POR MAL TRAÇADAS LINHAS...
Capítulo 11
O Antonio do escritório, o viúvo de Verônica, queria ficar com a moça em
troca de seus carinhos; era homem e sentia seu sangue ferver quanto o corpo de
Flora roçava no seu. Porém, o Antonio solitário, o pai de Bernardo, queria sua
privacidade de volta. Todos os dias ele se perguntava como poderia se
desvencilhar da situação em que estava metido. O homem vivia uma contradição,
no momento em que tinha Flora em seus braços sentia-se satisfeito, logo depois,
crescia em seu íntimo uma revolta e ele desejava que ela desaparecesse dali;
queria ficar só. Era uma luta interior que Antonio não deixava transparecer. A
moça, entretanto, sentia-se a nova dona da casa.
Vinícius caiu da bicicleta e
fraturou o braço, deixando o homem apreensivo; ele temia a volta da maldição da
pedra amarela. Antonio tinha pesadelos com Verônica que o acusava de traição e
com Vinicius, que ele temia ser a próxima vítima da pedra amarela; teria que
afastá-los dali. Gostava da criança e não queria que sofresse qualquer dano.
A vida corria aparentemente normal, a
moça era cuidadosa e companheira. Flora já se acostumara com a nova casa, foi
ganhando confiança e queria muito mais do que o homem poderia esperar.
Certo dia, a moça pediu para Antonio abrir o guarda roupas, que ela iria
doar as coisas de Verônica para um asilo, assim teria mais espaço no armário
para arrumar suas coisas. O homem gaguejou e quase se afogou com a saliva de
tão irado que ficou. Em seguida esbravejou:
–Ali, ninguém mexe e ponto final.
A relação do casal esfriou depois da postura intransigente de Antonio.
Ele estava visivelmente insatisfeito com aquela situação; Flora mexia em tudo e
ele temia por seu segredo; aprendera a viver sozinho. A moça teria que seguir
sua vida e deixa-lo em paz; ela e o filho estavam ali por acaso, não por sua
escolha, pensava, revoltado.
Flora lhe dissera que tinha irmãos no
interior do Rio de Janeiro e ele pensava em leva-la para lá e mudar de casa
para ela nunca mais encontra-lo. Sua aposentadoria estava para sair e ele
deixaria tudo preparado para se livrar dela e do menino.
Demorou mais três meses, que para ele parecia uma eternidade, mas a
notícia de sua aposentadoria saiu e ele pulou de alegria; tinha planos para
ele, o Bernardo e o Lobo. Tivera bons momentos com Flora, mas o medo de ser
descoberto em seu segredo estragara o prazer de uma vida a dois. Antonio sabia
que a mulher era curiosa e algum dia abriria a porta do guarda roupas; era um
risco iminente.
Com muito jeito, ele convenceu a moça a fazer uma visita aos seus
parentes. A cunhada de Flora dera a luz recentemente e estava com problemas de
saúde; depressão pós-parto diagnosticara o médico.
Júlio, o irmão de Flora, telefonara
pedindo a ajuda da irmã; sua mulher estava doida, dissera o rapaz. Lorena
estava sentada na poltrona com a filha recém-nascida no colo, no quarto da
maternidade e Júlio, seu marido, em pé olhando o bebê. A enfermeira entrou e
perguntou à moça se não iria amamentar a filha e a resposta foi muito estranha.
- Trás a criança que eu
amamento, disse Lorena. A enfermeira, surpresa, afirmou que a criança estava em
seus braços e a resposta foi chocante:
- Essa aqui é só uma foto, trás a
criança. O marido, espantado, pediu para segurar a foto e tirou a filha dali,
sua esposa não estava bem.
O médico foi chamado e constatou um
surto psicótico. Em seguida, Lorena recebeu um sedativo e foi levada dali.
Júlio não sabia o que fazer e quando o médico disse que Lorena permaneceria
internada e a criança teria alta, o rapaz entrou em desespero.
- O que ele faria com o bebê? Estava sozinho e não poderia cuidar da
criança. Então, pensou em pedir a ajuda de Flora, sua irmã, depois pensaria em
outra solução.
Antonio vislumbrou uma
saída para seu drama, incentivou a moça a pedir férias do serviço e passar
alguns dias na casa do irmão, até sua cunhada melhorar. Flora não pode recusar
e acertou sua permanência na casa do irmão.
O homem tratou de levar,
rapidamente, a mulher e a criança para a casa do irmão dela e foi ver uma casa de
aluguel em Petrópolis. Pretendia por em prática o plano que criara para se
livrar de Flora e seu filho.
O plano era perfeito, nem
sua irmã Nalva poderia saber onde ele estava; queria privacidade total. Sentiu
pena da irmã, gostava dela, porém, cortaria relações com o mundo todo para ter
privacidade.
A casa ficava no alto da
montanha, era isolada das outras, tinha um quintal grande e no fundo um resto
da floresta que um dia existira ali. A vista era ótima, ficava pertinho do céu
e bem na periferia da cidade, era tudo o que ele almejara. Antonio precisava de
apenas uma semana para por em prática seu plano.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima
semana.