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sábado, 18 de março de 2017

"HÁ OLHOS QUE AGRADAM E ACARICIAM A GENTE COMO SE FOSSEM MÃOS". RUBEM ALVES

CASCA DURA

ELOISA, MEU AMOR
        O General Benjamin, homem grosseiro, muitas vezes cruel, acostumado a ser obedecido, muçulmano fervoroso, que servia ao exército de seu país, estava viúvo a quase uma década e andava muito triste. Alguns amigos já haviam notado e tinham sugerido que arrumasse outra mulher ou outras mulheres, se ele quisesse.

          Para um General do exército tudo era concedido, já que sua religião permitia até quatro mulheres. No entanto, ele trabalhava muito e não tinha paciência para gerenciar mulheres ciumentas, barulhentas e invejosas. Era assim que justificava sua solidão para os amigos e familiares.

           Gostava de sossego, fumar seu charuto em paz; era seu momento de lazer. A cada baforada, Benjamim afagava seu cão de estimação, que só obedecia a ele; Furacão era seu nome. Jejuava frequentemente e cumpria as obrigações do Ramadã. Fora conhecer a Meca e ostentava as fotografias penduradas nas paredes do escritório. Aquela viagem fora o maior feito de sua vida e seu maior orgulho.

            Benjamin tinha apenas 53 anos de idade, homem curtido pela vida, que estava sempre em risco. Um piloto de helicóptero que já estivera diante da morte por diversas vezes. Tinha uma cicatriz grande na perna direita, que puxava quando ele andava provocando um forte claudicar, mas que não o impedia de exercer sua função de piloto. Era sequela de estilhaços de bomba, que o atingira em um ataque rebelde.

          No entanto, seu corpo rijo precisava vibrar; sentia necessidade de manter relações sexuais com uma mulher. Ainda era jovem e o prazer da carne era forte em sua mente. Entretanto, tinha fama de durão e não queria manchar sua imagem namorando alguma mulher interesseira. Seria motivo para comentários desairosos entre seus subordinados, que ele mantinha rigidamente em seus postos.

          Num país conservador onde ele poderia ter várias esposas, ele não queria expor suas filhas e netos a uma ou mais mulheres estranhas dentro de sua casa. O país vivia em guerra e ele não conseguiria assumir outros compromissos além de sua família, pois se dedicava integralmente as regras rígidas estabelecidas pelo governo. Precisava somente se divertir um pouco, no entanto, não queria que ninguém soubesse; tinha que ser um segredo bem guardado.

Entrou em um site de relacionamentos com a única intenção de satisfazer seus desejos, ainda que pela internet. Demorou para encontrar uma mulher que lhe agradasse. Então, certo dia viu a foto que mexeu com seus sentidos; morena bonita, que estava dentro de seus padrões para uma amante.

         Fez contato e passou dias esperando a resposta.
          – Sim, podemos conversar, a moça respondeu.

          No mesmo dia, começaram a conversar trocando ideias. Benjamim queria vê-la no Skype; foi amor à primeira vista. Com um tradutor ele conversava com sua amada, mas eram seus olhos azuis que ele mais admirava.
            - Duas contas da cor do céu, pensava o homem apaixonado. 

         O General altivo, se tornava manso e amoroso diante da escolhida. Não se cansava de dizer que a moça era linda e que sentia atração por ela, era amor verdadeiro; queria estar junto dela todos os dias. Ficava eufórico só em pensar que ela estaria esperando por ele.

Uma paixão avassaladora que se desenvolvia do outro lado do mundo. Eloisa era seu nome e morava no Brasil. Uma mulher pouco indicada para ele, bonita, cristã e moderna. O general vivia em um país fechado ao turismo, porque estava sempre em guerra contra os rebeldes separatistas. No entanto, amor não tem fronteira e ele pensava o dia todo em Eloisa.
 – É o meu amor, dizia baixinho.

Um texto de Eva Ibrahim. 

sábado, 11 de março de 2017

"SE UM DIA A RAZÃO TE PEDIR PARA DESISTIR E O CORAÇÃO TE MANDAR LUTAR, ENTÃO, LUTE. POIS, NÃO É A RAZÃO QUE BATE PARA VOCÊ VIVER E SIM O CORAÇÃO". C, MENEZES

OLHOS VERMELHOS
CAPÍTULO OITO
          Marília abriu a carta e leu que deveria se apresentar com documentos em lugar e hora determinados para assumir seu cargo. Ela sonhara com aquele momento e precisava do emprego mais que tudo em sua vida, tinha dois filhos para criar, então, ela desabou.

      Chorou muito, até seus olhos ficarem inchados, depois foi tomar banho; queria lavar a alma para se livrar de tantas angustias passadas. Encerrar aquele capítulo triste de sua vida e iniciar outro menos sofrido.

             As crianças chegaram da escola e encontraram uma mãe mais alegre, cheia de planos para o futuro. Estava arrumando os documentos e planejando como faria para cuidar da casa, das crianças e trabalhar. Sentia-se pronta para lutar, uma verdadeira leoa para defender sua casa e seus filhotes.

             Enquanto mexia em seus documentos encontrou uma foto de seu casamento, um dia feliz, cheio de sonhos de amor e agora implorava a Deus para afastar o marido dali.

           – Que ironia! O amor não é eterno se não for cultivado com amizade e respeito, pensou a moça entre lágrimas.

           Com os olhos vermelhos de tanto chorar guardou a foto e lembrou-se do ditado que a fizera estudar até a exaustão. “Colhemos, infalivelmente, resultados proporcionais aos nossos esforços”. Sim, Marília sentia-se abençoada com um emprego fixo tão almejado por muita gente; funcionária pública. Estava feliz pela conquista, mas uma nostalgia pelo passado a deixava triste.

          Ela sabia que sua vida seria difícil, porém, com um futuro que dependia somente dela; não se submeteria mais as exigências de um marido alcoólatra.

No entanto, demorou alguns dias para ela escolher aonde iria trabalhar. Finalmente o grande dia chegou, fora empossada em caráter experimental, mas faria tudo para passar na experiência. Iria trabalhar em um Posto de Saúde e estava muito feliz com o novo emprego. Começava ali uma nova vida para Marília, que acreditou em um ditado popular e se esforçou ao máximo para passar no exame.

             Seu primeiro dia de trabalho terminou e na volta para casa ela entrou na Igreja para agradecer a Deus pelo futuro promissor. E, quando saiu tinha os olhos vermelhos de tanto chorar, mas era um choro de alegria.

           O importante era o fato de ela ter resistido ao vendaval que assolara sua vida. Sendo assim, ela seguiria em frente com o que o vento não levou ou ela não deixou que levasse. Estava íntegra, permanecera dígna e segura para viver sua vida.

Um texto de Eva Ibrahim

sábado, 4 de março de 2017

"NO LIMITE DAS MINHAS FORÇAS ESTÁ TODA A NATUREZA DA DOR, DO MEDO,DA FÚRIA, DA BONDADE, DO ÓDIO E DO AMOR E, NADA EXCEDE MAIS QUE ISTO". HELENILSON PERSI


A CARTA DE ALFORRIA
CAPÍTULO SETE
             As dificuldades só aumentavam, não havia dinheiro para nada; a situação era desesperadora. Marília fez mais dois concursos e passou em todos. No entanto, havia demora na convocação dos classificados, apesar de todas as orações e promessas diárias, nada acontecia; parecia que o mundo estava contra ela.

           Leandro ainda conseguia ganhar algum dinheiro, ajudava seu irmão na loja de autopeças e pagava as contas mais urgentes, tais como: água, luz, gás de cozinha. A comida vinha dos irmãos de Marília, que já não aguentava mais a longa espera para conseguir trabalho. Acordava no meio da noite e conversava com Deus, para pedir misericórdia e não entrar em depressão.

             - A maior angustia de uma pessoa é não saber o que será o seu amanhã, dizia choramingando, a mulher desesperada.

           Mas, o pior ainda estava por vir. Leandro, depois de uma festa regada a álcool, deu carona a uma amiga e os dois filhos dela no seu automóvel. E, quando fez uma curva fechada, perdeu o controle subindo na calçada e batendo com o veículo no muro.

             O carro foi guinchado, as crianças levadas ao Hospital e Leandro autuado em flagrante por dirigir bêbado. Passou a noite na delegacia e, no dia seguinte, seu irmão pagou fiança para ele sair e responder ao processo em liberdade. Para sua sorte, ninguém se feriu gravemente, mas ele ficou a pé, pois não pagava o seguro do veículo já fazia tempo, então, passou a beber ainda mais.

             Os irmãos de Leandro, juntamente com sua mãe, decidiram interna-lo em uma clínica de recuperação. A princípio ele resistiu, mas acabou concordando, pois estava seriamente doente. Ele não se alimentava e a bebida o havia enfraquecido, ele mal conseguia parar em pé.

            Logo em seguida, fora encontrado caído na rua e foi socorrido pela ambulância municipal; estava no último estágio da decadência. E no dia seguinte, foi encaminhado à uma clínica de recuperação pela sua família.

Com o marido internado e incomunicável por pelo menos trinta dias, Marília respirou aliviada. Porque assim, ele não apareceria ali para atormentá-la e ela poderia esperar sua convocação em paz. Acreditava que tudo o que fizera teria um retorno infalível e que Deus olhava por ela.

Passou janeiro e quando chegou fevereiro, Marília teve notícias de que a prefeitura estava convocando os concursados para assumir seus postos. Foram dias de muita angustia, a chegada do carteiro era a coisa mais importante do mundo. Muitas decepções e novas esperanças, até o dia em que o carteiro gritou seu nome no portão; era a sua carta de alforria; a convocação para o trabalho.

Ela adentrou a casa com o seu tesouro nas mãos; as lágrimas corriam pelo seu rosto e ela não conseguia ler o que dizia a missiva. Então, foi lavar o rosto para se acalmar e poder seguir as instruções para se apresentar ao local indicado.

Um texto de Eva Ibrahim

sábado, 25 de fevereiro de 2017

"NÃO HÁ NADA QUE POSSA SER EVITADO E, SIM AMENIZADO COM PACIÊNCIA, FÉ E TOLERÂNCIA". AUTOR DESCONHECIDO

UM DIA DE CADA VEZ

CAPÍTULO SEIS

            Marília não sabia como conviver com tantas incertezas, seu futuro estava cheio de dúvidas. Precisava trabalhar para se sustentar e ficar livre da opressão exercida por Leandro. Ela sabia que enquanto dependesse dele para alimentar os filhos, estaria presa aos seus desatinos. Suas noites eram terríveis, o pouco que dormia tinha pesadelos e acordava assustada. Vivia rezando para afastar tantos pensamentos ruins, que ficavam martelando em sua cabeça.

           Finalmente saiu o resultado do concurso e ela ficou feliz, fora muito bem classificada, mas tinha urgência em trabalhar e não sabia quando iriam chamar os novos concursados. A informação que tinha era, de que somente no início do ano seguinte a prefeitura iria convocar os novos funcionários.

           Estavam em novembro e ela sentia-se desanimada, pois ainda teria que suportar aquela situação por alguns meses. Os dias se arrastavam lentamente e ela continuava com sua vida monótona. Tremia só em imaginar que o marido pudesse chegar e ameaça-la novamente.

           Para esquecer a situação estabelecida, ela se enfiava nos livros, principalmente a Bíblia, que lhe trazia algum conforto. Pedia misericórdia a Deus e ficava à espera de algum acontecimento bom em sua vida. O Natal chegou e a comemoração foi simples ao lado dos dois filhos; Leandro apareceu, mas estava tão bêbado que pouco falou e quando saiu ela deu graças a Deus.

               E, o ano novo chegou sem nenhuma novidade. Amanheceu um novo dia e Marília não pretendia fazer nada diferente, estava em compasso de espera. Faria um almoço para as crianças e ficariam em casa, mas o seu marido apareceu trazendo consigo um amigo dos bares. Leandro trazia nas mãos uma sacola com bebidas e o amigo outra sacola com carnes. Entrou dizendo que iriam fazer churrasco para comemorar o ano novo.

               A mulher tremeu, lembrando-se da última vez em que ele esteve ali com o revolver nas mãos.
            - O que farei para afastá-lo daqui?

               Os dois homens já estavam bêbados, sujos e fedidos; um nó parecia tomar conta de sua garganta. Ela tentou protestar, mas o som não saiu de sua boca, ela queria chorar.

             - Como o homem com quem me casei se tornou neste ser tão abominável? Ela não se conformava em ver aquela situação diante dos filhos. A decadência do marido era visível e a companhia lamentável.

           As crianças, Laura e João, tinham medo do pai e foram ver TV no quarto e quando ele as chamava, elas atendiam e saiam rapidinho. O ano novo estava irremediavelmente estragado; o jeito era rezar e esperar.

           Os dois homens saíram no meio da tarde e Marília ficou limpando a sujeira que deixaram. Seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar, parecia que nunca mais teria sossego na vida. Não tinha mais ilusões, viveria um dia de cada vez.


Um texto de Eva Ibrahim. Continua na próxima semana.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

"UM DIA, A SAUDADE DEIXA DE SER DOR E VIRA HISTÓRIA PARA CONTAR E GUARDAR PARA SEMPRE. ALGUMAS PESSOAS SÃO SIM, ETERNAS DENTRO DA GENTE". AUTOR DESCONHECIDO

NO LIMITE

CAPÍTULO CINCO
            Marília foi prestar o concurso, com a certeza de que daria o seu melhor e de fato fez uma prova impecável, mas ainda dependia da entrevista e da classificação, portanto não poderia cantar vitórias antes da hora. Ficou calada, porque Leandro não poderia saber de nada ou tentaria prejudicá-la.

              Foram dias de solidão, medo e muitas dúvidas, mas a fé em Deus e a certeza da recompensa pelos esforços, a levavam adiante. Então, chegou a semana de finados, onde quase todos prestam homenagens aos seus mortos. Marília estava sensível e saudosa de seus entes queridos. Seus pais faleceram com diferença de dois anos; primeiro foi o pai e depois a mãe, era muito recente e a saudade estava viva ainda doía muito.

          Leandro levara o automóvel da família quando saiu de casa, deixando a mulher e os filhos a pé. Gostava de zombar da mulher dizendo para andar de “Buzão”, que era o lugar dela. Marília gostava de andar de ônibus, isso não tinha importância, dizia, mas estava sem dinheiro e decidira não comparecer ao cemitério:

           - Já estava triste o suficiente, pensou a moça conformada. Mas, logo na primeira hora da tarde Leandro apareceu. Estava com bebida no corpo, pois o cheiro era inconfundível, e foi logo dizendo:

       - Tomei somente uma cerveja no almoço, não estou bêbado, e foi adentrando a sua antiga casa. O coração da moça parecia querer saltar fora do peito, mas ela precisava manter a calma.

       O ex-marido parecia calmo e propôs a ela que ambos fossem ao cemitério visitar o túmulo dos pais, dele e dela também. Marília sentiu medo, mas não teve como recusar e sentou-se no banco do carona, iria ao cemitério com Leandro, afinal os mortos ficariam contentes ao serem lembrados.

         O carro estava em péssimo estado de conservação. Quando ele pisava na embreagem o banco se movia para trás, parecia estar solto no piso do veículo. Ela tentou alertá-lo para o perigo de dirigir daquele jeito, mas ele zombou dela.

- Sou motorista até dormindo, você está com medo de que? Então, ele acelerou, fazendo a mulher se agarrar no pegador e começar a orar pedindo misericórdia a Deus.

                 Finalmente chegaram ao cemitério; Marília ainda não entendia porque havia aceitado aquela carona. Entraram no portão inicial e fariam as visitas aos túmulos seguindo a proximidade de cada um. Finalmente ela disse que deveriam seguir para o local onde não havia túmulos, somente a grama com a placa do nome do defunto. Lá estava enterrada sua mãe.

           Leandro concordou com a cabeça e subiu no túmulo da frente diante da surpresa da mulher, que protestou, dizendo ser pecado fazer aquilo. Com uma gargalhada ele prosseguiu, passando por cima dos túmulos que estavam em sua frente.

         Ela se calou fazendo de conta que ele não estava com ela. Marília estava ruborizada e, rapidamente depositou uma flor no túmulo de sua mãe saindo em seguida; não suportava mais ver a atitude de seu marido. Parecia enlouquecido faltando com o respeito aos mortos.

         O automóvel saiu cantando pneu e ela começou a rezar novamente. Jurava que nunca mais sairia com Leandro, estivesse ele bêbado ou não. Em uma certa altura do caminho, ele disse que iriam ao cemitério da cidade vizinha onde a mãe dele estava enterrada.

        Marília quase gritou de desespero, mas sabia que era isso que ele queria, amedronta-la. Então, resolveu pedir para passar em sua casa para pegar um maço de velas para a sogra.

            Quando ele parou, o banco do carro foi lançado para trás e ela desceu rapidamente do veículo, dizendo para ele ir sozinho. Entrou em sua casa com o coração disparado e tratou de fechar a porta com muito medo que ele estivesse atrás dela.

                 Alguns segundos se passaram e ela ouviu o carro sair em disparada, então respirou aliviada; estivera em seu limite de terror.


Um texto de Eva Ibrahim Continua na próxima semana.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

"NÃO ENTENDO, APENAS SINTO. TENHO MEDO DE UM DIA ENTENDER E DEIXAR DE SENTIR". CLARICE LISPECTOR


O ASSÉDIO

CAPÍTULO QUATRO
          Com uma motivação real, Marília mergulhou nos livros; estava empenhada em garantir um trabalho digno. Passar no concurso tornou-se uma obsessão, raramente saia de casa. Leandro não se conformava com a ideia de que a sua mulher pudesse sobreviver sem ele. Comprava o essencial, isto é, uma cesta básica e mandava entregar, dizendo que era para as crianças. Pagou a água, luz e a deixou sem nenhum dinheiro.

           - Que ela fosse trabalhar, dizia para quem quisesse ouvir.

         Em um domingo de manhã, Leandro apareceu bêbado e estava acompanhado de um amigo, também embriagado. Parecia determinado a mostrar para sua ex-mulher, quem mandava ali. Estava irado por ter descoberto que ela trocara a fechadura. Entrou dizendo que iria fazer um churrasco e foi para o quintal com uma sacola na mão. Jairo, o amigo, o seguia com um riso irônico.

          Antes de acender a churrasqueira, Leandro tirou um revolver de dentro da sacola e começou a atirar em direção a um pé de mamão. Conseguiu derrubar uns dois mamões verdes e furou outros. Marília, então, foi pedir para ele parar com aquilo, que estava assustando as crianças e ele rindo alto respondeu:

           - Você quer ver? Agora vou matar aquele gato que anda sobre o muro, é só ele aparecer.

          A mulher viu um prazer mórbido no olhar do ex-marido. Ele poderia matá-la também. Pensou e logo tratou de entrar, estava com o coração nas mãos, temia por ela e pelos filhos.

         Durante toda a manhã, os dois homens permaneceram ali, aterrorizando a mulher, que tentava disfarçar para os filhos não perceberem a situação. O revolver em cima da mesa e a churrasqueira a gás ligada, dourando os espetos de carne, dava um ar de tragédia ao local.

          As crianças comeram carne que o pai havia dado, mas Marília não almoçou, estava muito nervosa. E, quando eles começaram a juntar as coisas, ela respirou fundo; estavam de saída. Naquela noite ela chorou desesperadamente; estava com medo do futuro.

         - O que seria de sua vida dali para a frente? Como se livrar daquela situação?

           Ela sabia que não poderia esmorecer e lembrou-se do ditado que dizia: “Colhemos, infalivelmente, resultados proporcionais aos nossos esforços”, ela estava focada naquilo. Mas, não seria fácil, muita coisa ainda iria acontecer até ela conseguir o que pretendia.

         Um mês inteiro decorreu e Leandro vigiava a casa onde estavam sua ex-mulher e os dois filhos. Durante a noite, muitas vezes bêbado, costumava andar pelo quintal da casa, assustando sua família.

 Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sábado, 28 de janeiro de 2017

"QUANDO OS JARDINEIROS PLANTAM JARDINS, NÃO SÃO SÓ AS PLANTAS QUE CRESCEM, OS JARDINEIROS TAMBÉM..." KEN DRUSE

SOB SUAS ASAS
   CAPÍTULO TRÊS
             Marília estava tão cansada que adormeceu logo, foi um sono pesado e sem sonhos ou pesadelos: apenas restaurador. Aquela era a primeira noite que Leandro dormia fora de sua casa. Apesar do casamento estar naufragando, ele sempre dormia em casa, muitas vezes bêbado a ponto de não saber onde estava, mas seu corpo estava presente.

           Quando Marília acordou e se deu conta de toda aquela situação, gemeu baixinho. Estava só, desempregada e com dois filhos para criar. Leandro não queria que ela trabalhasse, pois tinha ciúmes. 

          - Estava fora do mercado de trabalho fazia uma década e agora seria difícil recomeçar. O que seria dela e de seus filhos? Aquela incerteza a atormentava. De um pulo se levantou e olhando a cama vazia, sentiu um calafrio. 
             - Precisava reagir, pensou e foi acordar os filhos para irem à escola.

         Estaria ocupada durante a primeira hora da manhã e depois iria procurar um trabalho, tinha urgência em ganhar dinheiro.  Deixou as crianças na escola e seguiu cabisbaixa dizendo baixinho algumas orações dos salmos, foi até a Igreja. 

          Ajoelhou no genuflexório e pediu misericórdia a Deus. E, depois foi ao altar da virgem Maria e pediu que lhe mostrasse o caminho a seguir. Marília estava emocionada e chorou baixinho pedindo clemência.

          Saiu da Igreja com uma sensação de tranquilidade e calma, dali viria o seu socorro, ela acreditava nisso. Andava com passos firmes de volta para casa, então, viu uma folha de jornal amassada jogada na rua. Ali havia muitos anúncios de emprego nos classificados, pensou rapidamente. 

        Seria um caminho para encontrar alguma coisa; a moça apressou o passo em direção à banca de jornais e comprou o melhor jornal da região, teria que encontrar alguma coisa ali.

           Pegou o matutino como se fosse um tesouro e, esperançosa voltou para casa. Abriu na página de anúncios classificados e começou a ler minuciosamente.

         Onde ela sentia que havia alguma possibilidade de trabalho, recortava e deixava de lado para ligar depois. Estava empenhada em arrumar alguma coisa, para tirar aquela angustia de seu peito; sempre fora uma lutadora e agora não iria desistir.

Depois de ler e reler todos os anúncios, Marília respirou profundamente; ali havia pouca coisa para ela. Mas iria tentar tudo para conseguir seu intento. Sentia-se estressada e resolveu varrer o jardim e a frente da casa.

 Estava quase terminando quando apareceu uma conhecida do tempo da escola de enfermagem e parou para conversar. Entre uma coisa e outra a moça disse que estivera fazendo a inscrição para o concurso da saúde da prefeitura. Marília estalou os olhos e perguntou:

 - Que concurso? Onde? Para que? Alguma coisa lhe dizia que teria que fazer o concurso. Ela tinha chance, pois tinha experiência em enfermagem.

           A amiga aquiesceu, era o último dia para a inscrição, ela deveria se apressar. Marília entrou e foi procurar os documentos que iria precisar, depois saiu rapidamente para tirar xerox e efetuar sua inscrição. Parecia que estava hipnotizada, agia automaticamente e tudo dava certo.

          Saiu com a inscrição na mão e sentiu que alguma proteção a havia acompanhado. A virgem a protegera e indicara um caminho para ela; já não estava só, estava sob suas asas e nada temeria.


Um texto de Eva Ibrahim. Continua na próxima semana.

sábado, 21 de janeiro de 2017

"QUANDO FALTAR SORTE, FAÇA SOBRAR ATITUDE. O AZAR MORRE DE MEDO DE PESSOAS DETERMINADAS". AUTOR DESCONHECIDO


INFALÍVEL

CAPÍTULO DOIS
O chaveiro prometeu mandar o seu ajudante para trocar a fechadura e Marília tratou de voltar para sua casa; temia que Leandro fizesse alguma maldade para prejudica-la. E, também estava ansiosa para procurar no dicionário o que realmente queria dizer a palavra infalível. Ela sabia o significado, mas queria ter a certeza que poderia confiar em sua infalibilidade.

O que leu a deixou pensativa: Infalível quer dizer: “Que é certo, garantido, que nunca falha”. Então, pensou Marília:

 - Tenho que estudar até a exaustão. E, fazer concursos até conseguir uma estabilidade para manter minha casa sem a ajuda de Leandro. Porque assim poderei colher os frutos referentes ao meu esforço.

Ela escreveu diversas vezes as três frases e colocou em lugares visíveis para que não esquecesse que seu esforço valeria a pena, porque haveria retorno certo. Aquele dia terminou com a fechadura trocada e sem a presença de Leandro.

– Estaria no bar bebendo? Pensou Marília preocupada.

As crianças dormiram logo, mas a mulher não parava de pensar em todos os acontecimentos que acabaram com seu sossego. Não poderia voltar atrás, pois seu marido parecia outra pessoa, estava sempre bêbado e ia para cima dela aos berros. E, muitas vezes, a agredia sem escrúpulos; estava cansada de apanhar na frente dos filhos.

Precisava se proteger e não sabia como, era tudo tão difícil, que ela tinha medo até da própria sombra. Pegou a Bíblia e começou a ler os Salmos, precisava da ajuda de Deus, que conhecia a sua situação. Sua mãe sempre dizia que Deus sabia de tudo, não adiantava querer esconder, era onipotente, onipresente e onisciente.

            Para sobreviver a toda aquela situação instável tinha que acreditar em alguma coisa ou não suportaria; estava vivendo o pior momento em sua vida. Os filhos precisavam dela e iria buscar força e coragem em Deus. Aquela noite ela orou e leu os Salmos até adormecer sobre a Bíblia.

            Acordou animada, se Deus a protegia, então, ela poderia fazer qualquer coisa que estaria segura. Iria atrás de trabalho para sobreviver e estudar para conseguir um bom emprego. Faria qualquer coisa para se livrar de Leandro de uma vez.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sábado, 14 de janeiro de 2017

"ACALMA-TE, PORTANTO, CORAÇÃO. A PAZ NO TEU ESPÍRITO VAI SE ENCARREGAR DE TE MOSTRAR O CAMINHO A SEGUIR". AUTOR DESCONHECIDO.

O QUE O VENTO NÃO LEVOU
COMO UMA LUZ
CAPÍTULO UM
               Marília seguia pensativa pela avenida arborizada. Ás vezes, parava e olhava os galhos suspensos no ar; estavam cheios de flores vermelhas. Era primavera e os flamboyants estavam carregados de folhas e flores, mas no coração da jovem nada daquilo imperava; ali era inverno escuro e frio.

           Seu marido havia saído de casa após uma briga horrorosa e ela não sabia o que fazer, estava sem rumo e com muito medo do futuro. Levava na mão a chave de sua casa, que já não significava privacidade; Leandro também tinha uma igual e isso a deixava nervosa. Temia que ele entrasse na casa à noite e a atacasse enquanto dormia.

          Até um ano atrás, ele fora um bom marido, tinha defeitos, mas muitas qualidades. No entanto, fizera amizades com alguns rapazes, que bebiam além da conta. No começo ele criticava os companheiros, mas aos poucos foi assimilando aquele vício e sua vida entrou em decadência.

          Leandro tornara-se dependente do álcool e, toda vez que Marília tocava no assunto ele se transformava e avançava sobre ela. Ele a empurrava, esbofeteava e só parava quando as crianças começavam a chorar.

          Ela não aguentava mais a grosseria do marido bêbado, que a ofendia na frente das crianças. Leandro perdera o emprego; pois vivia embriagado. A situação se agravava dia a dia, não havia dinheiro para pagar as contas e logo não teriam comida em casa. Precisava encontrar uma solução com urgência; ela queria trabalhar, mas, antes teria que garantir a segurança das crianças.

Os dois filhos estavam na escola, Laura com doze e João com dez anos, eram pequenos para ficarem sozinhos em casa, mas entendiam que o pai bêbado batia em sua mãe e estavam sofrendo também. João estava tendo problemas na escola, notas baixas e mal comportamento. Marília recebeu a reclamação com o coração partido.

 Aquela situação era reflexo da vida que ele presenciava em sua casa. Ela sabia que teria que tomar algumas atitudes para preservar os filhos. Então, resolveu ter uma conversa séria com Leandro. E, ele reagiu violentamente com palavras de baixo calão e ameaçou a esposa de morte; dizendo que ela iria pagar por tudo aquilo que dissera. Em seguida pegou uma maleta com algumas roupas e saiu dizendo para ela arrumar dinheiro na rua, que ele iria viver com sua mãe.

Marília ficou chorando de raiva, medo e preocupação com o futuro dela e dos filhos. Depois pensou em assegurar que o marido não entrasse em casa sem que ela soubesse e, para isso teria que trocar a fechadura da porta da sala. Queria resolver a situação sem levar preocupação para sua mãe, que sofria de hipertensão.

Pegou a chave e se dirigiu ao chaveiro, que tinha uma loja especializada em fechaduras, cadeados e trancas. A chave serviria para ele saber o modelo de fechadura que havia em sua casa. Foi o dono do estabelecimento que atendeu a moça e, pediu que esperasse enquanto ele iria verificar no estoque.

Marília estava aflita, andava de um lado ao outro e parando deparou com um ditado escrito na parede, já meio apagado pelo tempo, que dizia: “ Colhemos infalivelmente, resultados proporcionais aos nossos esforços”. E, na outra parede estava escrito; “Plante apenas sementes de otimismo e amor, para colher alegria e felicidade”. “Estude e trabalhe, dê o máximo de si e serás vitorioso” Não havia a autoria das frases de incentivo, mas entrou como uma luz no coração da mulher desesperada. Seguindo um impulso, ela  pegou um pedaço de papel que estava sobre o balcão e copiou tudo aquilo.


Um texto de Eva Ibrahim. Continua na próxima semana.

sábado, 7 de janeiro de 2017

"SER FORTE É CAMINHAR COM CERTEZA, MESMO CHEIO DE DÚVIDAS. É ACREDITAR QUANDO NINGUÉM MAIS ACREDITA. É ESPERAR ALGUMA COISA DE BOM, QUANDO TODOS JÁ DESISTIRAM". AUTOR DESCONHECIDO

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CAPÍTULO OITO 
          Maura estava traumatizada com tantos acontecimentos inesperados e dolorosos; sentia-se fragilizada, sem forças. E, o tempo todo se perguntava:
         - Por que eu? Esperei tanto por essas férias e agora estou contida dentro de uma tipoia, que limita os meus movimentos.

A moça começou a chorar, então sua filha entrou na sala e ligou a TV; estava passando algumas reportagens sobre pessoas com necessidades especiais. Maura prestou atenção em uma delas, que era sobre uma atleta olímpica, que sofreu um acidente e agora estava presa à uma cadeira de rodas. E, ela percebeu que Deus estava lhe puxando as orelhas. O acidente que sofrera era tão pequeno diante daquela situação vivida pela atleta, que ela pediu perdão a Deus e se arrependeu de seus sentimentos egoístas e pequenos.

Aquele dia foi um marco para ela, que deixou de se lamentar e resolveu seguir adiante. O seu braço estava ali e poderia recuperar todos os movimentos, era só ter paciência e persistência, dissera o médico que a atendera pela segunda vez. Ela não dera importância as orientações médicas, estava revoltada contra a sua situação. No entanto, agora ela entendia o que ele queria dizer.

O braço deveria ficar na tipoia, porém as mãos precisavam de movimentos constantes para não perder a função. Maura tratou de resgatar uma bolinha do seu filho no quartinho de despejo e comprou um Hand Grip para exercitar as mãos e os músculos do antebraço. A partir daquele dia, ela passava a maior parte de seu tempo fazendo os exercícios possíveis para preservar os movimentos do braço.

Determinada a voltar ao trabalho o mais rápido possível, se dedicava a restabelecer o braço. Ficava mais tempo no chuveiro massageando o membro sob a água quente e, também fazia uso da bolsa de água quente para diminuir a dor ao dormir. Passara a frequentar a Igreja, precisava falar com Deus.

Criara uma válvula de escape para sua frustração e seus medos se afugentaram. Lutaria com todas as suas forças para voltar a ser aquela mulher otimista e alegre de sempre.

No dia em que retornou ao médico e demonstrou toda sua energia e recuperação, este se espantou e disse:
- Pode tirar a tipoia, seus movimentos estão preservados e você não necessita de fisioterapia, apenas fazer uma ressonância magnética para uma avaliação das estruturas internas. E, tomar cuidado com movimentos bruscos para não sofrer novo deslocamento do membro. Meus parabéns, agora é seguir em frente, está com alta para o trabalho.

Maura saiu do consultório médico com o coração batendo tranquilo, estava feliz. Estivera no limite da dor, mas iria seguir adiante com a cabeça erguida, nunca mais iria se lamentar. Estava mais atenta aos sofrimentos dos seus semelhantes, porque ninguém merece sentir dores; agora ela sabia disso.

Um texto de Eva Ibrahim.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

"NUNCA DEIXE SEUS SONHOS MORREREM, PORQUE A VIDA SEM SONHOS É COMO UM PÁSSARO COM A ASA QUEBRADA, QUE NÃO PODE VOAR". LANGSTON HUGHES

ASA QUEBRADA

CAPÍTULO SETE 
            A volta para casa foi sofrida, cheia de angustia e dores. E, ao entrar sentiu-se ferida na alma, pois, saíra dali em perfeito estado e agora parecia um pássaro com a asa quebrada. Maura estava em uma situação que dependia de ajuda até para fechar o soutien, mas o pior ainda estava por vir. A moça chegou à sua casa na terça feira, trazia consigo o propósito de se restabelecer a tempo de voltar ao trabalho; ainda tinha dezessete dias de férias pela frente.

Seu braço estava com uma ferida aberta perto do punho, mas era superficial; raspara na estante ao cair. No entanto, na região do ombro e no músculo deltoide, que estavam inchados, havia muitos hematomas; ali a dor era intensa. A mão formigava e a carne que cobria o antebraço estava dormente até o cotovelo; o trauma fora grande.

 Maura era forte e lutadora, jamais desistiria e começou a movimentar a mão desde o primeiro dia do acidente.  Não queria demonstrar fragilidade e começou a fazer uma porção de movimentos proibidos, tais como, levantar o membro machucado.

             Na quinta feira ela estava costurando e se levantou para pegar uma caixa no maleiro do guarda-roupas e ao levantar o braço, este foi deslocado e saiu do lugar novamente. Então, o desespero tomou conta da moça, que segurava o membro sobre a cabeça e pedia desesperadamente para sua sobrinha leva-la ao Pronto Socorro. Foi do jeito que se encontrava, mal conseguia se mexer, estava novamente diante daquela dor, que quase a matara.

             - O meu calvário ainda não terminou, lamentava a moça chorosa.

             Ela foi conduzida pela sobrinha até um PS, onde um médico japonês a atendeu e disse que a redução feita anteriormente gerara mais traumas, por isso os hematomas e as dores incessantes. Demorou para o membro voltar ao seu lugar de origem, o sofrimento foi grande e a dor insuportável. Em seguida, a paciente recebeu novas orientações e a proibição de voltar ao trabalho na data prevista. Deveria permanecer em repouso com o braço na tipoia por mais quinze dias além das férias.

             Maura, então, teve consciência da gravidade de sua lesão; estava chocada com a possibilidade de seu membro sair do lugar novamente. Tremia ao pensar em passar por tudo aquilo novamente.

           Os dias passavam rapidamente, mas suas noites eram terríveis; as dores não a deixavam dormir. A sua companheira para alguns cochilos a noite, era uma bolsa de água quente, que ajudava amenizar a dor. Maura estava prisioneira dentro de casa, não podia dirigir seu automóvel e nem fazer a maioria dos trabalhos domésticos; estava desolada.
         Um texto de Eva Ibrahim.

        Continua na próxima semana.
MEU MUNDO REINVENTADO.

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