SEM DEFESA.
O relógio despertou e eu me
levantei para ir ao banheiro, estava com uma estranha fisgada na perna direita.
A dor na barriga começou logo a seguir e tive que me deitar novamente. Depois
de uma hora estava desesperada sentindo náuseas, vômitos e pedindo para ser
conduzida ao Pronto Socorro, precisava de ajuda.
Cheguei ao Hospital com muita dor
em flanco direito, parecia que estava com um estilete fincado no baixo ventre,
mal podia mexer a perna. Muito nervosa temia morrer; não conseguia imaginar o
que seria aquilo. Uma angustia parecia me sufocar, agravando o quadro. O
desconhecido assusta e o medo contribui para desestabilizar qualquer ser
humano; eu já estava aterrorizada. A entrada do prédio representava a “Caverna
do Diabo” onde eu seria imolada viva. Imaginava muitos cortes jorrando sangue,
era assustador.
Meu marido se posicionava como
pano de fundo, nada dizia, apenas observava. Estava visivelmente atônito pela
situação estabelecida. Nunca foi esperto e agora estava mais do que nunca
abobalhado. Sua postura era tímida e deixava claro, que não contassem com ele,
pois, tinha medo de ver sangue. Estava pálido e trêmulo, me deixando mais
nervosa.
O veículo parou na emergência e
um rapaz de avental branco veio com uma cadeira de rodas para me levar para dentro.
Pensei em recusar, mas, a dor era muito grande o que me levou a sentar na
cadeira. Fui rapidamente conduzida para uma sala ampla, onde fui colocada na
maca. Na sala havia muitos aparatos hospitalares, era uma sala de emergência.
Em seguida vieram duas enfermeiras e começaram a trocar minhas roupas por um
avental de cor verde. Fiquei deitada, totalmente vulnerável, aguardando a
chegada do médico de plantão.
Um médico jovem, sério e
compenetrado começou as perguntas de praxe:
- “Onde dói? – Como é a dor? – Há quanto tempo essa dor começou”?
Apertou a barriga, verificou os
sinais vitais e depois pedindo licença saiu da sala sem nenhuma conclusão.
Fitando o teto, onde um
ventilador velho e sujo girava devagar, fiquei imaginando que minha hora da
passagem havia chegado. Não suportava mais aquela dor, queria um remédio forte
para dormir e não ver mais nada, mas, pelo jeito teria que esperar.
Vinte longos minutos, contados no
relógio da parede, se passaram e a porta foi aberta. Com o médico vieram mais
dois; estes eram mais velhos e conversavam entre si. Eu estava me sentindo um
rato de laboratório, pronta para as pesquisas. Enquanto trocavam ideias, me
examinavam. Flexionaram minhas pernas, apertaram meu abdômen e um deles disse
que parecia ser uma apendicite aguda e deveria ser operada rapidamente.
Que horror!
Eles falavam de mim e eu não
conseguia dizer nada, tamanho era o medo que sentia.
Fiquei imaginando minhas vísceras
de fora, tive vontade de chorar, mas as lágrimas não saiam; meus olhos estavam
secos. Os médicos deixaram a sala e fiquei sozinha por um instante, em seguida
entraram duas enfermeiras. Eram mulheres de meia idade e pareciam eficientes e
amáveis. Elas falavam em tom suave tentando me acalmar. Uma puncionava minha
veia para colher sangue, a outra me instruía sobre pertences, enfermaria e
acompanhantes. Era uma enxurrada de informações.
Devo ter tomado alguma medicação,
pois, a dor foi diminuindo e uma sensação de torpor tomou conta de mim. Passei
a cochilar enquanto me preparavam para a cirurgia; percebia as pessoas andando
e falando, mas não participava, estava longe, só ouvia. Parecia flutuar no ar.
Confesso que queria ficar assim por muito tempo.
De repente duas pessoas pegaram a
maca e saíram empurrando, voava através de corredores sem fim. Fiquei encolhida
para me proteger; a sensação era horrível, temia que a maca batesse nos
batentes das portas. Finalmente chegamos á uma sala com um enorme foco no meio,
ali estava o centro cirúrgico, medonho e assustador.
Passei para a mesa e veio uma avalanche
de informações sobre medicamentos. Colocaram uma porção de panos verdes sobre
mim e comecei a ficar mole, fechei os olhos e fui sumindo devagar.
Será que veria a tão famosa luz
que todos veem nas experiências de quase morte? A última coisa de que lembro é
um médico perguntando alguma coisa que não consegui responder. Fiquei á mercê
deles.
Acordei assustada, não sabia onde
estava ou as horas; estava com frio e sentindo uma grande dor na barriga.
Tentei levar a mão até a dor, mas, não consegui, era pesada demais e as pernas
não obedeciam; era o fim. Duas lágrimas correram dos meus olhos, queria viver,
amar, dançar, passear e estava ali prostrada, sem defesa.
Alguns minutos depois apareceu
uma enfermeira dizendo que estava tudo bem e que a cirurgia fora um sucesso.
Olhei para cima e li “Sala de Recuperação”.
Ufa! Ainda bem!
Estava viva, por um momento
pensei haver morrido e não vi luz alguma. Nem tudo estava perdido; meu encontro
com São Pedro teria que esperar, ainda era cedo para partir definitivamente.
Sonolenta, cochilei novamente.
Acordei quando pegaram a maca para me levar até o quarto na enfermaria.
Rapidamente fui conduzida por
aqueles corredores enormes, balançavam e a dor na barriga aumentava. A sensação
era a pior possível, estava fraca e queria estar em minha casa. Fui colocada na
cama da enfermaria e coberta até o pescoço. Com soro no braço e um corte na
barriga, procurei ficar imóvel, com os olhos fechados. Comecei a rezar, nada
poderia fazer além disto.
Alguém me chamou; abri os olhos e
vi meus filhos, estavam aflitos, queriam saber como eu estava. Com a presença
deles uma nova esperança surgiu em meu coração. Queria viver para ver a família
crescer unida e feliz; certamente a minha presença seria importante.
Depois de três dias recebi alta hospitalar, poderia me
recuperar no aconchego do meu lar. Estava bem, a dor já não incomodava tanto,
mais alguns dias e ficaria em forma novamente. Meus familiares me paparicaram
bastante e em um mês já estava curada. As dores se foram, mas, ficou a cicatriz
com a certeza de minha fragilidade.
Esse episódio me fez refletir
bastante e valorizar mais á saúde. Hoje tenho certeza que a vida é tênue,
vivemos em uma corda bamba e a qualquer momento podemos cair.
Agora, falando sério!
Andar de maca? Nunca mais.
Ficamos soltos e temos a impressão que vamos ser arremessados ao chão á
qualquer momento. É o pior meio de transporte que já experimentei.
Maca só se estiver mal, muito mal
mesmo, que Deus me livre e guarde.
Um texto de Eva Ibrahim.
Um texto de Eva Ibrahim.