UM AMIGO PARA ANTONIO
CAPÍTULO
6
Fazia três meses que ele sepultara a esposa e a solidão estava pesada
demais, temia ficar louco. Odiava os finais de semana, pois, sozinho em casa ele
ficava pior. Era começo da tarde de sábado e Antonio não sabia o que fazer com
sua folga; comia salgadinhos, tomava uma cerveja e sentava no banco da praça
para observar as pessoas passando. Imaginava as piores situações para cada uma
delas.
- Estava parecendo uma ave de mau agouro, pensou Antonio, tristonho.
Sentiu seu corpo arrepiando, quando
passou um homem correndo e alguém ao seu lado observou:
- Lá vai o Bernardo, está sempre com pressa! Parece que nasceu de sete
meses, não para nem para um dedo de prosa. Qualquer dia vai ter um mal súbito e
nem viu a vida passar. Todas as pessoas precisam conversar e fazer amigos senão
ficam piradas. Existe um limite entre a sanidade e a loucura e se ultrapassar
nunca mais voltará ao normal- Antonio balançou a cabeça concordando e pensou:
- Vou arrumar um amigo que possa ouvir minhas queixas.
– É isso mesmo, vou fazer de “Bernardo” meu
amigo e confidente; nunca mais ficarei só.
Nesse momento surgiu uma ideia em sua
cabeça transtornada; era uma luz dentro de tanta escuridão.
Levantou-se rapidamente,
precisava encontrar uma loja de artesanatos nordestinos; daria “vida” a um novo
amigo. Seria seu companheiro para todas as horas. Depois de muito caminhar,
Antonio deparou com uma grande feira; ali havia todo tipo de quinquilharias e
alimentos. O homem apalpou a algibeira para certificar-se que o dinheiro estava
lá e adentrou em meio à multidão. No meio das pessoas empurrando pra cá e
empurrando pra lá, Antonio viu uma barraca de artesanato e parou para assuntar.
O nordestino tinha muitas coisas bonitas, mas nada que satisfizesse o
homem; tinha que ser um boneco especial como os que desfilam no carnaval de
Olinda. Ele era de Olinda e conhecia bem as festas de rua e seus blocos
carnavalescos. Antonio queria um boneco de tamanho natural. Iria vestir roupas
no novo amigo e fazer dele uma pessoa para conversar e ser seu companheiro,
explicou ao feirante.
Severino estava acostumado com gente de tipos
diferentes.
-Porém, este parecia estranho, talvez tivesse algum problema mental.
Pensou o velho nordestino.
Mostrou tudo o que tinha ali e nada
agradou ao freguês, por isso Severino resolveu mandá-lo para uma velha
conhecida que confeccionava bonecas. “Raimunda das bonecas” era Alagoana e
tinha um pequeno ateliê num fundo de quintal, onde ganhava a vida. Antonio foi
ao endereço indicado e gostou do trabalho da mulher encomendando um boneco do
tamanho e jeito que ele imaginava. Tinha um plano para suprir a falta da mulher
e começaria dando os pertences dela para um asilo. Abriu a casa e limpou tudo;
lavou as roupas e o quintal; estava animado e feliz.
Mais tarde saiu e procurou o Canil da
Prefeitura para escolher um cão, queria que ele fizesse companhia a Bernardo.
Iria buscar o boneco na sexta-feira e faria tudo para que ele ficasse feliz em
sua nova casa. O canil estava lotado de cães e parecia que todos queriam ser
adotados, faziam festa para Antonio abanando os rabos.
O homem ficou confuso e demorou a se
decidir; o que mais lhe agradou foi um cão que parecia um lobo. Um cachorro de médio
porte, mestiço de vira-latas, com pelos longos e cor de mel. O cachorro era
esperto, manso e quando o viu se aproximar, abanou o rabo desesperadamente.
O homem saiu com o cão na coleira e o
conduziu á sua casa. Tinha uma ideia, a comida que o Bernardo não comesse seria
do “Lobo”, o cão que fora adotado para ser companheiro do boneco. Só assim ele
poderia sair para o trabalho, não desperdiçava comida e teria companhia para as
refeições.
Foi uma semana de muitas compras:
roupas para o amigo, comida, uma casa para o “Lobo” e ração para cães. Ligou
para a Raimunda, queria saber se o amigo estava pronto e saiu para buscá-lo.
Como ele estava sem automóvel, no
caminho comprou uma mala grande que coubesse o boneco dentro, era o jeito que
encontrara para que ninguém o visse. Era seu segredo e ele o guardaria a sete
chaves, se fosse preciso. Raimunda nada questionou, entregou a encomenda e
recebeu o dinheiro.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.