AH! O AMOR
O casal surgiu no corredor do passeio, que
fora desenhado para atravessar o parque. Era um fim de tarde de horário de verão
e uma onda de calor imperava em toda a região. As pessoas saiam para passear e
aproveitar a fresca dos lugares abertos sombreados por arvoredos.
Naquela tarde, havia muitas famílias,
mulheres com crianças e alguns namorados sentados nos bancos da praça ao redor
do lago. As crianças brincavam de pique esconde, jogavam bola na grama e alguns
meninos andavam de bicicleta. Um cenário alegre, onde até os cães brincavam de
correr com as crianças.
A mulher, segurando o braço do companheiro,
andava a passos lentos; estavam passeando e conversando amistosamente. Ele, um
homem alto, loiro, de origem nórdica e ela baixa, gorda de cabelos longos
escuros; eram tão diferentes que se completavam. Estavam na meia idade, já passavam
dos cinquenta anos. Um casal que fazia parte da paisagem, costumeiramente visto
de braços dados pelas ruas do bairro, na Igreja, nas praças e jardins.
A
fonte luminosa estava acesa e suas águas dançavam ao sabor do vento quente, que
anunciava chuva para mais tarde. O calor era intenso e poucos permaneciam
dentro de casa. O verão convidava as pessoas a saírem para caminhadas, sempre
no final da tarde. Ora um sorria ora o outro, estavam felizes como dois
pombinhos, então, de repente um cachorro surgiu correndo atrás de uma bicicleta
e passou esbarrando na mulher, que caiu batendo com a cabeça no chão.
Com
um grito ela ficou estirada no cimento duro e da cabeça surgiu um filete de
sangue, que descia pela têmpora direita, percorrendo o rosto até as orelhas.
Rapidamente o sangue descia formando uma poça do líquido empapando os cabelos.
O homem, de nome Ede, se desesperou pedindo ajuda:
-
Por favor, levantem a minha mulher, implorava e chorava de correr lágrimas pelo
seu rosto. Havia uma dor da alma estampada em seus olhos. Parecia que ele iria
ter um ataque súbito, então, em meio a aglomeração formada, apareceu um homem
dizendo ter chamado a ambulância, não poderiam mexer na vítima. Era um
enfermeiro que estava de folga e permaneceu ao lado da mulher.
Outra mulher, com um bebê no
colo, ofereceu uma fralda para estancar o sangue do ferimento que havia na
cabeça da mulher. Com cuidado, o enfermeiro ergueu a cabeça para ver onde
estava o ferimento e, involuntariamente deu um suspiro. Seu rosto demonstrava
preocupação; o ferimento fora profundo. Ela batera com a cabeça em uma pedra
pontiaguda e o sangramento era intenso. A
vítima estava desacordada, não respondia aos chamados, mas tinha pulso e
respiração fraca.
Com a sirene ligada a
ambulância surgiu e todos se afastaram para que a vítima fosse socorrida. Ede,
o marido, estava desfigurado, seus olhos vermelhos de tanto chorar, mas não
poderia abandonar sua esposa e subiu na ambulância com o coração partido.
A ambulância arrancou com a
sirene ligada, era uma emergência. Todos se calaram, havia uma tristeza no ar.
A tarde estava arruinada e as pessoas começaram a se dispersar; logo começaria
a chover. Os relâmpagos começaram a riscar o céu e os estrondos dos trovões a espantar os
cães.
No dia seguinte, algumas notícias de boca a
boca surgiram nas redondezas, davam conta de que a mulher sofrera uma
intervenção cirúrgica no cérebro, para estancar a hemorragia provocada pelo
ferimento. Outros queriam ir à prefeitura pedir a carrocinha para tirar os cães
das ruas; já que eram um perigo em potencial. E, um deles fora o causador do
acidente.
Alguns meses se passaram e
ninguém mais se lembrava do ocorrido. No entanto, o tempo trouxera a primavera
de volta e para alegria dos frequentadores do parque, a mulher apareceu com o
marido Ede. Mas, agora ele empurrava a cadeira de rodas onde ela estava
sentada. Ela sobreviveu, mas a lesão no cérebro fora importante e limitava seus
movimentos
Havia um sorriso no rosto de
Ede, que empurrava seu amor com todo o carinho. Ele sentou-se em um banco em frente
a fonte luminosa, no mesmo lugar do acidente e pegando nas mãos da mulher a
beijou calorosamente; o amor continuava o mesmo.
Então, passou uma carrocinha
vendendo sorvetes e ele passou a dividir um sorvete com a sua amada. A cada
lambida uma nova promessa de amor; eles se bastavam. Ah! O amor, o sentimento
que nos faz humanos.
Um texto de Eva Ibrahim