para proteger o boneco, mas depois de tanto tempo
já estava sentindo falta de um carinho feminino. Sentia saudades de sua esposa,
ainda a amava.
No escritório havia uma funcionária nova
que vivia flertando com ele e acendia um velho fogo adormecido. Antonio pensava
em sair com a moça sem compromisso, mas, temia ser mal interpretado. Flora era
uma balzaquiana bonita, que vinha de um relacionamento complicado. As
fofoqueiras de plantão, diziam que tinha um filho de cinco anos que morava com
a avó no interior.
Aos poucos a moça foi se aproximando e
ganhando espaço no coração de Antonio, que concordou em acompanhá-la á um baile
de veteranos. Os dois dançaram a noite toda, Flora era um “pé de valsa”. Foi
uma noite festiva e aconchegante, Antonio sentiu o corpo da mulher juntinho ao
seu; ficou excitado, mas era um cavalheiro e teria paciência. Voltou para casa
cantarolando e abraçou o Bernardo dizendo que precisava voltar a viver.
Comprou um automóvel novo, há muito estava
guardando dinheiro para realizar seu sonho. Agora poderia passear com Bernardo
e com a Flora também.
Na segunda feira ele a encontrou no escritório e ganhou um sorriso de
cumplicidade; aquele flerte prometia! A solidão chegou à vida de Antonio de
surpresa e o afastou das possibilidades de refazer sua vida emocional por
tristeza, inibição e finalmente por ter criado uma fuga e um mundo onde só ele
e Bernardo podiam estar. Foi o modo que ele encontrou para fugir da depressão e
agora sentia que ainda estava vivo e muito ansioso para amar novamente.
O homem resistia porque temia que o
relacionamento acabasse por levar a mulher á sua casa e ele perderia a
privacidade. Dentro de casa ele era um e o outro da rua era o Antonio do
escritório e ex-marido de Verônica. O viúvo queria Flora, pois estava sedento
de carinho e marcara sair com ela no sábado. O encontro seria no salão de baile
e depois, Antonio tremia só em pensar, parecia um adolescente com sua primeira
namorada.
Olhava para o boneco e sentia remorso,
pensava que o estava traindo; era uma sensação estranha que o incomodava muito.
Bernardo fora o responsável pelo seu equilíbrio e sua sobrevivência emocional,
mas, ele era um homem e estava sedento por sexo. Depois de dois anos Antonio
pensava em ter uma mulher em seus braços novamente e Flora estava próxima e
disponível. Para diminuir sua culpa ele saia no domingo de manhã com o Bernardo
para conhecer as cidades montanhosas ao redor do Rio de Janeiro. Passeavam em
Friburgo, Petrópolis e Teresópolis; dizia a Bernardo que um dia iriam morar lá
nas montanhas, era só se aposentar.
Entrou no Salão e não viu a moça,
procurou com o olhar e depois se sentou na banqueta do bar e ficou bebericando
com o copo de vodka na mão. Não tirava os olhos da porta de entrada, ele estava
ansioso e seu coração disparado.
– O que teria acontecido-?
Antonio ficou preocupado. Flora
gostava de dançar e havia confirmado a presença no Baile. Passava da meia noite
quando seu celular tocou. Era a moça chorando e pedindo sua presença no
Hospital, sua mãe havia sofrido um infarto agudo do miocárdio.
Ele deu um pulo lembrando-se de tudo
que aconteceu com Verônica e com uma ruga na testa, lembrou-se da pedra
amarela.
- Será que a maldição iria começar novamente? Bastava alguém
aproximar-se dele e os problemas começavam a aparecer?
Trancou a cara e foi rapidamente dar
apoio á Flora. A velha senhora ainda estava viva, mas o médico dissera que o
caso era muito grave e ela corria risco de vida. Com ela estava Vinícius, o filho de Flora, um garoto de cinco anos, que sua mãe cuidava. Antonio convidou a criança
para sair um pouco, tomar um ar; aquele ambiente não era bom para ele. O homem
sentiu a tristeza no olhar do menino, ele amava a avó e temia que Deus a
chamasse para morar com ele; Vinicius falou entre soluços e muitas lágrimas.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.