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sábado, 1 de junho de 2013

"CUIDE DOS MEIOS, O FIM CUIDARÁ DE SI MESMO". MAHATMA GANDHI.--PIOR QUE ERRAR É NÃO QUERER MUDAR. EVA IBRAHIM

                                            O SAPATO
A casa grande com jardim e dois carros na garagem era um sonho antigo de Fábio, que finalmente se realizara. Pudera! Pensava o homem, trabalhara muito para concretizar seu sonho; estava feliz. Ele tinha uma família bonita; uma mulher amorosa e dois filhos saudáveis. Fábio trabalhava em uma multinacional onde ganhava um bom salário e quando tudo parecia correr bem apareceram às tentações. Com a prosperidade surgiram as mulheres dando em cima dele; era um homem vistoso e cheio da grana.
A princípio ele se esquivava, mas com a insistência começou a sair com algumas conhecidas e colegas de trabalho. Uma delas, Rosana, conseguiu mexer com seu coração. O homem sentia-se atraído por ela e a moça correspondia, tornando-se sua companheira assídua. Fábio e Rosana foram ao motel na sexta-feira após o expediente e passaram horas se amando loucamente. O homem satisfeito e feliz chegou à sua casa querendo descansar, porém, encontrou a sua sogra que viera visita-los.
Pego de surpresa com a visita inesperada, Fábio sentiu que teria que ser agradável com sua sogra, para que sua esposa não suspeitasse de sua traição. Ele queria dormir cedo, estava nervoso por ter que encarar a sogra, porém, Kátia, sua esposa, tinha outros planos e ele estava incluído. O homem teria que conduzir as duas mulheres ao supermercado. Não teve jeito e ele saiu com o automóvel levando mãe e filha; elas queriam fazer compras. Quando estavam no meio do percurso, ao descer uma ladeira, uma coisa bateu no pé de Fábio e instintivamente ele olhou para ver o que estava ali no piso do automóvel. Correu um frio pela sua espinha quando viu um pé de sapato de mulher.
 -Seria de sua amante? Não se lembrava de ter visto os sapatos que Rosana usava naquele dia; não era de reparar em sapatos.
Quem deve treme e ele estava com a consciência pesada pelas inúmeras traições que vinha cometendo e imediatamente pensou que aquele sapato poderia ser de Rosana. A moça esquecera o sapato no carro quando a levou para casa. Fábio ficou nervoso, teria que se livrar do sapato antes que sua mulher percebesse a prova de sua traição.
Dirigiu por alguns quilômetros evitando as subidas para que o sapato não voltasse para trás, teria que arquitetar um plano para se livrar daquele instrumento de acusação. O homem avisou às duas mulheres, que conversavam no banco de trás, que iria parar no acostamento para ver se tinha um pneu furado, pois ouvira um barulho na roda. Mãe e filha disseram não ter ouvido nada, mas ele insistiu e parou perto de uma grande construção. Dizendo para elas olharem a construção, que ali seria um futuro supermercado, ele abaixou-se, pegou o sapato e jogou para fora do automóvel. Depois saiu satisfeito, deu a volta no veículo e voltou dizendo que se enganara. Com um sorriso alegre sentou-se ao volante, estava livre da prova do crime.
Seguiram em frente e quando chegaram ao destino, às duas mulheres começaram a procurar alguma coisa por debaixo dos bancos. Fábio perguntou o que estava ocorrendo ali e sua esposa disse que elas não achavam o sapato de sua mãe. O homem segurava o riso, havia jogado fora o sapato da sogra e não de sua amante. Não poderia deixar que percebessem o engano, iria procurar  o sapato também. Se a velha "coruja" descobrisse a verdade, jamais o perdoaria; teria que dissimular.
Empenhou-se na procura, até o banco do automóvel ele tirou e nada de aparecer o calçado da velha senhora. Fábio sabia que não estava ali e divertia-se fazendo as duas de tolas. A sogra não se conformava, dizia que seus pés estavam doendo porque os sapatos eram novos, por isso os tirara dos pés.
 – Como um deles poderia ter sumido? Ponderava a mulher, já que não havia buracos no assoalho daquele carro novo.
As duas mulheres se entreolhavam atônitas. Reviraram o automóvel e nada do sapato aparecer. Finalmente conformadas disseram que voltariam no outro dia para as compras. Porém, o homem fingindo ser um bom genro se prontificou para ir comprar chinelos para a sogra poder fazer as compras com sua esposa. Fábio adentrou ao supermercado sorridente, não acreditava no ocorrido, o passeio estava divertido.
Durante o jantar ele fingiu estar pesaroso pelo ocorrido e prometeu procurar melhor no dia seguinte; teria que consolar sua sogra. O homem foi dormir aliviado, tomaria mais cuidado, essa foi por pouco, Ufa!!!

Um texto de Eva Ibrahim, inspirado em um conto popular.

sábado, 25 de maio de 2013

"NEM TODA PEDRA É TROPEÇO, AS VEZES PODE SER DEGRAU." KLEBER NOVARTES--- TENTE ACREDITAR EM SEU PODER DE SONHAR, VOCÊ NÃO FAZ IDEIA DO QUE É CAPAZ DE REALIZAR! EVA IBRAHIM.

                                             SEM DEFESA.

O relógio despertou e eu me levantei para ir ao banheiro, estava com uma estranha fisgada na perna direita. A dor na barriga começou logo a seguir e tive que me deitar novamente. Depois de uma hora estava desesperada sentindo náuseas, vômitos e pedindo para ser conduzida ao Pronto Socorro, precisava de ajuda.
Cheguei ao Hospital com muita dor em flanco direito, parecia que estava com um estilete fincado no baixo ventre, mal podia mexer a perna. Muito nervosa temia morrer; não conseguia imaginar o que seria aquilo. Uma angustia parecia me sufocar, agravando o quadro. O desconhecido assusta e o medo contribui para desestabilizar qualquer ser humano; eu já estava aterrorizada. A entrada do prédio representava a “Caverna do Diabo” onde eu seria imolada viva. Imaginava muitos cortes jorrando sangue, era assustador.
Meu marido se posicionava como pano de fundo, nada dizia, apenas observava. Estava visivelmente atônito pela situação estabelecida. Nunca foi esperto e agora estava mais do que nunca abobalhado. Sua postura era tímida e deixava claro, que não contassem com ele, pois, tinha medo de ver sangue. Estava pálido e trêmulo, me deixando mais nervosa.
O veículo parou na emergência e um rapaz de avental branco veio com uma cadeira de rodas para me levar para dentro. Pensei em recusar, mas, a dor era muito grande o que me levou a sentar na cadeira. Fui rapidamente conduzida para uma sala ampla, onde fui colocada na maca. Na sala havia muitos aparatos hospitalares, era uma sala de emergência. Em seguida vieram duas enfermeiras e começaram a trocar minhas roupas por um avental de cor verde. Fiquei deitada, totalmente vulnerável, aguardando a chegada do médico de plantão.
Um médico jovem, sério e compenetrado começou as perguntas de praxe:
 - “Onde dói? – Como é a dor? – Há quanto tempo essa dor começou”?
Apertou a barriga, verificou os sinais vitais e depois pedindo licença saiu da sala sem nenhuma conclusão.
Fitando o teto, onde um ventilador velho e sujo girava devagar, fiquei imaginando que minha hora da passagem havia chegado. Não suportava mais aquela dor, queria um remédio forte para dormir e não ver mais nada, mas, pelo jeito teria que esperar.
Vinte longos minutos, contados no relógio da parede, se passaram e a porta foi aberta. Com o médico vieram mais dois; estes eram mais velhos e conversavam entre si. Eu estava me sentindo um rato de laboratório, pronta para as pesquisas. Enquanto trocavam ideias, me examinavam. Flexionaram minhas pernas, apertaram meu abdômen e um deles disse que parecia ser uma apendicite aguda e deveria ser operada rapidamente.
Que horror!
Eles falavam de mim e eu não conseguia dizer nada, tamanho era o medo que sentia.
Fiquei imaginando minhas vísceras de fora, tive vontade de chorar, mas as lágrimas não saiam; meus olhos estavam secos. Os médicos deixaram a sala e fiquei sozinha por um instante, em seguida entraram duas enfermeiras. Eram mulheres de meia idade e pareciam eficientes e amáveis. Elas falavam em tom suave tentando me acalmar. Uma puncionava minha veia para colher sangue, a outra me instruía sobre pertences, enfermaria e acompanhantes. Era uma enxurrada de informações.
Devo ter tomado alguma medicação, pois, a dor foi diminuindo e uma sensação de torpor tomou conta de mim. Passei a cochilar enquanto me preparavam para a cirurgia; percebia as pessoas andando e falando, mas não participava, estava longe, só ouvia. Parecia flutuar no ar. Confesso que queria ficar assim por muito tempo.
De repente duas pessoas pegaram a maca e saíram empurrando, voava através de corredores sem fim. Fiquei encolhida para me proteger; a sensação era horrível, temia que a maca batesse nos batentes das portas. Finalmente chegamos á uma sala com um enorme foco no meio, ali estava o centro cirúrgico, medonho e assustador.
Passei para a mesa e veio uma avalanche de informações sobre medicamentos. Colocaram uma porção de panos verdes sobre mim e comecei a ficar mole, fechei os olhos e fui sumindo devagar.
Será que veria a tão famosa luz que todos veem nas experiências de quase morte? A última coisa de que lembro é um médico perguntando alguma coisa que não consegui responder. Fiquei á mercê deles.
Acordei assustada, não sabia onde estava ou as horas; estava com frio e sentindo uma grande dor na barriga. Tentei levar a mão até a dor, mas, não consegui, era pesada demais e as pernas não obedeciam; era o fim. Duas lágrimas correram dos meus olhos, queria viver, amar, dançar, passear e estava ali prostrada, sem defesa.
Alguns minutos depois apareceu uma enfermeira dizendo que estava tudo bem e que a cirurgia fora um sucesso. Olhei para cima e li “Sala de Recuperação”.
 Ufa!  Ainda bem!
Estava viva, por um momento pensei haver morrido e não vi luz alguma. Nem tudo estava perdido; meu encontro com São Pedro teria que esperar, ainda era cedo para partir definitivamente.
Sonolenta, cochilei novamente. Acordei quando pegaram a maca para me levar até o quarto na enfermaria.
Rapidamente fui conduzida por aqueles corredores enormes, balançavam e a dor na barriga aumentava. A sensação era a pior possível, estava fraca e queria estar em minha casa. Fui colocada na cama da enfermaria e coberta até o pescoço. Com soro no braço e um corte na barriga, procurei ficar imóvel, com os olhos fechados. Comecei a rezar, nada poderia fazer além disto.
Alguém me chamou; abri os olhos e vi meus filhos, estavam aflitos, queriam saber como eu estava. Com a presença deles uma nova esperança surgiu em meu coração. Queria viver para ver a família crescer unida e feliz; certamente a minha presença seria importante.
Depois de três dias recebi alta hospitalar, poderia me recuperar no aconchego do meu lar. Estava bem, a dor já não incomodava tanto, mais alguns dias e ficaria em forma novamente. Meus familiares me paparicaram bastante e em um mês já estava curada. As dores se foram, mas, ficou a cicatriz com a certeza de minha fragilidade.
Esse episódio me fez refletir bastante e valorizar mais á saúde. Hoje tenho certeza que a vida é tênue, vivemos em uma corda bamba e a qualquer momento podemos cair.
 Agora, falando sério!
Andar de maca? Nunca mais. Ficamos soltos e temos a impressão que vamos ser arremessados ao chão á qualquer momento. É o pior meio de transporte que já experimentei.
Maca só se estiver mal, muito mal mesmo, que Deus me livre e guarde.
Um texto de Eva Ibrahim.

sábado, 18 de maio de 2013

"QUANDO MEUS OLHOS ESTÃO SUJOS DE CIVILIZAÇÃO, CRESCE POR DENTRO DELES, UM DESEJO DE ÁRVORES E PÁSSAROS"-- MANOEL DE BARROS.-- A MUDANÇA DE UM ÚNICO HÁBITO PODE MUDAR TODA UMA VIDA. EVA IBRAHIM.


                                   POR UM FIO.
O aluno estava tão cansado que mal conseguia entender o que o professor falava; a última aula passara cochilando com a cabeça encostada na parede. O professor sabia de sua correria e fingia não ver; respeitava seu cansaço. Bruno trabalhava á noite como garçom e chegava á sua casa para dormir de madrugada. O movimento no Restaurante fora grande na noite anterior; havia música ao vivo e os clientes tardaram á deixar o local. Ele estudava no período da manhã e a tarde tinha outros afazeres relacionados com sua casa. Sua esposa trabalhava à tarde e ele ficava com o filho de cinco anos. Era raro conseguir dormir antes de sair para trabalhar, por isso estava tão cansado.
 Quando tocou a sineta para anunciar o término das aulas o rapaz, de um sobressalto, apanhou suas coisas e foi saindo. Cambaleando foi pegar a moto e acelerou apressado para chegar á sua casa e dormir um pouquinho, ou não aguentaria trabalhar logo mais á noite. O trânsito era intenso na Rodovia e ele resolveu cortar caminho adentrando em um bairro da periferia; logo estaria em sua casa.
Seguia absorto em seus pensamentos, pensava em tirar férias; iria falar com o gerente do Restaurante. De repente ele sentiu um puxão e foi arrancado da moto, em seguida começou a engolir um líquido quente. Sua roupa se encheu de sangue e parecia que iria morrer afogado. Uma sensação de morte iminente e uma porção de gente chegando. Bruno caiu no chão e sua visão foi ficando turva, até desfalecer. A última coisa de que se recorda é da sirene da polícia.
Quando acordou estava no Hospital com o pescoço todo enfaixado e uma dor latejante na garganta; tentou e não conseguiu dizer nada. Sua esposa entrou com um olhar desesperado, parecia muito nervosa. Alice chegou ao lado da cama, cuidadosamente pegou sua mão e perguntou se estava com dor. O rapaz queria responder, mas, sua voz não saia. A enfermeira entrou e pediu para a mulher não insistir, depois ele tentaria novamente. O médico dissera que foi um milagre as cordas vocais de Bruno não terem sido lesadas, mas, a região da garganta estava muito inchada, por isso ele não conseguiria falar.
Com gestos ele pediu papel e caneta, queria saber o acontecido. Alice estava com uma cópia do boletim de ocorrência onde o policial relatava os fatos. Bruno fora vítima de uma linha de cerol, que quase o degolou. Com vinte e cinco pontos no pescoço e muita sorte por ter sido preservada suas cordas vocais, o garçom e sua companheira choraram abraçados. O médico passou a visita e disse ao Bruno que ele havia nascido novamente, poderia ter morrido ou ficado mudo para sempre.
O rapaz ficou internado por cinco dias e quando saiu do Hospital não acreditava que estava vivendo aquela situação, precisava se recuperar rapidamente. O ano letivo estava no final e ele não poderia perder aulas; iria concluir o curso de contabilidade. O garçom queria deixar aquela vida noturna para procurar outro serviço, menos desgastante.
Alice não se conformava com o acidente do marido. Bruno era um homem sério e trabalhador e não merecia ser vítima da irresponsabilidade de desocupados. Acompanhada de seu irmão, ela foi até o local do acidente para saber quem foi o responsável por aquele episódio tão triste. Não conseguiu descobrir nada; ninguém sabia ou não queriam dizer. Depois de muito insistir, alguém lhe disse que eram rapazes desocupados que faziam linha com cerol e não crianças.
 Aos poucos Bruno começou a emitir sons e sua voz rouca foi voltando, mas a situação o deixou magoado e tristonho; o trauma calou fundo. O dia marcado para tirar os pontos foi aguardado com ansiedade, só então ele veria o tamanho do estrago. Quando olhou no espelho, o rapaz ficou trêmulo e viu a extensão da ocorrência. Lágrimas rolavam de seus olhos e a vida passava como um filme em sua cabeça. O filho querido aparecia em primeiro plano, sua esposa, depois a mãe, dona Joana, já velhinha e doente. Seu coração doía só em pensar que poderia causar tamanha dor aos seus entes queridos. Entendeu que a vida é uma dádiva de Deus e devemos viver intensamente. Estava vivo, Teria que agradecer aos céus; foi por um fio que ele não se foi. Um texto de Eva Ibrahim.

sábado, 11 de maio de 2013

"PERGUNTARAM À FLOR DE ONDE VINHA E ELA RESPONDEU: DE UMA SEMENTE QUE NÃO SE ACOVARDOU" AUTOR DESCONHECIDO.---ESCREVA E SEU SILÊNCIO GANHARÁ VOZ. EVA IBRAHIM


                                CORDA DE FUMO
O homem corria atrás do menino, que olhava furtivamente, pois, estava com medo de ser alcançado; a surra viria de qualquer jeito. A falta fora muito grave e o castigo seria justo, pensava o menino. Rogério tremia de medo, porque seu pai trazia a corda de fumo nas mãos.
Na casa de Jardel havia um lugar destinado a pendurar a corda de fumo, que fora feita pelo avô de Jardel e passada de pai para filho. Estava na casa dele há cinco anos e nunca fora usada, servia para tirar o diabo do corpo de quem precisasse.
Os antigos diziam que somente a corda de fumo afastaria o demônio do possuído, era a crença popular da região dos Jatobás. Corria um boato de que havia oito mil capetas em um antigo pé de Jatobá que ficava na praça central da vila. Ninguém tinha certeza, pois, não havia como contar capetas pulando de galho em galho, mas, era melhor evitar. Por isso as famílias mais antigas traziam suas cordas de fumo penduradas nas paredes para o caso de um capeta incorporar algum Jatoboaense.
Jardel trabalhava de ajudante de pedreiro para sustentar sua família, a mulher e quatro filhos. Alda, sua esposa, tinha pressão alta e diabetes, não podia sair para trabalhar e os filhos eram crianças em idade escolar; a família dependia dele.
Passavam muitas dificuldades naquela casa, o dinheiro era escasso, mas comida nunca faltou. Havia uma pequena horta no quintal e algumas galinhas poedeiras. Alda fazia o almoço logo cedo e mandava um dos filhos levar a marmita para o pai, que trabalhava em uma construção ali perto. Cada dia mandava um dos meninos e Alice, a filha, ajudava na casa. A mãe não entendia porque os meninos chegavam a discutir para levar o almoço do pai; parecia que gostavam muito da tarefa. Rogério, o mais velho, estava sempre pronto para pegar a marmita e levar para o pai. Alda achava graça, pois, crianças naquela idade gostam de brincar e os dela queriam agradar o pai; ela sorria feliz.  
Jardel recebia o almoço e procurava um lugar onde pudesse comer sem que os colegas vissem; pois sentia pena no olhar de cada um. A sua marmita era a única que não tinha mistura, nem um pedaço de carne ou um ovo frito, somente o arroz e o feijão.
Por diversas vezes tentou perguntar à Alda se não tinha nada para por na marmita, porém, acabava desistindo, tinha pena de sua mulher. Os colegas de trabalho de Jardel queriam dividir a mistura com ele, mas o homem não achava justo, pois todos tinham muito pouco. Ele sentia-se humilhado e comia longe das vistas dos outros, tinha vergonha daquela situação.
Um dia, os filhos tiveram que ir á Escola mais cedo e a mulher acompanhada da filha foi levar a comida ao marido. Quando Jardel abriu a marmita deu um sorriso; estava cheia e com muita mistura. Arroz, feijão, mandioca frita e um gomo de linguiça assada na brasa. O homem comeu com gosto sob os olhares atônitos dos colegas.
- Onde será que sua esposa arrumara dinheiro para comprar a linguiça? Ela vivia fazendo crochê e poderia ter vendido algum trabalho, pensou Jardel, feliz da vida. Chegou a sua casa alegre e queria agradecer à sua mulher, mas temia ofendê-la e resolveu ficar calado. Amava sua família e não queria brigas ali, comeria o que tivesse.
Na segunda-feira, Rogério levou o almoço e Jardel, ansioso, abriu a marmita. Estava como sempre, somente arroz e feijão; teria que conversar com Alda. Não era certo, ele trabalhava em um serviço pesado e merecia ao menos um ovo frito. Havia visto ovos sobre a mesa; não custava nada ela fritar um ovo para ele. Passou o resto do dia triste e nervoso, não poderia ficar calado, estava com vergonha dos colegas que queriam repartir sua mistura com ele.
Depois do jantar ele sentou-se com sua esposa e perguntou a ela se o dinheiro não dava para comprar mistura, ele estava preocupado. A mulher, surpresa, indagou ao marido o porquê daquela pergunta. Jardel, emocionado e com os olhos cheios de lágrimas disse que todos no serviço, tinham pena dele, que era o único que comia sem mistura.
A mulher ficou em pé e atônita disse ao marido que nunca mandara comida sem mistura para ele.
- O que estaria acontecendo?
 O pai chamou os três meninos e os dois menores começaram a chorar. Disseram que comiam as misturas quando levavam a marmita, mas quem comia mais era o Rogério, que ameaçava bater neles se contassem a alguém o fato.
O pai trancou os dois filhos menores no quarto, porque depois acertaria a conta com eles. Pegou o fumo em corda, que estava pendurado na parede e foi para cima de Rogério, o filho mais velho. Dizendo que é com fumo em corda que se tira o diabo do corpo das pessoas, ele saiu correndo atrás do filho.
As pessoas que passavam na rua paravam para ver o desfecho daquela situação. O Jardel, homem pacato, correndo na rua com a corda de fumo para bater no filho, era inédito; o caso parecia muito grave.
-Por que o homem estaria tão irado? Era a pergunta que estava em cada rosto ali parado. Alda veio atrás pedindo para o marido relevar a traquinagem e o homem parou no meio da rua. Não parecia certo resolver as coisas de sua casa na frente de pessoas estranhas, Jardel pensou e resolveu mudar de atitude. Rogério era um menino de treze anos e o pai não tinha pernas para acompanha-lo, mas tinha autoridade e foi assim que alcançou o filho.
–Pare agora ou você não entra mais em casa. Rogério parou e o pai pegou o menino pelo braço conduzindo-o a sua casa para apanhar de fumo em corda. Chegou a casa e o menino pedia perdão ao pai, dizia que fizera aquilo sem pensar, pois, tinha muita fome. Sabia que estava errado, mas era guloso e inconsequente.
Jardel dependurou a corda no lugar reservado e mandou que os três filhos sentassem no sofá e lhes explicou que o que fizeram era um ato desumano. Formavam uma família e repartiriam tudo o que tinham, mas teriam que respeitar uns aos outros e como castigo eles comeriam somente arroz e feijão durante seis meses. Os meninos permaneceram de cabeça baixa, pois sabiam que o castigo fora justo.
Ainda bem que o bom senso prevaleceu e o pai não utilizou a corda de fumo; não foi dessa vez, mas faltou muito pouco para a corda lamber as pernas dos meninos. Continua lá para qualquer dia tirar o diabo do corpo de quem necessitar. Um texto de Eva Ibrahim.

domingo, 5 de maio de 2013

"VOLTA TEU ROSTO NA DIREÇÃO DO SOL E, ENTÃO, AS SOMBRAS FICARÃO PARA TRÁS". SABEDORIA ORIENTAL. --- ENQUANTO HOUVER SONHOS, HAVERÁ POSSIBILIDADES--- EVA IBRAHIM


                                       PELA ESTRADA AFORA.
O automóvel parou no estacionamento do Supermercado e sua motorista tirou o cinto para descer do veículo. Tânia, a mãe de Isabela, a noiva do sábado seguinte, queria comprar flores e uma caixa de bombom para presentear sua irmã; desejava muito que ela comparecesse ao casamento de sua filha. Erica era a mais frágil das irmãs e a mais carente. Tânia preocupava-se com ela porque era depressiva e estava completando cinquenta anos; temia um agravamento do quadro. Toda mulher quando faz cinquenta anos fica arrasada, pois é um marco na vida de cada uma; pensava a mulher. Seguiria direto para a casa de Érica, teria que convencê-la pessoalmente ou sua irmã não iria ao casamento de sua filha.
Olhando pelo retrovisor do automóvel, Tânia percebeu dois homens se aproximando em atitude suspeita. Um jovem de cor parda e um menor de idade de cabelos louros. Ela tentou fechar o automóvel, mas, uma grande mão segurou o vidro e a outra mão empunhava um revolver horrível. Enquanto ela olhava paralisada, o menor de idade sentou-se no banco do carona, ao seu lado. O mulato entrou pela porta detrás e sentou-se com a arma encostada em sua cabeça. Quando ela estava dominada o bandido mandou que tocasse o carro.
 –Vamos dar um passeio tia, fique quieta e colabore, que nada de mal acontecerá, morou?  – Tá ligada velha?
A mulher tinha sessenta anos e nunca passara por uma situação parecida, estava apavorada. Pensou em seus filhos e depois elevou o pensamento a Deus, pois somente ele poderia tirá-la daquela situação triste. Ela sempre dirigiu muito bem, mas, sobre pressão sentia-se incapaz. Quando ela diminuía a velocidade, o bandido que estava no banco detrás cutucava seu pescoço com o revolver e perguntava se ela não tinha medo da morte. Tânia tremia e não conseguia dizer nada, estava paralisada; parecia um piloto automático dirigindo. Pensava em Isabela, que estava com tudo preparado para o casamento.
 –Se a mãe morresse a filha não poderia ficar feliz no dia mais importante de sua vida. Pensava a mulher entristecida.
Os bandidos diziam querer grana e procuravam um caixa eletrônico, em lugar tranquilo, para sacar dinheiro. Eles queriam muito dinheiro; o que deixava Tânia mais nervosa; ela não tinha muito dinheiro, gastara com os preparativos do casamento de sua filha. O menor de idade pegou a bolsa que estava no chão e começou a tirar as coisas que lhe interessava. Pegou o celular e perguntou ao outro se poderia ficar com ele.
 -“Vira lata me deixa ficar com o celular”?
–Depois eu vejo isso, respondeu Vira-Lata, vamos ao que interessa Alemão, tem cartão de Banco ai?
 – Sim, alguns. Respondeu o Alemão.
Mandaram a mulher estacionar o automóvel em frente a um Banco e pediram a senha. Enquanto um entrava para pegar o dinheiro o outro ficava com a arma apontada para ela, obrigando-a a agir normalmente. Retiraram o dinheiro que o caixa permitiu e saíram pela estrada afora, não queriam abandoná-la, pois pretendiam sacar mais dinheiro com outro cartão. Tânia estava desesperada, porém, não via saída; temia pela própria vida.
Rodaram enquanto havia combustível no tanque do veículo, depois pararam em um Posto á beira da estrada para colocar gasolina e comprar cervejas. O Vira Lata entrou na loja de Conveniência e o Alemão ficou no carro olhando o movimento. A mulher tinha um papel do pedágio ao alcance da mão e uma caneta no bolsão da porta do carro. Queria escrever alguma coisa, mas, era muito perigoso, se pegassem estaria morta, com certeza. Começou a rezar baixinho, precisava de um milagre. O jovem se distraiu com um caminhão de circo que entrou no pátio do Posto e Tânia escreveu no papel.
 “-Sequestro, socorro”.
Colocou dentro da nota de cinquenta reais que deu para o rapaz da bomba. Com uma caixa de cervejas no automóvel mandaram a mulher seguir em frente. O frentista ficou paralisado com o papel na mão e assim que o carro saiu ele mostrou para o gerente do Posto. O homem pegou o papel e ligou para a polícia dando as características do automóvel; em seguida foi informado que o automóvel seria interceptado.
Tânia orava baixinho enquanto os dois bandidos bebiam uma cerveja atrás da outra; parecia que estavam com muita sede. Ás vezes ela diminuía a velocidade e eles encostavam o revolver em sua cabeça, mandando correr. O automóvel seguia estrada afora e nem seus ocupantes sabiam onde iria parar. A mulher de tão nervosa que estava não conseguia pensar em nada, só em Deus.
Os bandidos davam sinais de embriaguez e Tânia diminuía a velocidade, eles apontavam a arma e ela corria, até que viram luzes vermelhas de carros da policia a um km de distância. Em pânico, os dois bandidos mandaram a mulher dar meia volta no automóvel e retornar. Eles estavam bêbados e pareciam enlouquecidos. Gritando, eles ameaçavam a mulher o tempo todo; o Vira lata dizia que se morressem ela iria junto com eles. Não havia retorno e ela seguiu em frente a toda velocidade, até derrubar a sinalização da pista e jogar o automóvel no barranco, que derrapou e capotou parando no meio do asfalto. Os dois homens ficaram tão surpresos que não tiveram tempo de reagir.
Os bandidos estavam muito bêbados e mal conseguiam sair do automóvel quando foram algemados pela policia. O Vira lata tinha um ferimento profundo na perna direita e o Alemão um corte na cabeça, nada sério para dois bandidos daquele porte. A mulher tinha algumas escoriações no braço e um corte no queixo. Foi retirada do carro e colocada no automóvel da policia onde recebeu água e se deu conta da gravidade da situação.
Os policiais a cumprimentaram por sua coragem e por ter conseguido avisar, no Posto de combustível, de seu sequestro. Ela estava a mais de duzentos quilômetros de sua casa, rodara duas horas com os bandidos no automóvel. Os três foram levados ao Hospital de uma cidade próxima onde os familiares da mulher foram encontrá-la.
Não conseguiu visitar sua irmã no dia de seu aniversário, mas, lhe deu um grande abraço no dia seguinte. Estava viva e fora agraciada com um milagre, pois soube que o Vira lata era fugitivo da Penitenciária e um assassino frio. O Alemão era aprendiz de bandido; ambos foram para a prisão, de onde não devem sair tão cedo.
Quando Antonio, o marido de Tânia, soube da ocorrência pensou imediatamente em um sonho que tivera alguns dias antes; ficara impressionado. Ele previra o acidente de sua mulher. 
Não pensaria mais naquilo, afinal Tânia estava bem, apesar do susto.
Aquele episódio deixou o homem apreensivo, mas não disse nada à Isabela, temia estragar o casamento. Fez uma oração e entregou a Deus; todos estavam vulneráveis. Um texto de Eva Ibrahim.

sábado, 27 de abril de 2013

"ALGUMAS PESSOAS SORRIEM COM OS OLHOS E ISSO ME ENCANTA". AUTOR DESCONHECIDO.-- FIDELIDADE NÃO É UMA QUESTÃO DE ESCOLHA, MAS DE CARÁTER. EVA IBRAHIM


                                                ALQUIMIA
A minhoca pulava na frigideira e Elena pensava na monstruosidade que estava fazendo. De repente a minhoca caiu fora da frigideira, em uma última tentativa de sobrevivência.
A vida do sítio na pequena cidade de Coqueiral sempre foi tranquila para o casal de lavradores e seus filhos. Roberto e os três filhos maiores cuidavam da roça. Havia plantação de legumes e verduras, que eram vendidas nas Centrais Estaduais de Abastecimento (CEASA) da capital. Elena cuidava dos afazeres da casa, das duas filhas menores e acalentava um sonho bem no fundo do coração. Queria mudar, com sua família, para a cidade e estudar os filhos; principalmente as meninas. Desejava que eles tivessem novas oportunidades na vida, o que certamente não seria possível na roça. Algumas vezes tentou conversar com seu marido, mas ele argumentava que não saberia o que fazer na cidade.
As meninas já estavam crescidas quando surgiu uma oportunidade de vender aquela propriedade e realizar o sonho de Elena. Roberto ficou animado, trocaria o sítio por uma casa de ferragens, compraria um automóvel novo e ainda teria um pouco de dinheiro para iniciar a nova vida. Em três meses a vida da família mudara radicalmente. Os filhos maiores foram estudar à noite e durante o dia ajudavam o pai na loja. Elena cuidava da casa e as meninas iam à Escola. O casal mantinha alguns animais no terreno ao lado da casa, inclusive um cavalo.
Depois de alguns meses, Roberto já não ficava em casa após o trabalho; tinha novos amigos e vivia nos bares. Sua esposa, em uma conversa séria, perguntou ao marido o que havia de errado, ele não parava mais em casa; mas ele saiu de fininho.
 – Foi ela quem quis mudar com a família para a cidade e agora ele tinha novos conhecimentos e queria viver a vida. Disse o homem empolgado.
Elena ficou muito preocupada, teria que vigiar o marido, pois seu comportamento mudara da noite para o dia. Quando a loja ficava fechada ele saia a cavalo com os amigos e chegava tarde à sua casa. Do homem amoroso e prestativo do tempo em que viviam na roça, restou muito pouco, agora era um homem da noite, vivia nas baladas. A mulher, em sua simplicidade, foi assuntar com a vizinha e perguntou o que queria dizer “balada”. Depois da explicação a mulher ficou mais assustada.
– Estaria sendo traída, será que o seu Roberto arrumara outra mulher?
Elena não tinha mais sossego, não dormia enquanto o marido não entrava em casa. Roberto sempre chegava cheirando a álcool e a perfume barato; caia na cama e nem olhava para sua esposa. A mulher, nervosa, ia se aconselhar com a vizinha. Um dia, a vizinha,  convidou Elena para irem á casa de uma benzedeira, dizendo que a mulher resolvia qualquer problema do coração.
Elena era temente a Deus e não gostava dessas coisas, iria pensar, depois resolvia. No dia seguinte, era domingo e Roberto ainda dormia quando bateram palmas em frente a sua casa e a mulher foi atender. Lá estava um homem montado a cavalo, vestia uma capa preta e era mal encarado. Um dos novos amigos de seu marido, que o estavam levando para a farra. Ela perguntou o que ele queria e a resposta a deixou irada.
 – Vim buscar o Roberto para irmos passear, conforme o combinado.
A mulher perguntou se ele não tinha vergonha de chamar um pai de família para ir atrás de coisas erradas, tais como, mulheres. Sorrindo o homem que se chamava Dito Santo, que de santo não tinha nada, respondeu:
 - Minha senhora, o que posso fazer se seu marido tem o dom de conquistar as mulheres?
 Empinou o cavalo e descaradamente aguardou o Roberto sair para acompanhá-lo. Elena ficou chorando, não poderia aguentar mais aquilo e foi pedir ajuda à vizinha, iria com ela até a casa da vidente. Após o almoço as duas mulheres foram procurar a benzedeira, que por uma quantia em dinheiro daria a receita de uma “Alquimia” para acalmar o marido de Elena. Depois do trato feito, a mulher garantiu sucesso absoluto se ela seguisse as regras.
Teria que encontrar uma minhoca em solo fértil e em seguida torrá-la em uma frigideira até virar um pó. Sentindo muita pena da minhoca, mas por motivo justo, segundo ela, capturou o ingrediente principal da "Alquimia".
A mulher tratou de pegar a minhoca que havia caído no fogão e a jogou de volta para a frigideira, a minhoca morreu. Enquanto o invertebrado virava pó ela sentia-se culpada por matar aquela criatura, mas iria em frente. Agora a receita dizia que teria que fazer um café e incorporar os restos mortais da minhoca no café e servir ao marido. Quando Elena terminou de preparar aquela Alquimia louca, o Roberto chegou todo alegre e sorridente; parecia feliz. A mulher colocou a garrafa térmica de café sobre a mesa e ele tratou de tomar logo uma xícara cheia. Ela sorriu baixinho, era hora da vingança.
O homem parecia ter gostado do café, depois da terceira xícara ele perguntou se Elena havia trocado o pó de café, pois estava muito bom. Ela respondeu que era o de sempre, mas fizera com amor, por isso estava gostoso. Tratou de agradar ao marido, sentia-se segura, ficaria com ele para sempre.
No dia seguinte seu marido parecia o mesmo, agia naturalmente, não mudara em nada. Elena ficou pensativa, teria que aguardar a Alquimia fazer efeito, talvez levasse algum tempo.
Os dias foram passando e seu marido saia de casa todos os dias, nada mudou; então ela percebeu que caiu no conto da vigarista. A minhoca morreu de uma forma triste e o sem vergonha do seu marido continuava o mesmo. A “Alquimia” não dera certo, teria que recorrer a Deus, pois, não havia minhoca que desse jeito no Roberto. Um texto de Eva Ibrahim.
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