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sábado, 11 de maio de 2013

"PERGUNTARAM À FLOR DE ONDE VINHA E ELA RESPONDEU: DE UMA SEMENTE QUE NÃO SE ACOVARDOU" AUTOR DESCONHECIDO.---ESCREVA E SEU SILÊNCIO GANHARÁ VOZ. EVA IBRAHIM


                                CORDA DE FUMO
O homem corria atrás do menino, que olhava furtivamente, pois, estava com medo de ser alcançado; a surra viria de qualquer jeito. A falta fora muito grave e o castigo seria justo, pensava o menino. Rogério tremia de medo, porque seu pai trazia a corda de fumo nas mãos.
Na casa de Jardel havia um lugar destinado a pendurar a corda de fumo, que fora feita pelo avô de Jardel e passada de pai para filho. Estava na casa dele há cinco anos e nunca fora usada, servia para tirar o diabo do corpo de quem precisasse.
Os antigos diziam que somente a corda de fumo afastaria o demônio do possuído, era a crença popular da região dos Jatobás. Corria um boato de que havia oito mil capetas em um antigo pé de Jatobá que ficava na praça central da vila. Ninguém tinha certeza, pois, não havia como contar capetas pulando de galho em galho, mas, era melhor evitar. Por isso as famílias mais antigas traziam suas cordas de fumo penduradas nas paredes para o caso de um capeta incorporar algum Jatoboaense.
Jardel trabalhava de ajudante de pedreiro para sustentar sua família, a mulher e quatro filhos. Alda, sua esposa, tinha pressão alta e diabetes, não podia sair para trabalhar e os filhos eram crianças em idade escolar; a família dependia dele.
Passavam muitas dificuldades naquela casa, o dinheiro era escasso, mas comida nunca faltou. Havia uma pequena horta no quintal e algumas galinhas poedeiras. Alda fazia o almoço logo cedo e mandava um dos filhos levar a marmita para o pai, que trabalhava em uma construção ali perto. Cada dia mandava um dos meninos e Alice, a filha, ajudava na casa. A mãe não entendia porque os meninos chegavam a discutir para levar o almoço do pai; parecia que gostavam muito da tarefa. Rogério, o mais velho, estava sempre pronto para pegar a marmita e levar para o pai. Alda achava graça, pois, crianças naquela idade gostam de brincar e os dela queriam agradar o pai; ela sorria feliz.  
Jardel recebia o almoço e procurava um lugar onde pudesse comer sem que os colegas vissem; pois sentia pena no olhar de cada um. A sua marmita era a única que não tinha mistura, nem um pedaço de carne ou um ovo frito, somente o arroz e o feijão.
Por diversas vezes tentou perguntar à Alda se não tinha nada para por na marmita, porém, acabava desistindo, tinha pena de sua mulher. Os colegas de trabalho de Jardel queriam dividir a mistura com ele, mas o homem não achava justo, pois todos tinham muito pouco. Ele sentia-se humilhado e comia longe das vistas dos outros, tinha vergonha daquela situação.
Um dia, os filhos tiveram que ir á Escola mais cedo e a mulher acompanhada da filha foi levar a comida ao marido. Quando Jardel abriu a marmita deu um sorriso; estava cheia e com muita mistura. Arroz, feijão, mandioca frita e um gomo de linguiça assada na brasa. O homem comeu com gosto sob os olhares atônitos dos colegas.
- Onde será que sua esposa arrumara dinheiro para comprar a linguiça? Ela vivia fazendo crochê e poderia ter vendido algum trabalho, pensou Jardel, feliz da vida. Chegou a sua casa alegre e queria agradecer à sua mulher, mas temia ofendê-la e resolveu ficar calado. Amava sua família e não queria brigas ali, comeria o que tivesse.
Na segunda-feira, Rogério levou o almoço e Jardel, ansioso, abriu a marmita. Estava como sempre, somente arroz e feijão; teria que conversar com Alda. Não era certo, ele trabalhava em um serviço pesado e merecia ao menos um ovo frito. Havia visto ovos sobre a mesa; não custava nada ela fritar um ovo para ele. Passou o resto do dia triste e nervoso, não poderia ficar calado, estava com vergonha dos colegas que queriam repartir sua mistura com ele.
Depois do jantar ele sentou-se com sua esposa e perguntou a ela se o dinheiro não dava para comprar mistura, ele estava preocupado. A mulher, surpresa, indagou ao marido o porquê daquela pergunta. Jardel, emocionado e com os olhos cheios de lágrimas disse que todos no serviço, tinham pena dele, que era o único que comia sem mistura.
A mulher ficou em pé e atônita disse ao marido que nunca mandara comida sem mistura para ele.
- O que estaria acontecendo?
 O pai chamou os três meninos e os dois menores começaram a chorar. Disseram que comiam as misturas quando levavam a marmita, mas quem comia mais era o Rogério, que ameaçava bater neles se contassem a alguém o fato.
O pai trancou os dois filhos menores no quarto, porque depois acertaria a conta com eles. Pegou o fumo em corda, que estava pendurado na parede e foi para cima de Rogério, o filho mais velho. Dizendo que é com fumo em corda que se tira o diabo do corpo das pessoas, ele saiu correndo atrás do filho.
As pessoas que passavam na rua paravam para ver o desfecho daquela situação. O Jardel, homem pacato, correndo na rua com a corda de fumo para bater no filho, era inédito; o caso parecia muito grave.
-Por que o homem estaria tão irado? Era a pergunta que estava em cada rosto ali parado. Alda veio atrás pedindo para o marido relevar a traquinagem e o homem parou no meio da rua. Não parecia certo resolver as coisas de sua casa na frente de pessoas estranhas, Jardel pensou e resolveu mudar de atitude. Rogério era um menino de treze anos e o pai não tinha pernas para acompanha-lo, mas tinha autoridade e foi assim que alcançou o filho.
–Pare agora ou você não entra mais em casa. Rogério parou e o pai pegou o menino pelo braço conduzindo-o a sua casa para apanhar de fumo em corda. Chegou a casa e o menino pedia perdão ao pai, dizia que fizera aquilo sem pensar, pois, tinha muita fome. Sabia que estava errado, mas era guloso e inconsequente.
Jardel dependurou a corda no lugar reservado e mandou que os três filhos sentassem no sofá e lhes explicou que o que fizeram era um ato desumano. Formavam uma família e repartiriam tudo o que tinham, mas teriam que respeitar uns aos outros e como castigo eles comeriam somente arroz e feijão durante seis meses. Os meninos permaneceram de cabeça baixa, pois sabiam que o castigo fora justo.
Ainda bem que o bom senso prevaleceu e o pai não utilizou a corda de fumo; não foi dessa vez, mas faltou muito pouco para a corda lamber as pernas dos meninos. Continua lá para qualquer dia tirar o diabo do corpo de quem necessitar. Um texto de Eva Ibrahim.

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