MOSTRAR VISUALIZAÇÕES DE PÁGINAS

sexta-feira, 18 de julho de 2014

"PREFIRO A MÚSICA, PORQUE ELA OUVE O MEU SILÊNCIO E AINDA O TRADUZ SEM QUE EU PRECISE ME EXPLICAR." AUTOR DESCONHECIDO---A FÉ É A RESPOSTA PARA TODAS AS DÚVIDAS. EVA IBRAHIM.

A CELEBRAÇÃO.
CAPÍTULO DEZ

      Gilda estava eufórica, finalmente um pouco de alegria para colorir a vida naquela casa. Sandro parecia estar vivendo um sonho, estava alegre e brincalhão. O pequeno menino indefeso, agora, era um belo rapaz de vinte e cinco anos. Um músico que se mantinha tocando em seu conjunto, que era formado por cinco músicos e um cantor. Sandro tocava órgão e acordeão; gostava de teclado, dizia aos companheiros, por isso estudava piano.

       Há vinte anos ele estava cego, mal se lembrava das coisas antes vistas; seu mundo se reduzira ao que podia sentir com as mãos ou com os ouvidos. O restante ele imaginava lendo livros em braile. Tornara-se um rapaz culto, porém, perdera o poder de colorir as coisas. Às vezes reclamava com a mãe que já não se lembrava da diferença de azul ou rosa, vermelho ou verde; seu mundo era cinzento e só a música o tirava da escuridão.

       Sua mãe se anulara como pessoa para cuidar do filho querido; ela já não se lembrava de como era sair para se divertir. Estava com cinquenta anos, sozinha desde que Danilo faleceu e seu maior sonho era ver o filho feliz. Trazia em seu coração a culpa por ele estar cego e faria tudo para vê-lo contente com o seu amor; era um bom menino e merecia ser feliz. Sandro nunca acusara a mãe por sua cegueira, embora ela tenha lhe contado a verdade por diversas vezes.

      Sofia também era uma cinquentona e ultimamente andava saindo com o dono da padaria da esquina, parecia que estavam namorando; Gilda dava a maior força. Sofia ajudou a prima com o menino e foi o apoio que ela precisava para sobreviver à tamanha desgraça.

Em momentos de nostalgia, Gilda pensava na mulher negra e pressentia que Sofia fora induzida, por uma força maior, para ajuda-la. Agora, a prima poderia refazer sua vida, já cumprira sua missão. Sandro já era um homem e iria se casar, então, ela poderia seguir o seu caminho.

      Gilda queria preparar um jantar com muito esmero para receber Celina, seus pais e irmãos. A moça também vinha de uma história triste, era a filha mais velha de três irmãos; sua mãe tivera “rubéola” na gravidez e a criança nascera com deficiência visual, que se agravou posteriormente, deixando-a cega.

      Celina gostava de música e tocava piano desde criança, seus pais a incentivavam e lhe deram um piano de presente. Sandro a conheceu durante as aulas no Conservatório e se apaixonou pela sua doçura; era uma moça tranquila e sensível. Ao contrário dele ela nunca viu a luz, nasceu com catarata congênita e não foi possível reverter o quadro.

       Os dois jovens formavam um casal muito bonito, um apoiava o outro, gerando segurança e fortalecendo os laços amorosos. Era a liberdade que Sandro precisava para construir sua vida, uma companheira compreensiva que compartilhava de seus projetos.

       Houve a reunião das duas famílias e Celina estava muito bonita; parecia apaixonada por Sandro. Era tudo o que Gilda sonhara para seu filho, a moça estava aprovada pelas duas mulheres que cuidavam do rapaz. Antes do início do almoço Sandro pediu para dizer algumas palavras, queria ficar noivo de Celina. Pegando nas mãos de sua namorada ele pediu aos pais dela que abençoasse as alianças, que ele trocaria com Celina. Era a celebração do amor e um pedido de casamento.

       Quando Celina e seus familiares deixaram a casa, ficou a certeza de que aquele acontecimento seria o início de uma nova vida para todos. Sandro e Celina estavam noivos.
      O rapaz dizia estar preparado para se casar e queria continuar a morar com sua mãe, ainda precisava de sua ajuda e orientação. Começava, então, um planejamento para acomodar o casal e iniciar os preparativos do casamento.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

"NÃO LHE DIREI AS RAZÕES QUE TENS PARA ME AMAR, POIS ELAS NÃO EXISTEM. A RAZÃO DO AMOR É O AMOR." SAINT-EXUPERY---E, NADA OCUPA O SEU LUGAR...EVA IBRAHIM


VOCÊ É UM SONHO PRA MIM

CAPÍTULO NOVE

      Sandro saiu cedo, estava acompanhado por sua mãe, que o deixou na porta do ônibus com um beijo no rosto. Gilda esperou ele sentar-se e depois entrou no veículo vagarosamente. Então, pediu silêncio ao cobrador com o dedo em riste na boca fechada, indo sentar-se no fundo do ônibus. O rapaz seguiu a rotina e desceu em frente à escola; sua mãe também desceu e ficou parada do outro lado da rua para esperar que ele entrasse no estabelecimento.

       Chegaram alguns alunos e Sandro se foi em meio ao grupo, deixando a mulher decepcionada; nada havia acontecido de estranho. Então, ela decidiu dar uma volta na cidade enquanto esperava a hora da saída. Quatro longas horas e Gilda teria que esperar se quisesse saber o motivo de tanta vaidade do filho. Ela ficou passeando e vendo vitrines; aproveitou para comprar material para a confecção das tapeçarias que fazia para vender.

      Com as sacolas nas mãos a mulher se postou do outro lado da rua; um lugar onde dava para ver o portão da saída e onde ela pregou os olhos assim que ouviu a sineta. Havia muita gente em frente à escola, eram pais que esperavam os filhos para leva-los para casa. Por último apareceu o seu filho segurando a mão de uma moça, ambos usavam óculos escuros. Quando chegaram perto da escada a moça segurou no braço de Sandro e ele a conduziu até o portão, tateando com sua bengala.

Então, ele a abraçou, beijou e ficou um longo tempo com os braços ao redor do corpo dela; estava claro que aquela moça era a namorada de seu filho. Uma moça bonita, de boa aparência e cega como ele. Gilda sentiu-se satisfeita, seria melhor que ele se apaixonasse por uma moça que tivesse o mesmo problema que ele.

        Ela sabia que seu compromisso seria dobrado, pois, teria que cuidar de um casal de cegos, porém, seu coração se aquietava sabendo que ela seria a luz dos olhos dos dois. Demorou um pouco e apareceu um automóvel que levou a moça embora, deixando Sandro sozinho no ponto de ônibus. Gilda se aproximou, porém, manteve certa distância, não queria que o filho ficasse constrangido; esperaria que ele lhe contasse sobre seu amor.

       Quando o ônibus chegou, o cobrador o chamou, ele entrou e sentou-se no banco de costume. Em seguida, sua mãe também entrou e foi sentar-se bem longe dele. Voltaram para casa e Sandro não percebeu que sua mãe o seguira. Sofia e Gilda compartilhavam o segredo de Sandro e sentiam-se felizes em saber que ele poderia conquistar a felicidade, apesar de sua deficiência visual. Ele encontrara o amor e estava diferente, mais alegre, mais cuidadoso e muito vaidoso.

        As duas mulheres sempre davam indiretas para ver se ele se abria e contava tudo sobre sua namorada, porém, ele se mantinha calado. Chegaram a pensar que ele havia terminado o namoro, mas, certo dia ele estava tomando café quando disse que precisava da ajuda de sua mãe e da Sofia. As duas se entreolharam espantadas e acenaram com a cabeça, era só dizer o que queria. Sorrindo ele disse:

      -É o aniversário da minha namorada e eu queria comprar um presente especial para ela, por isso preciso de ajuda. As duas mulheres fingiram surpresa e queriam saber quem era a moça e como era. Então o rapaz a descreveu assim:

     -Eu sinto que ela é muito bonita, tem a pele sedosa, cabelos macios, cheirosos e eu me sinto completo ao lado dela. 
Gilda olhou para a amiga, estava encabulada.  Ele não via, ele sentia a beleza da namorada, foi o que pensou sua mãe relembrando o passado com nostalgia. Sofia entendeu o pensamento de Gilda e tratou de mudar o rumo da prosa.

     -Por que ele não trazia a moça para um jantar? E, afinal qual era o nome dela? Perguntou Sofia.
Sandro sorriu e disse:
     -Celina, minha Celina; ela é um sonho pra mim.
      Era seu amor, ele a conheceu no Conservatório, ela também tocava Piano e a traria à sua casa, pois a amava e queria apresenta-la as duas mulheres de sua vida, a mãe e Sofia.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sábado, 5 de julho de 2014

"...QUE MINHA SOLIDÃO ME SIRVA DE COMPANHIA. QUE EU TENHA A CORAGEM DE ME ENFRENTAR. QUE EU SAIBA FICAR COM O NADA E MESMO ASSIM, ME SENTIR COMO SE ESTIVESSE PLENA DE TUDO." CLARICE LISPECTOR. A MORTE É UM MISTÉRIO.. EVAIBRAHIM

ADEUS AO PAI

CAPÍTULO OITO

       Sandro crescia com saúde, estava acostumado com a escuridão; aceitava a situação e procurava aguçar os outros sentidos. Aprendera a tocar órgão e sentia-se feliz. O menino tinha ouvido apurado e talento musical. O padre Guima arranjou um lugar para ele tocar na Igreja ao lado da organista da paróquia. Gilda era a sombra do menino, cuidava e protegia o filho de todas as maneiras; Sofia também ajudava em tudo que fosse necessário.

       Porém, Danilo estava cada dia mais deprimido e se afogava na bebida; perdera o gosto de viver. Quando chegava à sua casa, tarde da noite e bêbado, acusava Gilda da cegueira do filho, depois deitava e dormia. Não era um homem mau, apenas não se recuperara do acidente do filho; ele se dizia acovardado. Trabalhava para sustentar sua família e nas horas de folga bebia muito.
        Quando Sandro estava com treze anos Danilo adoeceu e foi hospitalizado. Estava com cirrose hepática em estado avançado, era um caso irreversível, dissera o médico. Depois de alguns dias internado, Danilo faleceu. 
       Gilda se desesperou e foi saber por que o marido se fora tão rapidamente; era jovem demais para morrer. O médico foi categórico em afirmar que seu fígado não aguentara tanta bebida e a consequência fora à morte. 
      O padre Guima ajudou Gilda com os funerais e a consolou; gostava daquela família, que fora marcada com um fato tão terrível, o acidente que causou a cegueira do menino. Depois ele explicou à Gilda que muitas pessoas quando sofrem algum tipo de perda se fecham e perdem também o rumo. Ficam deprimidas e começam a beber, depois se isolam do mundo e chegam ao fundo do poço; então, desistem de viver. A morte ocorre por suicídio ou de forma natural, isto é, em consequência da agressão imposta ao organismo, como foi o caso de Danilo.

       A mulher estava viúva, não sabia descrever como se sentiu diante daquela notícia tão dolorosa e como poderia agir diante do filho, que agora teria privada sua convivência com o pai. Danilo, apesar de tudo, sempre procurou dar carinho ao filho e fazer suas vontades. Seria mais uma perda irreparável imposta ao menino, que já tinha sofrido muito com sua cegueira.

       Gilda teria que compensá-lo de alguma maneira, contava com Sofia ao seu lado para minimizar a ausência do pai. O menino chorou e ficou abatido por vários dias, gostava do pai e não entendia por que ele morreu. Gilda tentava suprir a falta de Danilo dando toda a assistência que podia ao filho.

      O tempo passava rápido, Sandro com dezoito anos de idade se formou no segundo grau e ganhou um acordeão de sua mãe; o rapaz ficou muito feliz. Rapidamente aprendeu a tocar o instrumento e foi convidado a tocar em uma Banda, que se apresentava na noite. Depois estenderam suas apresentações para festas de casamentos e Bailes de Debutantes. Sandro se entrosou rapidamente e passou a faturar um bom dinheiro com seu trabalho. Tornara-se um homem interessante e de gosto apurado.

     – Ganhava seu sustento e poderia se casar, não estava morto, tinha sentimentos e queria companhia. Todos os seus amigos tinham mulher ou namorada, ele também queria ter um amor, dizia Sandro para sua mãe.

      Era um rapaz bonito e inteligente; apareceram algumas moças interessadas nele, porém, Gilda as afastava do filho. Dizia que eram interesseiras e que ele se casaria com uma moça igual a ele. Assim, não haveria perigo de ser traído.

     A mulher recebia a pensão do marido e vendia as tapeçarias que fazia juntamente com a Sofia. O filho ganhava seu dinheiro tocando na banda com os amigos; era o que gostava de fazer. Entretanto, Sandro era ambicioso e queria aprender a tocar piano e músicas clássicas; demonstrava muito orgulho quando dizia que era músico. Na verdade, ele descobriu a música e nela se descobriu; foi o que o ajudou a superar a falta de visão.

     Gilda procurou um Conservatório de músicas onde houvesse partituras em braile, para que ele recebesse as aulas necessárias. O Conservatório ficava na cidade vizinha e a mãe ou Sofia o acompanhavam à escola. Passados dois meses, ele queria viajar sozinho, aprendera a viajar de ônibus. E, fazia questão de demonstrar independência, que podia e sabia andar sozinho com sua bengala.

      Nas primeiras vezes, Gilda fingia que não ia e o seguia para ter a certeza que nenhum mal lhe aconteceria. Com o tempo ela foi deixando que Sandro fosse sozinho, ele era esperto e a escola ficava em frente à parada de ônibus. O motorista e o cobrador sempre o ajudavam e assim ele sentia-se seguro.   
  
      Sandro gostava de frequentar o Conservatório, ficava eufórico no dia em que tinha aulas; fazia questão de estar vestido impecavelmente. Gilda e Sofia ficaram desconfiadas de que havia algo mais naquela escola. Gilda o acompanharia de longe, para assuntar o motivo de tanta euforia.

Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

"E, O QUE A GENTE LEVA, NÃO É O QUE ENCANTA OS OLHOS, MAS O QUE TOCA O CORAÇÃO." AUTOR DESCONHECIDO-- O TEMPO PROMOVE A CICATRIZ. EVA IBRAHIM.

A MÚSICA TOCA O CORAÇÃO
CAPÍTULO SETE

Gilda foi à Igreja agradecer ao Padre Guima por tê-la encaminhado ao Instituto para cegos.  A escola para crianças cegas era mantida pelo governo do Estado, Prefeitura local e comunidade. E, nada deixava a desejar em comparação às melhores escolas particulares da região. A pastoral da criança e o padre Guima também ajudavam na manutenção de tão importante projeto.

Naquele local eram aceitas crianças de toda a região, muitas viajavam todos os dias com condução cedida pela prefeitura, devido à distância de suas casas. O velho pároco ficou feliz por saber que a vida de Gilda estava em uma fase melhor, então, ele cobrou a presença de sua família na missa.

No domingo ela arrumou o filho e lhe disse que iriam à missa na Igreja do padre Guima. O marido não quis acompanha-los, pois, estava de ressaca da noite anterior. Sandro sentou-se no banco da frente entre a mãe e Sofia. O menino ficou encantado com as músicas tocadas na Igreja. Ele queria saber que instrumento era tocado e quem tocava. Em dado momento ele parou de falar e, extático pediu silêncio à sua mãe com o dedinho em riste na boca. Gilda ficou pasma esperando o que ele queria dizer com aquilo. Então, veio à surpresa.

-Aqui na Igreja podemos ouvir o eco da música, toca aqui e responde lá; isso é muito legal. Eu quero vir aqui outras vezes para ouvir esse som.
Gilda respondeu que voltariam ali quando a Igreja estivesse vazia para ele sentir o eco. Sandro estava contente, fazia novas descobertas e aguçava seus sentidos.

O pai não conseguia superar o acontecimento, se entregara à bebida. Era um bom homem, trazia todo seu salário e entregava à sua mulher, não queria que faltasse nada ao filho. Ele procurava agradar o menino, depois se fechava e saia para beber. “Queria afogar seu desgosto”, dizia a quem lhe perguntasse por que bebia.  Na verdade era uma fuga para não enlouquecer.

Gilda e Sofia construíram uma bela amizade, fruto de tamanha desgraça. Juntas decidiram fazer tapeçaria nas horas em que o menino estava na escola, depois vendiam e sempre conseguiam um dinheiro para suas despesas pessoais.

Na escola havia aulas de música para que as crianças sentissem a vibração das notas musicais. Cada criança sente a frequência a sua maneira, algumas cantarolam, outras ficam em silêncio e outras entram em euforia. A presença da música no dia a dia auxilia no desenvolvimento físico, pessoal, social, intelectual e emotivo, melhorando sua qualidade de vida e favorecendo sua inclusão no grupo.

No Instituto havia muitas atividades para movimentar o corpo. Os alunos de séries mais avançadas formaram grupos de danças folclóricas ao som de músicas. De mãos dadas eles ensaiavam danças típicas da região no galpão de lazer da escola. Nesse projeto esperava-se desenvolver a confiança de cada criança em seu companheiro, incentivando o equilíbrio e a desenvoltura do corpo. Sandro ficava sentado em um banco do salão ouvindo as músicas e o barulho dos sapatos no chão; parecia enfeitiçado.

No final do ano houve uma comemoração Natalina e o professor de música formou um coral com crianças de todas as séries. Ao todo eram trinta vozes e Sandro estava na fileira da frente com sua roupa de gala.

A festa foi muito bonita e o menino estava feliz. Gilda não se conteve e chorou ao ver o filho cantando. Danilo a puxou para perto de si, também estava emocionado. Por um momento a mulher sentiu que seu marido voltara a ser como era antes do acidente de Sandro. E, na noite de Natal o menino ganhou o presente tão esperado, um teclado musical infantil.

       Com o presente nas mãos ele sorria e dizia que iria tocar igual a “moça” da Igreja. O menino experimentava o instrumento sentindo a vibração de cada nota proferida. O teclado tornou-se o seu brinquedo favorito, uma necessidade de brincar descobrindo cada nota musical, escondida atrás das teclas. Assim, o menino ia aumentando suas descobertas e criando um novo mundo onde a música tocava o seu coração.

Um texto de Eva Ibrahim. 

sexta-feira, 20 de junho de 2014

"AMAR NÃO É QUERER ALGUÉM CONSTRUIDO, AMAR É CONSTRUIR ALGUÉM QUERIDO." AUTOR DESCONHECIDO---ASSIM É A VIDA, SEMPRE MUDANDO O CENÁRIO. EVA IBRAHIM


SUA VISÃO DE MUNDO

CAPÍTULO SEIS

      Gilda estava nervosa com o primeiro dia da permanência de Sandro na Escola Infantil para cegos; temia que ele se assustasse e desistisse da escola. A professora do menino foi recebê-lo com alegria e depois pegou em sua mão para conduzi-lo à sala de aulas. Ele titubeou e quis chorar, porém, Gilda o abraçou dizendo que ficaria ali até as aulas terminarem. Sandro iria completar seis anos e teria iniciada sua alfabetização, mas, para isso teria que sofrer um processo de adaptação, para depois iniciar seu aprendizado em braile.

     O grupo de educadores daquela escola explicaram para Gilda, que teriam que estimular a construção de sua visão mental de tudo que o cercava, dando significado a cada som ouvido, ou sentido a cada coisa percebida. A mulher ficou no fundo da sala, observando quieta tudo que se passava naquele local.
Seu filho permanecia sentado ouvindo a professora e os sons das outras crianças que estavam na sala de aulas. Essas crianças são mais quietas, pois precisam ouvir para decodificar a mensagem, então, são raros os burburinhos.

       Com muita segurança a professora chamava cada criança pelo nome e os estimulava a contar um pouco de suas vidas. Sandro ficou em pé e disse que não podia ver porque tinha machucado seus olhos e todos o aplaudiram desejando boas vindas ao pequeno menino. Gilda chorou silenciosamente, as lágrimas corriam pelo seu rosto indo morrer em sua boca, deixando um gosto salgado em sua alma. Aquele momento a elevou aos céus. Ela, então, compreendeu que tinha uma grande missão a cumprir; era coisa de Deus.

      A escola tinha uma proposta de apresentar o mundo para as crianças através dos sons, do toque, percepções táteis e gustativas, para suprir a falta da visão estimulando e explorando os outros sentidos. Começaram fazendo sons repetitivos e exercícios bucais para aprender a soltar a voz. A sala tornou-se um lugar de sons de todos os tipos, as onomatopeias estavam presentes.
    -O gato faz que som? E, todos miavam.
    -O cão faz que som? E, todos latiam.
E, assim sucessivamente os sons invadiam a sala. Rapidamente chegou a hora do recreio e mãe e filho se abraçaram; o menino estava alegre, gostara da escola.

      A ausência da visão seria compensada estimulando e explorando os outros sentidos, que permaneciam intactos, levando em conta suas potencialidades. A professora daquela classe parecia ter consciência da importância de considerar o potencial de cada criança e não salientar suas limitações. A criança cega terá em seus outros sentidos, seus olhos para o mundo e a música fará com que sinta muitas sensações, que sua alma reconhecerá em sentimentos e emoções, explicou a professora para Gilda.

      O som dos pássaros cantando, uma porta rangendo, os carros passando, o vento assoviando e o farfalhar dos galhos das árvores entre outros sons, despertam a percepção auditiva, que será seu maior trunfo na falta da visão. Além disso, terá aguçado o tato no reconhecimento das superfícies e de todas as coisas que podem ser tocadas; O contato com as pessoas e coisas próximas será um aliado imprescindível ao ouvido, para a formação de sua visão de mundo.

      O Instituto era excelente, ali trabalhavam as sensações gustativas, o olfato e a expressão corporal acompanhada de músicas. Percebeu-se que a música tinha o poder de relaxamento e contentamento; a criança aprende a se desenvolver através dela.

      Os dias iam passando e Gilda não precisava ficar assistindo as aulas, deixava o menino na escola e depois voltava para busca-lo. Ele estava gostando da escola e demonstrava alegria quando contava coisas que estava aprendendo com as outras crianças cegas.

       A mulher percebeu seus progressos quando ele pedia para tocar seu rosto com as mãozinhas e de seu pai também. Depois sorria dizendo que eram bonitos. O tato permite que a criança sinta a temperatura, textura, forma e linhas de expressão.

      Em outro dia, Gilda viu o menino tateando seu próprio rosto, sua pele, as roupas, enfim, tudo que fazia parte de seu corpo. Depois perguntou a mãe quais eram as cores de suas roupas. A mãe lhe explicou que ele estava muito bonito e com roupas coloridas, pois, era seu príncipe. Portanto, ele poderia criar uma representação simbólica para cada coisa que o cercava; ela seria a luz de seus olhos enquanto vivesse. O amor se fundiu em um longo abraço. 
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.
                               

sexta-feira, 13 de junho de 2014

"FAREI DAS MINHAS DORES ALGO TÃO LEVE, QUE POSSA SER LEVADO PELO SOPRO SUAVE DA ESPERANÇA DE DIAS MELHORES." AURÉLIA VASCONCELOS.--- A VIDA NUNCA PARA DE ENSINAR.EVA IBRAHIM


EM BUSCA DE LUZ

CAPÍTULO CINCO

       Danilo sempre fora um bom marido e pai amoroso até o dia do acidente, depois se tornou um homem amargo e arredio. Gilda mal podia falar de futuro ou de planos para Sandro, que ele fechava a cara e saia de casa; ia ao bar beber até altas horas. Quando chegava a sua casa estava cambaleando e fedendo a álcool.

      Gilda começou a ir à Igreja em busca de apoio de Deus e do padre Guima. O velho pároco estava sempre disposto a ouvi-la e compreender a situação da família. A mulher encontrara ali seu refúgio, onde expunha seus anseios e problemas conjugais.

      Foi lá que Gilda começou a perceber a sua realidade e entender o marido. O padre Guima lhe explicou que Danilo sentia-se esmagado pelo enorme desgosto de ver o filho cego. Pode ter sido devido ao fato de nunca ter conhecido uma pessoa cega. Com certeza ele tinha uma ideia errada de pessoas cegas, lembrando-se apenas dos cegos que vira na rua andando apoiados em outras pessoas, dando-lhe a impressão de total dependência. Ele carregava um preconceito que o fazia acreditar que Sandro sentiria a cegueira do mesmo jeito que ele.

      Traumatizado pelo desapontamento, o pai demorou a perceber que o filho é apenas uma criança, e ser cego é somente um aspecto de sua vida. A cegueira não o faz diferente das outras crianças, por isso o pai deve aprender a lidar com o filho e ajuda-lo a superar a mudança, ensinando lhe o caminho a ser trilhado.

      O padre Guima prometeu à Gilda que iria acompanha-la a uma escola para cegos, onde ela poderia ver que ali havia um mundo especial, cheio de outras crianças iguais ao Sandro. Gilda precisava convencer o marido a acompanha-los, pois, alguns pais sentem-se apoiados se conversarem com outros pais na mesma situação. Aqueles que já ultrapassaram a angustia dos primeiros meses servem de alento aos que ainda não se conformaram com a nova realidade.

      À medida que o tempo passa a criança começa a se desenvolver e a criar independência, isto é, a andar pela casa sem derrubar as coisas e a se localizar dentro de cada ambiente. Aprende a comer sozinha, tomar banho, vestir-se e a cuidar de si mesma, tornando-se independente.

      Gilda pediu ao marido que a acompanhasse e ao filho à escola que o padre Guima indicava. Ela queria conhecer o local e saber da possibilidade de colocar o menino para se socializar com as outras crianças. Danilo concordou em acompanha-los até a Instituição para crianças cegas, faria tudo pelo filho; o amava ainda mais.

      Sandro ficou alegre ao saber que iriam passear de automóvel, todos juntos, até a Sofia iria acompanha-los. Chegando a escola, foram recebidos pela Diretora que os levou para conhecer a Instituição. Havia muitas crianças cegas naquele local, cada uma com uma história diferente; as que já nasceram cegas e as que ficaram cegas depois de conhecer a luz. Todas viviam na escuridão, entretanto, não eram infelizes; brincavam e riam como todas as crianças daquela idade.

       O segredo, explicou a Diretora, para aquelas crianças estarem tão bem dispostas, chama-se amor, carinho e atenção; elas têm que se sentirem amadas, estimuladas a pegar nos objetos e a reconhecer as pessoas pela voz. Assim a curiosidade despertada as leva ao aprendizado. Elas gostam de ouvir conversas e que falem com elas, porque a audição de uma criança cega é muito aguçada; conseguem perceber sentimentos na voz de cada pessoa.

       O passeio foi bom e produtivo, haviam encontrado um lugar apropriado para o menino interagir com outras crianças e não viver tão só. Gilda estava mais leve, chegava a sentir-se alegre. Sentia que o padre Guima fazia o papel de seu anjo, ou seja, Dora a mulher negra continuava ao seu lado, agora em uma versão diferente. Gilda percebia uma energia boa e uma confiança muito grande no padre Guima, um sentimento que nunca sentira antes por ninguém.

Danilo, com Sandro seguro pela mão, parecia resignado. Sofia fazia parte daquela família por opção e os acompanhava tristonha; trazia muitas recordações em seu íntimo.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.
MEU MUNDO REINVENTADO.

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