MOSTRAR VISUALIZAÇÕES DE PÁGINAS

quarta-feira, 20 de março de 2019

"JÁ OUVI SILÊNCIOS SÁBIOS, JÁ OUVI CONSELHOS VÃOS, JÁ VI BEIJOS SEM USAR OS LÁBIOS, E TOQUE SEM USAR AS MÃOS. E DESSA OBSERVÂNCIA CALMA, UM VERSO EU DEIXO DE LIÇÃO: FELIZ É QUEM TOCA COM A ALMA, E ENXERGA COM O CORAÇÃO" GABRIEL CASTRO

A ENCRUZILHADA

CAPÍTULO NOVE
             Alceu olhava para sua esposa e via nela um porto seguro, então, a abraçava com os olhos. Estava carente, num momento frágil de sua vida. Havia muitas questões para serem decifradas, ele não era igual as pessoas de suas relações. Sentia uma presença ao seu lado, mas não tinha certeza se era seu anjo ou alguma entidade perdida.

            Elisa estava desconfiada de sua lealdade, pois, ele gritara com uma mulher, enquanto dormia. Alceu tentou segurar as mãos de sua esposa, porém, ela as retirou de seu alcance e levantando-se disse:

              - Quero uma boa explicação, ou a partir de hoje você irá dormir no quartinho dos fundos. Não quero traidor ao meu lado!

               Ela estava realmente muito brava e ele sabia que não seria fácil convencê-la; sentia que ela cumpriria o prometido. No entanto, sabia também, como comovê-la e começou a chorar. Elisa voltou e sentou-se ao seu lado, era uma mãezona. Assim, entre um soluço e outro, ele começou a contar tudo que havia acontecido e terminou dizendo:

           - Nunca mais eu vou fazer entregas sozinho, ou vou com André ou com um funcionário do supermercado. Eu fiquei muito impressionado com aquela visão, não quero mais passar por isso.

           Elisa abraçou o marido, que parecia uma criança assustada. Ela sabia como era difícil a luta interna, que o marido travava, desde os dezessete anos, com coisas desconhecidas. Deitou-se bem juntinho ao marido e ficou alisando seus cabelos até ele adormecer, estava condoída pela situação. Enquanto isso, Alceu se acalmava e voltava a dormir. Elisa, apreensiva, fez uma oração, precisavam de paz, tinham filhos para criar.

         Assim, mais alguns anos se passaram e quando ele completara quarenta e cinco anos, aconteceu um fato muito estranho. Era final de tarde da quinta-feira santa e o freguês, que estava a cavalo, pediu ao Alceu para levar suas compras até o sítio. Argumentou dizendo, que no dia seguinte nada ficaria aberto e ele precisava dos mantimentos.

            Alceu era prestativo, mas desta vez titubeou, porque o sítio ficava a doze quilômetros do supermercado. Aquela era uma região de muitos pequenos agricultores, sitiados ao redor da cidade. Uma clientela fiel e difícil de se negar alguma coisa. Sendo assim, diante da insistência do freguês, concordou, mas levou com ele um funcionário da empresa.

             Já era tarde e ele não conhecia o caminho, foi se orientando pelo rabisco que o freguês fizera numa folha de papel. Estava escuro quando chegaram à casa do cliente, descarregaram e saíram rapidamente, não queriam chegar tarde em casa.

            Pegaram a estradinha de volta e chegaram à uma encruzilhada, que não tinham reparado estar ali antes. Ficaram espantados, mas não havia outra estrada para ser seguida.

             - Estamos perto, com certeza. Dizia Alceu, tentando convencer a si próprio. Não é possível! Cadê a estrada por onde passamos?

            Alceu estava ficando nervoso e repetia que estavam perto, o tempo todo, para o companheiro. No entanto, nunca chegavam, parecia que andavam em círculos. Luís, seu companheiro, estava preocupado, sua esposa não gostaria que ele chegasse tarde em casa, eram recém-casados.    

             Nessa época não havia celular, somente o relógio e o rádio do caminhão. Depois de uma hora de idas e vindas o caminhão morreu, o motor simplesmente apagou. Alceu tentou fazer o motor pegar novamente, mas não obteve sucesso.

           Quando olhou o relógio, já marcava vinte e três horas e trinta minutos. Os dois homens sentaram-se no banco e tentaram cochilar, nada poderiam fazer senão esperar, que alguém passasse por ali ou esperar o dia amanhecer.

Quando eles iam pegar no sono, ouviram o barulho de cavalos, mas, quando saíram para pedir ajuda, não havia nada lá fora. Voltaram e ficaram encolhidos no banco do caminhão, estavam ficando com medo.

Já passava da meia noite e era sexta-feira santa, deveriam estar em casa e não no meio do mato. Os dois homens se entreolharam e começaram a rezar o “Pai Nosso”, estavam em uma encruzilhada.
 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 13 de março de 2019

"AMAR" "...AMAR A NOSSA FALTA MESMA DE AMOR, E NA SECURA NOSSA AMAR A ÁGUA IMPLÍCITA, E O BEIJO TÁCITO, E A SEDE INFINITA." CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


ENTRE O CÉU E A TERRA

CAPÍTULO OITO
               Alceu continuava a frequentar o centro espírita e seus estudos; tinha como conselheiro um dos médiuns do lugar. A família do rapaz evitava falar sobre qualquer assunto, que tivesse alusão a coisas espirituais. Ninguém da família tinha conhecimento para entender o que se passava com ele; tinham medo do desconhecido.

            As pessoas ficavam embaraçadas e mantinham-se caladas, quando Alceu dizia ter visto alguma aparição ou ouvira vozes. Quirino e Rosa ficavam tristes ao ouvir os relatos do filho; temiam que ele ficasse louco. Entretanto, passavam meses sem que ele tivesse qualquer crise ou tocasse no assunto  e, a vida seguia em paz.

Algumas visões, sempre escutando vozes, falando sozinho, estas eram as rotinas do rapaz. O seu mentor dizia que ele não tinha dons para se tornar um médium, o que acontecia com ele era inexplicável. Muitas vezes, não contava a ninguém suas visões, para não ser olhado como uma pessoa esquisita.

Anos depois, Alceu estava fazendo entregas nas casas dos clientes e um deles morava longe. O supermercado tinha como norma, nunca recusar vendas. Assim, ele adentrou a rodovia para chegar à casa do freguês, já era noite, estava cansado e com fome. Dirigia distraído e quase atropelou um cachorro, que atravessava a pista.

Brecou seco e bateu a cabeça no para-brisa, depois, atordoado seguiu o seu caminho. Alguns quilômetros à frente surgiu uma mulher, que pulou para dentro da pista, em frente ao caminhão. A figura, iluminada pelo farol do veículo, acenava pedindo uma carona.

Alceu sentiu pena da mulher perdida na noite, mas não gostava de dar caronas, existiam relatos de assaltos, que se iniciavam assim. Então, acelerou e seguiu em frente.

             Era uma noite escura, que já tomara conta de tudo e, alguns quilômetros à frente, surge outra mulher acenando para Alceu parar o caminhão. Com surpresa ele constatou, que não se tratava de outra mulher, era a mesma. Ela tinha um estranho vestido amarelo e cabelos crespos de cor clara, eriçados, não seria possível confundi-la com ninguém.  O rapaz sentiu um arrepio e pensou:

             - Como ela veio parar aqui? Tem alguma coisa estranha nessa pessoa. Amedrontado, tocou em frente.

             Alceu fez a entrega dos mantimentos e tomou o caminho de volta. Estava cansado e aquela mulher o deixara temeroso, assim, queria chegar o mais rápido possível em sua casa. E, na volta quando passava por aquele local da aparição, a mulher surgiu do nada. Lá estava ela pedindo carona novamente.

          O rapaz não sabia o que fazer, então resolveu parar e encarar a situação, iria dar carona para a mulher. Encostou o caminhão e quando desceu para perguntar o que ela estava fazendo na estrada, ela simplesmente desapareceu.

             Ele andou em volta do caminhão e olhou por todos os lados, não havia ninguém por ali. Assustado, Alceu tomou a direção novamente, estava amedrontado.

           – O que será isso? Será algum aviso? Onde estará aquela mulher?

            Voltou para sua casa e não disse nada à sua esposa, foi dormir dizendo que estava muito cansado.

            Ele teve um sono conturbado e a certa altura gritou;

            - Mulher, o que você quer comigo? E acabou acordando sua esposa, que deu um pulo e chacoalhando o marido perguntou:

               - Quem é essa mulher, alguma vagabunda da beira da estrada? Gritou Elisa.

             Alceu sentou-se na cama e disse:

              - Não é nada disso, vou te contar o que aconteceu. Prepare-se, existem coisas entre o céu e a terra que são incompreensíveis e surpreendentes.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 6 de março de 2019

"AMAR' "...ESTE O NOSSO DESTINO: AMOR SEM CONTA, DISTRIBUÍDO PELAS COISAS PÉRFIDAS E NULAS, DOAÇÃO ILIMITADA A UMA COMPLETA INGRATIDÃO. E NA CONCHA VAZIA DO AMOR A PROCURA MEDROSA, PACIENTE, DE MAIS E MAIS AMOR". CARLOS DRUMMOND ANDRADE

O ANJO
CAPÍTULO SETE
           Uma década se passou e Alceu nunca mais teve visões ou ouviu vozes. Estava casado, tinha duas filhas e continuava a trabalhar com o pai e o irmão. O comércio crescera bastante e, consequentemente necessitou de ampliação, tornando-se um supermercado, que dava sustento a todos. Marília e o marido também trabalhavam no novo estabelecimento; eram muito chegados à família. E, os avós continuavam morando ali, tranquilos e felizes.

              Certo dia, um conhecido da roça adentrou ao supermercado e encheu um carrinho de compras, depois pediu ao Alceu se ele poderia fazer a entrega em sua casa. O freguês deveria seguir viagem até a cidade vizinha. Tinha negócios lá e sua mulher precisava da comida para o jantar.

              Quirino ouviu a conversa e ficou preocupado. Fazia dias que chovia sem parar e, a estrada que dava acesso à casa de Raimundo era de terra, em uma região de morros e montanhas. Corria notícias de que havia quedas de barreiras por aquelas bandas.

            - Alceu, se você for fazer a entrega do Raimundo debaixo desse tempo, é melhor que leve seu irmão junto. Disse o pai preocupado.

            – Sim pai, vou chamar o André. Concordou o rapaz.

           Carregaram o caminhão com mais pedidos, que entregariam ao longo do caminho. Estavam acostumados com os fregueses, sempre pedindo para entregar as compras em suas casas. Entretanto, o sítio do Raimundo ficava a quinze quilômetros da cidade e era um trajeto perigoso em dias de chuva.

Quando saíram o céu estava fechado, uma barra negra se aproximava, trazendo uma grande tormenta para a região; era a promessa da natureza.

André ainda tentou argumentar com Alceu dizendo:

 - Vamos deixar as entregas para amanhã bem cedo, parece que vai cair o mundo e pode ser perigoso.

            Mas, Alceu respondeu que se comprometera com os fregueses, que aguardavam os alimentos para fazer o jantar.

            – Não podemos perder a confiança dos nossos clientes, vamos em frente.

            As estradas de terra esburacadas e tortuosas provocavam um arrepio no corpo dos dois rapazes. Em dez minutos, começou a chover torrencialmente e o caminhão seguia a quarenta por hora.   Havia um silêncio, que era quebrado pelos relâmpagos, que riscavam o escuro da noite e os dois irmãos se encolhiam temerosos. Alceu não enxergava quase nada.

Estavam no meio do caminho quando avistaram um veículo parado junto ao barranco, era um automóvel preto com o pisca alerta ligado.

              André pediu para o irmão parar, para socorrer quem estivesse em perigo dentro do automóvel. Poderia ter mulheres e crianças ali, que não poderiam ignorar.

              Alceu diminuiu a velocidade para encostar o caminhão, no entanto, apareceu um homem diante do veículo, fazendo sinal para eles seguirem em frente.

              O homem vestia uma roupa esquisita, parecia um árabe, daqueles que usam túnicas brancas. Era uma figura estranha, que acenava freneticamente, indicando a estrada. Os dois irmãos sentiram medo e Alceu acelerou, saindo dali rapidamente. Depois de alguns longos minutos de correria, avistaram um posto de gasolina e resolveram entrar e tomar um café quente; estava muito frio.

           Ao adentrar o recinto perceberam que não havia ninguém por ali, no entanto, estava tudo aberto e resolveram procurar o dono. André esbarrou em uma estante derrubando uma lata, que fez muito barulho, então ouviram pedidos de socorro. Seguiram os gritos e chegaram nos fundos do posto. Os apelos de socorro vinham detrás da porta do depósito, que estava trancada.

              Os dois rapazes arrombaram a porta e encontraram o dono, a sua esposa, o filho e dois funcionários. Depois de deixarem o local, contaram que foram assaltados por três rapazes, que chegaram em um carro preto e estavam fortemente armados.

             Fazia uma hora mais ou menos, então o dono do posto perguntou por onde vieram e eles disseram ter visto um veículo preto parado com o pisca alerta aceso.

              Alceu ficou pálido e o André amparou o irmão.

             – Meu Deus, se tivéssemos parado, seríamos assaltados também. Disse André.

              - Aquele homem da túnica branca era o mesmo que vi na janela do hospital, ele nos salvou. Deve ser meu anjo da guarda. Balbuciou Alceu.

              Aguardaram a chuva diminuir, tomaram um café quente e prosseguiram para fazer as entregas. Quando voltaram já era tarde, todos haviam se recolhido, menos Quirino, que aguardava os filhos chegarem.

           - Graças a Deus vocês chegaram, eu estava com um mal pressentimento, disse o pai aliviado.

            - Você estava certo pai, um anjo nos salvou de um assalto. Responderam em coro os dois irmãos.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

"AMAR" "...AMAR SOLENEMENTE AS PALMAS DO DESERTO, O QUE É ENTREGA OU ADORAÇÃO EXPECTANTE, E AMAR O INÓSPITO, O CRU, UM VASO SEM FLOR, UM CHÃO DE FERRO, E O PEITO INERTE, E A RUA VISTA EM SONHO, E UMA AVE DE RAPINA." CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

DE VOLTA À VIDA

CAPÍTULO SEIS
           O paciente permaneceu mais dez dias na enfermaria e, finalmente, apresentava condições de receber alta e voltar ao seu lar. Motivo de alegria e felicidade para toda a família, no entanto, Rosa e Quirino temiam as conversas do filho. Alceu parecia acreditar no que dizia e seus pais não podiam contrariar o rapaz. Ele convalescia de uma terrível intoxicação, que quase o matou.

           Para não piorar a situação, acabavam concordando com tudo que o filho dizia. Mas, aquela história da pombinha merecia uma explicação ou até uma investigação. Quirino ouvira falar de um centro espírita, que poderia ajudar a família a entender os fatos. Iria procurar ajuda para o Alceu, esclarecendo tudo aquilo de maneira racional.

            O paciente voltou para casa e parecia tranquilo, estava razoavelmente bem, no entanto, havia momentos em que sua mãe ficava assustada. Por diversas vezes, Rosa parou na porta do quarto espantada, vendo o filho conversar com alguém invisível. Ela estava ficando muito preocupada com a sanidade mental do filho. André e Marília já estavam reclamando do irmão, que só falava em aparições e vozes, que somente ele via e ouvia.

            O médico, que atendeu o paciente em seu retorno, ficou surpreso com a situação relatada pelos pais e encaminhou o rapaz ao psicólogo. Alceu foi à três sessões com a psicóloga indicada pelo médico, mas ele parecia mais distante da realidade do que antes, então, Quirino resolveu leva-lo ao centro espírita.

         O rapaz não queria ir à casa de assistência espiritual, mas foi convencido pela mãe, que o acompanhou na primeira visita. Chegando lá foram recebidos com cordialidade e encaminhados para uma roda de estudos.

            No salão principal havia cerca de quarenta pessoas, jovens, adultos e idosos. Estavam sentados em cadeiras formando uma roda ovalada, cada um tinha um caderno em suas mãos. Gentilmente foram colocadas mais duas cadeiras, para acolher mãe e filho.

            Um senhor moreno conduzia os estudos, cada pessoa havia levado uma tarefa para casa. E, um de cada vez se levantava e lia o que havia conseguido como resposta à pergunta, que havia retirado do pequeno baú de conhecimentos.

         Alceu ficou interessado pelos assuntos discorridos ali. Em seguida, foi encaminhado para tomar passes com os médiuns, que com a imposição das mãos e desejos profundos de amor, paz e cura, destilavam energia positiva. As pessoas saiam dali com uma sensação de bem-estar e bons pensamentos.

       Mãe e filho deixaram o local felizes, era um ambiente de paz e serenidade, tudo que Rosa buscava para sua família. Alceu fez amizades na comunidade espírita e não perdia as reuniões, mesmo quando Rosa não podia ir, ele comparecia.

           E foi ali que ele conheceu Elisa, a mulher de sua vida. Os dois estavam sempre juntos e ela o ajudava nos estudos bíblicos e no curso técnico que ambos faziam à noite.

            Durante o dia ele ajudava seu pai na mercearia e a noite ia à escola ou ao centro espírita. Assim, com seus dias tomados por compromissos e o namoro com Elisa, Alceu não teve mais visões. 

           - Estava curado ou apenas aprendera a controlar seus pensamentos?Ás vezes, ele se perguntava isso.

           Sentia-se feliz e desejava viver intensamente; era jovem e esperava muito da vida.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

"AMAR" "...QUE PODE, PERGUNTO, O SER AMOROSO, SOZINHO, EM ROTAÇÃO UNIVERSAL, SENÃO RODAR TAMBÉM E AMAR? AMAR O QUE O MAR TRÁS À PRAIA, O QUE ELE SEPULTA. E O QUE NA BRISA MARINHA É SAL OU PRECISÃO DE AMOR, OU SIMPLES ÂNSIA?" CARLOS DRUMMOND ANDRADE

EU ESTAVA LÁ

CAPÍTULO CINCO
           Quirino foi visitar o filho e ficou alegre com a notícia, que ele fora transferido para a enfermaria, porque as visitas seriam facilitadas. Os irmãos poderiam vê-lo com mais frequência e os avós também. Estava determinado a não tocar no assunto da pombinha, queria que aquela história caísse no esquecimento; jamais iria incentivar uma maluquice daquelas.

            No entanto, depois dos cumprimentos o filho perguntou?

             – Os filhotes de pombinhos já chocaram? Já devem ter nascidos, estavam bicando dentro dos ovos. Depois desviou o olhar e disse:

            - Havia um anjo nos observando, estava sentado na janela.

            Quirino ficou assustado com aquela conversa esquisita, teria que sair dali antes de se alterar e prejudicar o filho. Era um homem do campo e tinha pouca leitura, nada sabia sobre coisas sobrenaturais.

            Ele conhecia as histórias que os mais velhos contavam, mas nada parecido com as conversas de Alceu. Sentia muito medo de tudo aquilo e temia que o filho estivesse ficando maluco. Precisava sair dali rapidamente, então, disfarçou dizendo que a mãe queria entrar e saiu tropeçando porta afora.

            Rosa entrou constrangida, não queria falar sobre aquela história, que a incomodava muito, mas não tinha como evitar. Beijou o filho e este foi logo perguntando sobre os pombinhos. Então, ela disse:

            - Seu pai e o André subiram no telhado e viram o ninho e os dois filhotinhos, depois apareceu a mãe deles, que levava comida para alimentá-los. Alceu, eu preciso que me conte tudo, desde o princípio. Como soube da mudança?

            - Mãe, eu acho que sai do corpo, eu podia volitar, isto é, me locomover sem esforço e sem tocar o chão. Quando percebi onde estava fiquei assustado, era a estrada que leva ao sítio. Em seguida, o velho caminhão do pai apareceu e vinha em minha direção, eu dei sinal, mas ninguém me viu. Então, sentei na carroceria e prossegui a viagem com vocês.   

             - Foi exatamente no dia em que você teve uma parada cardíaca meu filho, disse a mãe com medo daquela história. O médico disse que você quase morreu, justamente no dia da mudança.

           O paciente respirou fundo, queria ganhar forças para prosseguir:

- Enquanto vocês descarregavam o caminhão, eu fiquei sentado no telhado e vi quando a pombinha entrou por debaixo das telhas. Depois que a pombinha saiu para procurar comida, eu ergui a telha e pude ver os dois ovinhos. De repente, me deram um puxão tão forte que voltei ao meu corpo. É o que aconteceu, por isso sei que mudaram para cá.

                 A mãe estava chorando quando Alceu terminou a frase e ele se emocionou. 

                 - Não precisa chorar mãe, estou bem e hoje eu vi um anjo sentado na janela, o pai estava aqui.

           - Meu Deus, cada vez piora mais, não sei o que faremos daqui para a frente.  Rosa sussurrou preocupada.

           Havia uma nuvem sobre sua cabeça, parecia que os seus miolos estavam queimando.
                  Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

"AMAR" "QUE PODE UMA CRIATURA SENÃO, ENTRE CRIATURAS, AMAR? AMAR E ESQUECER, AMAR E MALAMAR, AMAR, DESAMAR E AMAR? SEMPRE, E ATÉ DE OLHOS VIDRADOS, AMAR?" CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

A POMBINHA

CAPÍTULO QUATRO
            No dia da mudança, a família de Alceu não teve tempo de ir ao hospital; havia muito trabalho a ser feito. E, no dia seguinte souberam que ele tivera um agravo à sua saúde. Começou com febre alta durante a noite e teve, no decorrer do dia, uma parada cardíaca, que muito preocupou os médicos. Conseguiram reverter o quadro e o paciente voltou à vida, mas ainda corria riscos, pois, desenvolvera um foco infeccioso.

           Seguiram-se dias preocupantes, cheios de medos e incertezas. O paciente parecia debilitado e aumentava o temor de que ele nunca mais voltasse à lucidez. Estava preso em uma cama e ligado ao oxigênio por uma traqueostomia; ficaria em um estado vegetativo por tempo indeterminado. Este pensamento estava preso em cada pessoa da família e do hospital, mas ninguém se atrevia a falar.

           Mais uma semana se passou sem novidades, fazia um mês que ele tivera contato com o agrotóxico. Os médicos diziam que Alceu estava melhor, já não tinha febre, mas não sabiam porque ele ainda não acordara. As drogas foram suspensas fazia três dias e ele continuava inconsciente. Estavam aguardando algum sinal ou reação de retorno à consciência.

               No domingo à tarde, a mãe estava ao lado da cama do filho, quando ela percebeu um movimento nas pálpebras do rapaz. Em seguida, ele mexeu as mãos e quando ela apertou a mão dele, recebeu um aperto de volta. A mulher, então o chamou pelo nome:

             - Alceu? Filho, estou aqui, abra seus olhos, por favor.

             E, para sua surpresa, ele abriu os olhos. A mãe ficou tão feliz que o beijou na face deixando cair lágrimas em seu rosto.

               - Mãe? A pombinha ainda está lá no abrigo?

                - Onde? Como?

               - Na garagem da casa nova.

               - Como você sabe da casa nova?

               - Eu vi vocês mudando e lá na casa nova tinha um ninho em meio as telhas do abrigo. Era uma pombinha cinza, pequena, aquelas do mato, chocando dois ovinhos.

               A mulher não entendeu nada, espantada se perguntou:

             - Como é possível ele saber disso, se estava em coma no hospital?
Mas ela estava feliz por ver que o filho estava bem e disse calmamente:

           - Não sei, mas vou verificar e depois trago notícias.

Quirino recebeu a notícia da recuperação de Alceu com alegria e curioso, foi ver se realmente existia um ninho no telhado da garagem.

              André e o pai subiram no telhado e quando levantaram a telha ficaram em estado de choque. Lá estavam os dois filhotinhos, recém-saídos das cascas dos ovos, de boca aberta esperando comida. Trataram de cobrir o vão novamente e descer do telhado, para esperar a mãe dos pombinhos.

             Sentaram-se nas cadeiras da área da frente e ficaram aguardando a chegada da mãe. Logo surgiu uma pombinha caipira com uma minhoca no bico; fez uma parada no vaso de samambaia e depois pulou para o vão do telhado. Estava confirmada a visão de Alceu, mas como explicar isso? Havia espanto, incertezas e dúvidas nos olhares do pai, da mãe e do irmão André; estavam sem rumo.

              A mãe foi a Igreja, conversou com o padre expondo suas dúvidas e incertezas. Este ouviu calado e depois disse:

           - Senhora, existem coisas que são inexplicáveis, me parece que seu filho teve uma experiência de quase morte, isto é uma EQM. Trate isso com leveza e agradeça a Deus pela recuperação do rapaz, depois, se quiser pode pesquisar sobre isso. Existem muitos relatos sobre este assunto e trabalhos sérios de pesquisas científicas.

           A mulher voltou para casa com uma sensação estranha, o seu filho tinha visões. Ela não sabia se aquilo era do bem ou do mal, tinha medo do desconhecido. 
            - Será que Alceu está ficando louco? Pensou e uma ruga de preocupação fincou em sua testa.

 Quirino também não entendia nada daquilo e abraçando sua mulher disse:

        - Estou com medo de tudo isso, Deus que nos proteja.
Um texto de Eva Ibrahim Sousa

MEU MUNDO REINVENTADO.

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