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quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

"A RESPOSTA CALMA DESVIA A FÚRIA, MAS A PALAVRA RÍSPIDA DESPERTA A IRA".PROVÉRBIOS 15:1



                    CHAMUSCADO

CAPÍTULO DEZ
          O menino parecia hipnotizado, ficou algum tempo alisando o selim, o guidão e os para-lamas da bicicleta; seus olhos brilhavam de satisfação. A Magrela era azul brilhante, estava seminova e tinha até porta-malas; era um luxo para os padrões da época.

         Benjamim fez vários movimentos para poder sentar-se, ao menos um pouco, no selim da bicicleta. Mas, o quadro do modelo masculino era alto, sua perna não alcançava e o gesso era pesado para levantar.

            Frustrado, o menino sentou-se em cima dos sacos de milho, que estavam no canto para serem debulhados e dados aos animais e onde colocara a lamparina para iluminar a bicicleta. Os milhos ainda estavam com suas palhas secas e ao tentar pegar na roda da Magrela para fazer girar, a lamparina caiu em cima dos sacos. Iniciando, então, um pequeno incêndio no local.

             Benjamim tentou tirar a bicicleta dali, foi seu primeiro impulso, precisava salvá-la a qualquer custo. Não poderiam perder tamanha joia, recém adquirida pelas mãos generosas do tio.

                O fogo crescia rapidamente e ele tentou sair daquele local, mas, as muletas atrapalharam e Benjamim acabou caindo no degrau do rancho. O barulho acordou o Foguete e o Rojão, os dois cães da família, que latiam freneticamente. O menino começou a chorar tentando puxar a Magrela pela roda. Mas, o pneu estava soltando fumaça e queimou suas mãos.

                Dirceu acordou assustado e levantou-se rapidamente. Havia histórias de roubos noturnos na região:

               - Será que são os ladrões? Pegou a espingarda e saiu de cuecas para ver o que estava acontecendo ali.

                Teresa saiu atrás do marido, Rui e Marília também acordaram e seguiram os pais. Da porta da cozinha dava para ver o fogaréu e todos correram para tentar apagar o fogo com sacos para abafar.  Não havia água ali perto, teriam que tirar do poço ou buscar no rio, que ficava a duzentos metros da casa.

           - Meu Deus, exclamou a mãe, é o Benjamim. E, correu para socorrer o filho.
                - Me desculpe, eu só queria ver a bicicleta. Choramingou o menino dando um grito de dor quando sua mãe pegou em suas mãos, retirando-as rapidamente.
           Olhando assustada, Teresa viu que as mãos do menino estavam pretas com fuligem.

               – Você queimou as mãos? Perguntou a mãe.

            - Queimei ao pegar no pneu, quando tentei tirar a Magrela dali. Gemeu o menino.

             Enquanto o pai e os irmãos tentavam sufocar o incêndio, a mãe amparava Benjamim para tirá-lo dali o mais rápido possível. Mãe e filho abraçados se arrastaram até a cozinha, onde o menino sentou-se em uma cadeira. Teresa pegou um copo com água e deu para o menino sorver; ele precisava se acalmar. O susto foi grande e poderia ter acabado em tragédia.

                A mãe sentou-se ao lado do filho e olhando para suas mãos ficou apreensiva. Já apareciam algumas bolhas nas palmas, dorso das mãos e até antebraços.

           – Como isso pode acontecer Benjamim? Você poderia ter morrido, meu filho. Choramingou a mulher.
               – Eu só queria ver a Magrela de perto e queimei as mãos tentando puxá-la para fora do fogo. Está doendo muito.
                 - Mãe passa um remédio! Gemeu o menino.

                Nisso Dirceu entrou dizendo que os pneus da Magrela estavam estragados, ficaram retorcidos pelo calor do fogo. Rui e Marília entraram carrancudos com Benjamim, que estragara a bicicleta. Quando poderiam consertar? Só Deus poderia dizer.

                Teresa esperaria amanhecer para chamar a Bibiana. Pediria a ela para fazer um curativo nas mãos do filho. Enquanto isso, colocara as mãos do menino dentro de uma bacia com água, para retirar a fuligem preta que estava grudada em suas mãos.

                O pai e os dois filhos voltaram ao rancho para fazer o rescaldo e ver se o fogo se extinguira totalmente. Teresa não tinha nada em casa que pudesse aliviar a dor das queimaduras, estava desesperada com a situação. Então, Marília que entrara na cozinha para pegar a vassoura e, a tudo assistia boquiaberta, perguntou?

            – Por que a senhora não dá para ele um remédio daqueles que estão na caixa do hospital? A menina aproximou-se para ver o estrago de perto, estava com raiva do irmão.

             Teresa ficou espantada e disse:

               - É verdade! Não pensei nisso, vou pegar um daqueles que servem para aliviar a dor. Levantando-se foi ao quarto do menino.

               Em seguida, Teresa voltou com um analgésico e colocou na boca do filho, oferecendo-lhe água para beber. Depois enrolou panos molhados nas duas mãos do menino, para mantê-las frescas e esperar o novo dia. A noite estava perdida, nada poderia remediar a aflição de ver o seu menino acidentado em meio ao fogaréu.

            A escuridão da noite ainda imperava por aquelas bandas. O relógio marcava três horas da madrugada. Benjamim gemia alto e sua mãe o levou para a cama, queria que dormisse um pouco, antes do pai retornar.

            Dirceu demorou a voltar para dentro da casa, estava arrumando o rancho e o que restara dos sacos de milho. Em um momento de raiva, pendurou a bicicleta na vigota que sustentava o telhado, estava irremediavelmente avariada e confiscada.

            Rui e Marília queriam matar o Benjamim, nunca mais falariam com ele; estavam de relações cortadas. Estragara o presente de Natal, que o tio trouxera.

             Quando o marido entrou, Teresa fingiu que estava dormindo, temia que ele iniciasse uma discussão por causa da bicicleta. Esperaria que se acalmasse para conversar, possivelmente quando o dia clareasse. Sabia da tempestade que se aproximava e começou a rezar baixinho.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa


quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

"DEEM E SERÁ DADO A VOCÊS: UMA BOA MEDIDA, CALCADA, SACUDIDA E TRANSBORDANTE SERÁ DADA A VOCÊS. POIS, A MEDIDA QUE USAREM, TAMBÉM SERÁ USADA PARA MEDIR VOCÊS". LUCAS 6:38

A MAGRELA

CAPÍTULO NOVE
             Benjamim foi para o quarto que dividia com seu irmão Rui. Um quarto com piso de tijolos e sem forro, tinha duas camas de ferro antigas, com colchões de palhas de milho secas colocados sobre as mesmas. Travesseiros feitos com penas de galinhas, abatidas no quintal para comer.

             Uma casa grande e arejada, não tinha forro em nenhum cômodo, nem vidraças, apenas janelas de madeira com tramelas e portas com trancas. No calor era uma beleza, a brisa quente inundava o ambiente, deixando seus moradores relaxados.

            Entretanto, no inverno se igualava a uma geladeira, onde somente do fogão a lenha emanava um pouco de calor no ambiente. Os bichanos se encolhiam perto dos braseiros em cima do fogão e os cães deitavam no chão ao lado do mesmo.

           Tudo muito simples, afinal era um sítio de agricultura familiar de subsistência. Ali havia uma criação de galinhas, porcos, vacas leiteiras e animais para uso próprios, era a década de sessenta.

              O paciente deveria fazer repouso e ficar dentro da casa, para não contaminar a lesão e não correr risco de cair e complicar a sua situação. A perna fora engessada para ficar imóvel, com uma abertura para o curativo. O gesso era muito pesado e o menino evitava levantar-se.

             O terreno, no pequeno sítio, era totalmente irregular, altos e baixos, pedras, pedregulhos, pedaços de tijolos, morros, buracos e moitas de capins em meio a terra de chão batido em toda a extensão ao redor da casa. Era impossível andar de muletas sem correr riscos. Apesar de todas as restrições, o menino estava alegre e feliz por estar de volta à sua casa.

             A mãe fazia todas as suas vontades e os irmãos também, isso porque ele estava se recuperando de um grave acidente. Teresa arrumou todos os apetrechos do curativo, para uma vizinha cuidar do ferimento da perna fraturada.

             Bibiana era tida como uma boa curandeira da região, além de benzer crianças e adultos, ela fazia partos e todos os tipos de curativos rudimentares, que havia por ali. Assim, Benjamim parecia conformado em ficar dentro da casa.

            Às vezes, jogava dominó ou damas com Rui ou Marília. E, para sua distração, quando estava só, ele tinha uma vitrola e alguns discos de vinil. Tinha também, um rádio antigo de bateria para ouvir, ou passava o tempo lendo os livros que trouxera consigo do hospital.

              Alguns dias se passaram e Benjamim saíra de casa somente uma vez, de carroça com seu pai para ir até a vila. Dirceu queria alegrar o filho, que andava tristonho. No entanto, quando voltou, Benjamim sentia-se muito mal, pois os sacolejos na estrada irregular de terras, provocara dores em sua perna fraturada. Sendo assim, o menino ficaria dentro da casa até seu retorno ao hospital, decidiu seu pai.

            E, na véspera do Natal a família recebeu uma visita.  Antonio, irmão de Teresa, apareceu inesperadamente. Ele morava em outro estado e raramente via a família da irmã. Na verdade, nem ficara sabendo do acidente do afilhado; o tio era padrinho de Benjamim.

             Antonio possuía um caminhão pequeno, que transportava materiais de construção para uma Olaria da região. Estivera na cidade vizinha para fazer uma entrega e aproveitara para passar na casa de Teresa. O filho de Antonio já estava moço, então, ele trouxera a bicicleta que era do rapaz e estava num canto sem utilidade, para doar aos filhos da irmã.

Para os sobrinhos, a bicicleta era um sonho, eles nunca esperavam ganhar uma, pois não tinham condições financeiras para isso. Os olhos de Benjamim se encheram de lágrimas, ele não poderia desfrutar do presente.

Rui e Marília correram para o terreiro de café com a Magrela. Esse era o nome da bicicleta, dissera Antonio. Aquele era um lugar amplo e calçado de tijolos, para experimentar a bicicleta.

 Benjamim ficou olhando pela janela da cozinha. Viu as quedas e as risadas dos irmãos e sua tristeza aumentou. Rui tinha mais equilíbrio, enquanto Marília caia toda vez que tentava se equilibrar.

O menino voltou para o quarto e não jantou naquela noite, estava sentindo-se aniquilado. Não poderia ficar parado olhando seus irmãos andarem de bicicleta. Ainda não tinha ido ver o seu cavalo Corisco, sabia que ficaria chorando o resto do dia. Estava triste e precisava mudar a situação, também era dono da Magrela.

Depois que todos adormeceram, ele pegou suas muletas e foi até o rancho para ver a bicicleta, levando em suas mãos uma lamparina de carbureto. Lentamente ele ganhava terreno; por duas vezes quase caiu, mas seguiu em frente. Finalmente estava junto dela, era sua também e não abriria mão disso.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

"O AMOR É PACIENTE, O AMOR É BONDOSO, NÃO INVEJA, NÃO SE VANGLORIA, NÃO SE ORGULHA. NÃO MALTRATA, NÃO PROCURA SEUS INTERESSES, NÃO SE IRA FACILMENTE, NÃO GUARDA RANCOR. O AMOR NÃO SE ALEGRA COM A INJUSTIÇA, MAS SE ALEGRA COM A VERDADE. TUDO SOFRE, TUDO CRÊ, TUDO ESPERA, TUDO SUPORTA". CORÍNTIOS 13:4-7

DE VOLTA PARA CASA

CAPÍTULO OITO
            O domingo chegou rapidamente e a família pegou a jardineira para retornar ao lar. Os irmãos de Benjamim adoraram o passeio, na verdade, foi a primeira viagem de jardineira que fizeram na vida.

           Sábado à noite, os pais e os dois filhos caminharam pelo centro da cidade e ficaram extasiados com os prédios, as luzes, o movimento de pessoas e veículos. Não se cansavam em admirar as luzes, que piscavam em anúncios coloridos em toda a extensão das avenidas.

            Para eles, que moravam na roça, tudo era novidade, a cidade, a igreja matriz, o cinema, as escolas, os jardins, os parques, tudo muito grandioso. Dirceu fez questão de mostrar um pouco da cidade grande para os filhos; não sabia quando teria nova oportunidade.

           Mas, o que mais chamou a atenção dos adolescentes, foram as lambretas, muito em moda na época. Rui e Marília ficaram extasiados ao vê-las passar correndo por eles.

            Entretanto, no semblante da mãe havia uma ruga de preocupação, que teimava em vincar na carne. O pai também trazia no coração uma dúvida crescente.

             – Será que o Benjamim, ao voltar para casa, vai sentir a diferença gritante, que há entre a vida simples da roça e os luxos que o tal médico lhe proporcionou? Até que ponto ele fora contaminado com as novidades? Colocou o pai, apreensivo.

        Na verdade, os dois perceberam que havia no ar uma sensação de perda do filho, para alguma coisa nova e que tinha pouca explicação. Muitas perguntas pairavam no ar, que martelavam na cabeça do casal. Então, Teresa soltou a pergunta, que a estava sufocando:

            - Por que um homem tão poderoso se interessara por um menino pobre da roça? Qual será sua real intenção? Estou preocupada homem!

           - Sim, você tem razão, na próxima visita vou conversar com o doutor Catena.

           Depois, Dirceu se fechou, aquela história o deixava nervoso, não sabia direito como agir sem prejudicar o filho. Nunca estivera em uma situação tão difícil, não sabia se era boa ou ruim a afeição do médico para com o Benjamim.

Mais dez dias se passaram e logo após o almoço, uma ambulância adentrou a porteira do sítio. Nela estavam um enfermeiro, o motorista e o paciente Benjamim.

 O veículo trazia o menino de volta para casa; fora liberado para passar o Natal com a família.  Trazia consigo uma mochila com todos os presentes que ganhara no hospital e uma pasta cheia de recomendações médicas a serem seguidas. Tinha, inclusive medicamentos para tomar durante sua permanência ali.

Teresa ficou feliz ao receber o filho de volta, seu Natal estava salvo. Quando Dirceu chegou, também ficou entusiasmado com a volta do menino. Faltava apenas uma semana para o Natal e todos ficaram felizes com a família reunida.

Benjamim contou que o Dr. Olavo Catena fora viajar e dissera, que achava justo ele passar as festas com sua família. Trazia consigo uma carta orientando a sua reinternação no início de janeiro.

O paciente tinha várias restrições, sua perna estava imobilizada com gesso, mas no local da fratura havia uma abertura onde deveriam trocar o curativo. A fratura estava se consolidando, mas havia sinais de infecção. Por isso, todas as recomendações e os antibióticos para serem tomados em horários pré-determinados.

A mulher franziu a testa, nada sabia sobre cuidados de enfermagem, remédios e curativos. Na roça os cuidados se resumiam a água, sabão, mercúrio-cromo ou merthiolate. Teresa sentia medo em mexer na perna de Benjamim, precisava de ajuda urgentemente.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

"PORQUE, ONDE ESTIVER O VOSSO TESOURO, ALÍ ESTARÁ TAMBÉM O VOSSO CORAÇÃO". LUCAS 12:34

BICHO DO MATO

CAPÍTULO SETE
             Os dias passavam rápido, era tempo de colheita de café na região e todos se empenhavam trabalhando na vizinhança, para arrecadar algum dinheiro extra. Era a oportunidade de fazer alguma melhoria em suas casas ou comprar alguma coisa necessária para o bem da família: roupas, calçados, material escolar e outros.

             Havia pouco dinheiro circulando e em sua maioria, os pequenos agricultores faziam trocas de mantimentos no armazém da região ou entre eles mesmos. Ali, todos faziam de tudo, apanhavam laranjas, café, algodão e na safra cortavam canas para a usina de açúcar.

 Fazia um mês que Benjamim estava internado na cidade grande e Teresa já não aguentava mais de saudades do filho. Ela vivia chorando pelos cantos, mas não queria aborrecer o marido, que trabalhava até tarde. Assim, ela evitava falar em problemas, principalmente no acidente do filho, que deixava o pai mais nervoso. Ele também tinha saudades do menino, mas era durão e disfarçava bem.

 Dirceu chegava em casa muito cansado, sempre acompanhado de Rui, seu filho mais velho. Entrava sisudo, mal olhava para a mulher, tomava banho, jantava e caia na cama, praticamente morto de canseira. A mulher não tocava no assunto, curtia sozinha seus medos e incertezas. Teresa sabia que Dirceu iria esbravejar e ela não queria irritar o marido, gerando mais problemas em sua vida.

 Quando fez quarenta dias e o seu marido chegou mais cedo em casa, ela se encheu de coragem e falou das saudades que sentia do filho. Dirceu estava de bom humor e disse que também precisava ver o menino, mas, antes de marcar viagem, iria até a vila para telefonar e ter notícias de Benjamim. No dia seguinte, o casal saiu bem cedo em direção à vila de Toledo. Precisavam obter notícias do filho.

 – O menino está bem, mas não temos previsão de alta para ele, foi o que afirmou o enfermeiro, que atendeu o pai ansioso.

            - Está bem, por favor avisa o Benjamim, que estamos mandando uma carta pelo correio, obrigada. Respondeu Dirceu.

          Teresa havia escrito uma carta para o filho e pediu para o marido passar no correio e enviar a missiva de carinho para o Benjamim. Ele precisava saber que não fora abandonado no hospital.

            Voltaram para casa com o coração aliviado, precisavam visitar o filho novamente. Seguiram sentados na carroça, no entanto, permaneceram calados, cada um vivenciando os próprios sentimentos. Eram boas pessoas vivendo um drama inesperado.

            Mais dez dias se passaram e a colheita de café acabou. Deu muito trabalho, mas rendeu um dinheiro extra para Dirceu. O homem só tinha um pensamento, telefonar para a rodoviária para assuntar sobre a partida do ônibus. Desta vez iriam os quatro, pai, mãe e os dois irmãos, queriam fazer uma surpresa para Benjamim.

            Saíram na sexta-feira de madrugada e seguiram com a carroça do vizinho até a rodoviária. E, dali para a cidade grande. Rui e Marília não se cansavam de admirar tudo o que viam em sua volta
. 
           – São dois caipiras do mato, dizia o pai em tom de brincadeira. A viagem foi alegre, iriam rever o companheiro de traquinagens.

            Chegando à cidade foram se instalar na pensão e logo após o almoço seguiram para o hospital. Quando adentraram ao quarto, o menino estava sentado na poltrona com a perna esticada sobre uma banqueta. A mãe foi logo abraçando o filho, que parecia muito diferente. Um menino asseado, cabelos cortados, cheirando a perfume e com maneiras elaboradas.

Os irmãos ficaram inibidos diante da aparência de Benjamim, que estava muito diferente do mano, que eles conheciam. Na verdade, todos ficaram sem reação, ali estava um menino fino, parecia filhinho de papai. Vestia pijama azul com detalhes de cetim, sorridente, polido e penteado. E, ao lado da poltrona um par de chinelos novos, aguardando o dono. A família ficou parada observando o paciente.

Benjamim em nada se parecia com aquele menino que andava montado no lombo do Corisco. Descalço, correndo pelos campos sem camisa e com os cabelos desgrenhados.

 – O Benjamim mais parece um “bicho do mato”, dizia seu pai carinhosamente, quando ele chegava suado no lombo do animal.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

"OBSERVEM COMO CRESCEM OS LÍRIOS, ELES NÃO TRABALHAM NEM TECEM. CONTUDO, EU DIGO A VOCÊS, QUE NEM SALOMÃO, EM TODO O SEU ESPLENDOR, VESTIU-SE COMO UM DELES". LUCAS 12:27

CORAÇÃO ALADO

CAPÍTULO SEIS
            A mulher saiu do hospital com o coração revigorado. O seu menino estava bem cuidado, embora ela ficasse muito triste em vê-lo contido em uma cama. Teresa queria ver Benjamim correndo pelos campos, montado em seu cavalo Corisco; ela sonhava com isso. Dirceu também ficou contente e melhorou seu humor em relação a sua mulher. Eles ainda teriam mais um dia para visitar o filho querido.

             Finalmente, o casal teve uma noite de paz e puderam dormir profundamente. No sábado de manhã, saíram à procura de uma igreja para agradecer a Deus o fato do filho estar bem. Depois do almoço voltaram ao hospital. Ficariam ao lado de Benjamim até a hora em que a sineta tocasse, encerrando as visitas no hospital, naquela tarde.

            O menino estava sentado na poltrona com a perna esticada e protegida com talas, para que ficasse imóvel. Parecia alegre e sorriu ao ver seus pais. Benjamim queria saber quando eles voltariam para vê-lo, já que os médicos avisaram que sua internação se daria por um longo tempo.

             Benjamim parecia conformado em ficar ali, estava contente com a hospitalidade do local. Lá havia um médico que o paparicava bastante. Tinha alguns livros em cima de seu criado-mudo, doces e frutas também. Teresa ficou olhando, no fundo estava estranhando.

                - Quem trouxe tudo isso para você?

               Então, o menino explicou para sua mãe, porque aqueles livros estavam ali. Disse que o Dr. Catena queria que ele estudasse para ser um médico também.

            – Como pode ser isso? Não temos recursos para mantê-lo em uma escola de médicos. Disse o pai bastante preocupado.

             Teresa ficou assustada e disse:

             - Esse médico vai roubar o Benjamim de nós, faz alguma coisa homem!

             Em seguida, a porta se abriu e um médico sorridente, alto, com seus cabelos louros revoltos, entrou, depois estendeu a mão para o pai do menino se apresentando.

                 – Meu nome é Olavo Catena e sou o médico responsável por Benjamim. Fiquem tranquilos, que ele irá se recuperar totalmente desse agravo à sua saúde. Vamos ver como ele se comporta no tempo em que ficar conosco, isso será definitivo para o seu futuro. Esse tipo de fratura tem que ser tratada no hospital ou ficará, para sempre, com sequelas.

              – Quanto tempo doutor? Perguntou, timidamente o pai.

       – Não sabemos, pois, a fratura foi bastante grave e teremos que aguardar o osso crescer e fechar o vão deixado. Coçou  a cabeleira e continuou:
             - Enquanto isso vamos incentivar à leitura e acompanha-lo nos deveres escolares. Não permitiremos que perca o ano e fique atrasado, para isso temos professores voluntários, que darão a assistência devida à todas as crianças da ala pediátrica. Em seguida, sorriu para ambos, deu uma tapinha na cabeça do menino e saiu batendo a porta.

             Pai e mãe ficaram mudos, não tiveram argumentos para discordar do médico, que era uma figura única, envolvente e simpático. Aquele homem convenceria qualquer pessoa a fazer o que ele quisesse; era puro carisma.

             Teresa sentiu medo, ele poderia tirar o menino dela, tinha poder para isso. Dirceu também ficou apreensivo, havia naquele homem um magnetismo estranho, uma luz que o diferençava das outras pessoas. E, aquela história do filho estudar medicina os deixava inquietos. Eram pessoas simples, que queriam os filhos para ajudar a família na roça, apenas isso.

             Despediram-se de Benjamim, que ficou com os olhos cheios de lágrimas, para tristeza dos pais que saíram chorando dali. A mãe sabia que deveria retornar à sua casa, lá deixara os seus outros filhos, Rui e Marília, que também precisavam da mãe.

             Teresa, novamente sentada na jardineira, que já não lhe dava medo, estava mais calma e os seus pensamentos se dividiam entre o hospital e sua casa. Na verdade, ela trazia no peito um coração alado, que voava, o tempo todo, de um lugar ao outro

              Ela sempre dizia: - “Os filhos são pedaços de nós e todos têm o mesmo valor”. Com tudo isso, Teresa tornara-se uma mulher sem sossego, com um coração dividido.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

"NÃO FUI EU QUE ORDENEI A VOCÊ? SEJA FORTE E CORAJOSO! NÃO SE APAVORE NEM DESANIME, POIS O SENHOR, O SEU DEUS, ESTARÁ COM VOCÊ, POR ONDE VOCÊ ANDAR". JOSUÉ 1:9

ATÉ AS LÁGRIMAS

CAPÍTULO CINCO
           Depois de um longo tempo, a jardineira estacionou em frente à rodoviária da cidade grande, finalmente, chegaram ao destino. Os passageiros começaram a descer do veículo, entre eles estava o casal de pais ansiosos. No local havia um fluxo grande de gente e muitos veículos transitando por ali, o que deixava Teresa assustada.

          O lugar era estranho para ambos, Dirceu já estivera na cidade, mas viera com a ambulância, então, não sabia se localizar. Puxando a mulher pela mão, foi ao balcão perguntar onde ficava a Santa Casa de Misericórdia. E, lá foi orientado a pegar um carro de aluguel, para chegar até o hospital.

A mulher foi empurrada para subir e sentar no banco de trás do veículo, estava extática diante de tantas novidades. Na verdade, Teresa pouco viu dos caminhos por onde passara, pois estava rezando o terço de olhos fechados. Sua mente estava focada no filho, que fazia tempo que não via. 

 A saudade, que queimava em seu peito, doía como fogo.
- Preciso acalmar esta dor, que trago no meu coração, para conseguir um pouco de sossego. Pensava enquanto as lágrimas desciam pelo seu rosto.

Depois de muitas voltas, que para Teresa parecia uma eternidade, chegaram em frente ao hospital onde estava o menino. A mulher desceu do carro de aluguel e ficou esperando o marido, que acertava a corrida. Em seguida, o casal parou para olhar o prédio daquela casa de saúde; era grande e majestoso.

Marido e mulher, que já eram tímidos por natureza, agora sentiam-se pequenos e envergonhados, diante de tanto progresso. No entanto, precisavam ver o filho e, isso os impulsionava para dentro do prédio. Dirceu viu um guarda na entrada e perguntou como faria para ver o paciente.

            - Não está na hora de visitas, deverão retornar após o almoço. O horário de visitas se inicia as catorze horas e termina as quinze e trinta horas. Disse o guarda friamente.

            - Tudo bem, obrigado. Respondeu Dirceu desapontado.

            Teresa fez cara de choro e o marido tratou de puxá-la para fora, não queria se indispor com o guarda; voltariam mais tarde.

             O casal saiu a procura de um lugar para comer e encontraram uma pensão familiar perto dali. Dirceu tratou de alugar um quarto, pois pernoitariam naquela cidade durante duas noites, uma vez que, a jardineira retornaria para a vila somente no domingo.

             Trataram de almoçar e depois foram descansar no quarto. A hora não passava e Teresa não parava quieta, estava nervosa. Dirceu ficou bravo com ela.
             - Já estamos aqui mulher, então, precisa ter um pouco de paciência. Esbravejou irritado.

             No horário marcado, os dois se apresentaram para visitar Benjamim. Quando abriram as portas e entregaram um papel com o nome e número do quarto do menino, a mãe começou a chorar. O pai cutucou a mulher, e foi logo dizendo:
            - Acalme-se ou não voltaremos mais aqui. A mulher engoliu o choro e seguiu em frente.

Dirceu também estava emocionado, mas se manteria firme ou aquele lugar se tornaria um vale de lágrimas. Seguiram o fluxo de gente até avistar o número que tinham em mãos. As mãos de Teresa tremiam, balançando as coisas que trouxera para o filho, estava nervosa por demais.

             O menino estava deitado na cama pensativo, pois o paciente que estava na cama ao lado, já estava recebendo visitas. Parecia aborrecido por não ter ninguém para vê-lo. Mas, quando viu os pais, sentou-se na cama com um grande sorriso nos lábios. Teresa o abraçou e não conseguiu evitar as lágrimas.

         Foi um choro dolorido e contido de dor e saudade do menino. Demorou para soltar o filho e retornar a fala normal. E, quando olhou para o marido viu que ele também foi até as lágrimas.

         – Touro bravo também chora, pensou vingada pelas grosserias sofridas.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

"PORTANTO, EU DIGO: TUDO O QUE VOCÊS PEDIREM EM ORAÇÃO, CREIAM QUE JÁ O RECEBERAM E ASSIM SUCEDERÁ". MARCOS 11, 24

UM POUCO DE AMOR

CAPÍTULO QUATRO
           A linha telefônica foi conectada ao hospital, enquanto isso Teresa rezava baixinho para que as notícias fossem boas. O seu marido estava dentro da cabine telefônica e ela nada podia ouvir, no entanto, não tirava os olhos de Dirceu.

           Foi com alívio que o pai de Benjamim ouviu a voz do outro lado dizer, que o menino já havia operado. Imediatamente a mãe reconheceu que as notícias eram boas e seu coração se aliviou. A expressão do marido era inconfundível, havia alegria nos olhos de Dirceu.

             No entanto, Benjamim teria que ficar internado até o osso da perna crescer e preencher o vão da fratura. E isso só Deus poderia prever quando aconteceria. Era o enfermeiro dando notícias de Benjamim.

- Eu nada mais posso dizer, porém se o senhor quiser saber mais detalhes, terá que vir aqui e falar com o doutor. Enfatizou o rapaz.

O pai, com um sorriso estampado no rosto, disse que faria o possível para visitar o filho.

 - Por favor, avise o Benjamim que os pais e irmãos dele estão com saudades e o amam muito, obrigada. Concluiu o pai com o coração mais leve. 
Em seguida, deixou a cabine e abraçou sua esposa dizendo que o filho estava bem. Os olhos de Teresa ficaram marejados de lágrimas e ambos choraram de alegria. Em seguida, passaram no armazém e na igreja, para depois voltar para casa.

Dirceu e Teresa se ajoelharam diante da Virgem Maria e agradeceram por Benjamim estar se recuperando. A luta estava apenas começando, pois levaria tempo para que o menino retornasse à casa, isso ficara claro.

Seguiram em frente com alegria no coração, mas, antes passaram na casa de Saulo, o amigo de Benjamim. Precisavam avisar a todos que ajudaram no resgate, que o filho estava bem.

A partir daquele dia o casal só pensava em fazer uma visita ao hospital onde estava Benjamim. Era uma grande e cansativa viagem de jardineira, um ônibus antigo, que transportava as pessoas entre vilas e cidades naquela época. Em sua maioria eram estradas de terra esburacadas e poeirentas.

 Teresa nunca havia saído das redondezas, era mulher simples da roça. No entanto, pelos filhos faria qualquer coisa, até viajar numa jardineira. Toda a vez que ela pensava nisso, fazia o sinal da cruz, como se aquilo pudesse livrá-la do perigo das estradas.

Dirceu, na segunda-feira, foi montado em seu cavalo até a vila, para assuntar e saber quando teria condução para a cidade grande.

- Tem somente uma viagem por semana e a jardineira sai, bem cedo, na sexta-feira e retorna no domingo. Para garantir os lugares já deixei reservados e pagos. Disse o marido exibindo as passagens. A mulher assustada, não conseguiu dizer nada.

Ela ficou trêmula diante do fato consumado, teria que se preparar. Em primeiro lugar poria o terço em sua bolsa; precisaria muito dele. Uma muda de roupas para cada um, biscoitos e água para comerem no caminho. Levaria também: roupas para o Benjamim, a mochila da escola e algumas frutas e doces. Era tudo o que precisavam.

Na sexta-feira, Teresa madrugou, colocou sua roupa de domingo e chamou o marido. O vizinho já estava com a carroça pronta para irem até a vila mais próxima, pegar a jardineira. Antes mesmo do Sol nascer já estavam na estrada, levavam no coração muitas saudades do filho.

Quando o estranho veículo encostou na plataforma, ela sentiu medo e uma vontade de retornar à casa, mas precisava levar um pouco de amor ao filho doente. Então, com a passagem na mão procurou o assento. Depois fez uma oração, pedindo proteção a Deus.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

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