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quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

"OBRIGADO PELAS CONVERSAS, PELA ATENÇÃO, PELOS CONSELHOS "INFALÍVEIS", PELO ELOGIO QUE SÓ VEM DE QUEM AMA E, PRINCIPALMENTE, POR TE IMPORTARES COMIGO". AUGUSTO BRANCO

OLHAI POR MIM

AS CADEIRAS CHEIAS

CAPÍTULO UM
O taxi corria pela rodovia, levava pessoas ansiosas para o encontro marcado no centro assistencial “CASA DO CARINHO”. Alceu estava acompanhado da mãe, da esposa e do irmão André. O irmão era o primogênito da família e fora o único compatível, entre todos os pesquisados, familiares e banco nacional de medula, para o transplante que salvaria a vida de Alceu.

Ele estava com linfoma em estado adiantado. Durante algumas noites o paciente delirava, estava febril e com uma fraqueza extrema. Então, sonhava que estava sendo atendido na referida casa de assistência espiritual.

 A família, em sua maioria, era católica e não conhecia a instituição. Ficaram espantados com os relatos dos sonhos de Alceu. Eles nunca ouviram falar da tal casa e nem Alceu sabia do que se tratava. Era um sonho repetitivo, que ocorria em várias noites da semana, mesmo depois de sair da crise febril.

 Ele via em seu sonho uma casa grande, pintada de branco com portas e janelas azuis, rodeada de árvores frondosas, que pareciam ser flamboyants, pois estavam carregadas de flores vermelhas. Na entrada havia um letreiro em letras grandes: “CASA DO CARINHO”.

Um homem alto, claro, de olhos azuis o esperava na porta e o recebia com um sorriso. Depois, ambos entravam em um salão amplo, cheio de pessoas atentas a uma palestra. Mas, Alceu acordava sempre na hora em que iria ouvir, o que estavam falando.

O irmão prometeu pesquisar onde ficava essa casa e, se realmente existia esse lugar, depois iria acompanha-lo até lá.

- Iremos onde quer que esteja essa casa, reiterou André, compadecido da situação do irmão.

Depois de meses internado, Alceu recebeu alta hospitalar.  Assim, a família contratou um taxi para leva-los até a instituição de assistência espiritual, que ficava a duzentos e cinquenta quilômetros de distância do hospital onde Alceu se encontrava.

Ele precisava conhecer o local e ver aquele homem de olhos azuis. Parecia ideia fixa, só pensava naquilo. O paciente, bastante debilitado, estava com uma traqueostomia, pois estivera em coma por muitos dias e ainda inspirava cuidados especiais, mas parecia feliz.

Seguiram até o veículo, estavam todos contentes, pois o irmão doente estava melhor e seria atendido pelas entidades do local. Havia uma expectativa de que Alceu seria definitivamente curado por espíritos de luz. Aqueles sonhos deveriam significar alguma coisa, que eles não entendiam; disso eles tinham certeza.

Saíram bem cedo, ainda estava escuro quando pegaram a rodovia. A palestra ocorreria as nove horas e o motorista conhecia bem a região, por isso todos estavam tranquilos.

No entanto, quando chegaram à Casa do Carinho, a palestra já havia terminado. Houve uma intercorrência, um pneu do automóvel furou e eles se atrasaram. O paciente ficou algum tempo olhando tudo por ali, já conhecia o lugar.

Todos ficaram desapontados, mas André conseguiu que o mentor do local os atendesse, porém, deveriam esperar para entrar; já havia pessoas sendo atendidas pelo mentor. Alceu, então, fez um comentário para sua esposa:

- Mesmo que tivéssemos chegado a tempo, não teria lugar para sentarmos, as cadeiras estão cheias. Será que todas estas pessoas estão aguardando outra palestra?

              Elisa, sua esposa, arregalou os olhos e respondeu:

           - Ainda tem pessoas sentadas, mas tem muitas cadeiras vazias, você não consegue ver?

              – Não mulher, as cadeiras estão todas ocupadas.

               Rosa, a mãe do rapaz, ouvindo isso ficou assustada e perguntou desconfiada:

           - Quem são as pessoas que estão sentadas nas cadeiras? Alceu respondeu calmamente:

           - Mãe, são pessoas comuns, iguais as outras, homens e mulheres vestidos de branco. Estão concentradas em oração e parecem serenas.

           As duas mulheres se entreolharam e sentiram um arrepio correr pelo corpo. Não queriam contrariar Alceu, mas as cadeiras estavam vazias.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

"O QUE QUER QUE ACONTEÇA NAS ESTAÇÕES DE NOSSAS VIDAS, A GLÓRIA QUE VAI SER REVELADA PARA NÓS UM DIA, VAI OFUSCAR AS DORES DE HOJE, COMO SE ELAS NUNCA TIVESSEM ACONTECIDO". ROMANOS 8:18

UMA ESTRELA BRILHANTE

CAPÍTULO TREZE
           O ano seguinte passou rápido e as feridas de Benjamim fecharam. Ele ficou dois meses no hospital e depois foi levado para a casa do médico, que o deixou aos cuidados da família do caseiro. Ele precisava de acompanhamento de fisioterapia e retornos semanais ao hospital, por isso não poderia voltar para sua casa na zona rural.

             O Dr. Catena estava muito atento a tudo o que acontecia com o menino. Ele tinha uma afeição especial, que o aproximava de Benjamim. Alguma coisa dizia para ele ajudar aquele menino:

             - Deve ser coisa de Deus! Pensava olhando para o céu.

            O médico vivia em uma bela casa com sua mãe idosa, depois que sua esposa faleceu de câncer de mama. A mãe e o filho se juntaram na solidão e um apoiava o outro. Ele tinha um filho que estudava na Inglaterra e só voltava para casa nas férias de julho.

           Olavo Catena era um médico famoso, ortopedista de valor e muito rico.

             -“Um Semideus”, diziam seus subordinados, com admiração.

           Ficava pouco em casa, vivia dando palestras em simpósios e congressos, além de seu trabalho no hospital, onde era o maior acionista. Era fino, carismático e elegante; muito respeitado por todos. Os atendimentos eram, em sua maioria, gratuitos.

             Quando voltava para casa logo mandava chamar o Benjamim; queria saber de seus progressos nos estudos. O menino frequentava a escola juntamente com o filho do caseiro, ambos se tornaram amigos. A vida ali era simples e confortável, tinham acesso a piscina, campo de futebol, sala de jogos e a biblioteca da casa grande.

            Dona Aurora, a mãe do médico era bondosa e prestativa, tratava o menino como se fosse seu neto. E nas horas de folga, ela ensinava o menino a tocar piano. Ele e Miguel, o filho do caseiro, terminaram o ano letivo e Benjamim não queria voltar a morar com seus pais. O menino da roça queria estudar na cidade grande; tornara-se um cidadão urbano.

            Dirceu foi buscar os dois meninos para passar férias no sítio, mas percebeu que seu filho estava se afastando deles, tinha outros interesses. O doutor, quando viu Dirceu, o chamou para uma conversa e lhe pediu permissão para colocar seu filho em um colégio interno.  Ele foi claro dizendo:

           - Se ele se empenhar eu financio seus estudos. Faremos dele um bom médico para cuidar de todos nós, na velhice.

               Teresa chorou, os irmãos ficaram com inveja, mas Benjamim seguiu seu caminho; tinha um futuro promissor. Dirceu ficou espantado e surpreso, mas não poderia negar essa oportunidade ao filho. Então, o abençoou desejando-lhe muita sorte.

            No começo foi difícil, mas cada vez que o menino ia visita-los, eles agradeciam a Deus pela oportunidade de ter um filho estudado e muito educado. Teresa fazia orações, todas as noites, de agradecimento ao médico que cuidava de seu filho.

Benjamim tornara-se um rapaz alto e forte, admirado por todos. Tinha bons princípios, era humilde e nunca abandonou seus pais. Chamava o doutor Catena de tio e o respeitava muito.

Os pais estiveram em sua formatura e choraram de felicidade ao ver o filho ser chamado de doutor. Rui se casou com uma moça das redondezas e continuou a trabalhar com seu pai. Marília estava noiva de um soldado da vila e logo se casaria também.

Benjamim foi trabalhar com o doutor Catena, a quem estimava como a um pai. O médico o introduziu na sociedade local e ficou feliz quando ele começou a namorar uma moça de família conhecida.

Em pouco tempo, Benjamim conquistou novos amigos, casou-se com Mariana e tornou-se um médico requisitado. O velho doutor já não viajava muito, retirava-se de suas atividades gradualmente. No entanto, estava sempre pronto a discutir casos com Benjamim, sempre orientando e esclarecendo dúvidas do jovem médico.

Dona Aurora faleceu em uma véspera de Natal, a idade a levou e deixou o médico mais solitário. O filho do doutor Catena fixou residência em Londres e visitava o pai uma vez no ano.

 Benjamim era seu filho de fato, Dirceu era o pai biológico que recebia a visita do filho, de vez em quando. Teresa estava conformada e orgulhosa de seu menino, que agora iria ser papai.

 Os anos continuaram em seu galope e os cabelos brancos cobriram a cabeça do doutor, que se isolava, cada vez mais, da vida em sociedade. Seus passos ficaram lentos, seu corpo pesado e sua fala mansa; agora ele passava o tempo lendo e meditando.

 Parecia um Semideus mesmo, sentado em sua cadeira de balanço vendo o Sol se por. Uma figura nostálgica de alguém que deu tudo de si com firmeza, para reger a vida de todos que o rodeavam. Era rígido e fascinante, sabia dar o tom na música da vida.

 Benjamim ocupava seu lugar com muita eficiência e humildade. Assim se apresentava a vida para todos na virada do ano dois mil. 

  E, no dia primeiro do ano, enquanto todos dormiam, o Dr. Olavo Catena deixou o corpo velho e cansado para subir aos céus, tornando-se mais uma estrela brilhante nas noites escuras. E, na terra deixou sementes de amor e determinação no coração das pessoas que o conheceram.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa


quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

"AMADOS, AMEMOS UNS AOS OUTROS, POIS O AMOR PROCEDE DE DEUS. AQUELE QUE AMA É NASCIDO DE DEUS E CONHECE A DEUS. QUEM NÃO AMA NÃO CONHECE A DEUS, PORQUE DEUS É AMOR". JOÃO 4:7-8


SENTIMENTOS

CAPÍTULO DOZE
             Os dias que se seguiram foram mesclados de ironias e desaforos, direcionados a Benjamim por seus irmãos. Eles estavam revoltados, a Magrela ficara amarrada no teto do rancho e a possibilidade de tirá-la de lá era muito remota. O pai a confiscara e além disso, não havia dinheiro para trocar os pneus.

           Benjamim sentia-se acuado, sabia que fora imprudente, mas nunca pensara que iria provocar tantos problemas. A mãe o mimava tentando agradá-lo, para minimizar suas dores físicas e emocionais. O pai se mantinha fora das discussões, mas era duro em suas decisões e, os filhos sabiam disso.

             Como o prometido à curandeira, Dirceu e Teresa levaram o filho ao médico, que depois de uma inspeção nas mãos do menino disse:

            - As queimaduras das palmas das mãos são as que mais inspiram cuidados, pois, algumas bolhas estouraram e ficou evidente a profundidade das queimaduras. Precisam ficar sempre limpas e umidificadas para crescer a carne nas feridas. Parou por um instante, coçou a cabeça e depois continuou:

            - As mãos devem ser observadas para identificar pontos de infecção. Se o menino tiver febre devem retornar imediatamente. Por hora, basta tomar analgésicos e usar a pomada que está na receita.

                     Os três saíram dali preocupados, as palmas das mãos de Benjamim estavam em carne viva e doíam muito. Foi o contato com a borracha quente dos pneus, que corroeram suas mãos.

              Assim que o ano novo passasse, Dirceu iria com o filho até o hospital, onde ele estivera internado. Cumprindo assim, o retorno agendado referente a fratura do fêmur.

            Teresa estava triste, ela temia que o filho ficasse internado novamente; lágrimas caiam de seus olhos ao pensar nisso. Trazia no peito sentimentos contraditórios. A mãe queria que o menino permanecesse com eles no sítio. No entanto, sabia que no hospital seria melhor para ele. Com a assistência adequada, o filho teria o tratamento necessário e consequentemente a cura mais rápida. E Benjamim não teria os irmãos para chateá-lo.

              Dirceu também tinha seus medos, mas queria que todos pensassem que era durão, então, chorava escondido. Benjamim sempre fora seu ponto fraco, por ser traquinas, por ser o que sempre estava machucado e o mais impetuoso dos seus três filhos.

              Depois do ano novo, Teresa arrumou as coisas do filho e no meio das roupas colocou uma medalhinha de Nossa Senhora. A mãe acreditava que assim, seu menino seria protegido pela virgem e ela ficaria mais conformada em ficar longe dele.

              Sentados na sala de espera, entre outros pacientes, viram quando o doutor Olavo Catena chegou para assumir seu posto, depois das festas de final de ano.

            Quando o médico cruzou seu olhar com o menino, ele sorriu e fez um aceno com as mãos. Estava evidente a simpatia que nutria pelo garoto. Fixou seu olhar nos curativos das mãos de Benjamim e, espantado, não se conteve:

             - O que foi isso filho? Vamos conversar. Abriu a porta esperando o Benjamim e seus pais entrarem.

             E, dentro do consultório abraçou o menino, cumprimentou seus pais e indicou as cadeiras para que se sentassem. Em seguida, sentou-se também e com seriedade perguntou o que havia acontecido.

             Depois de ouvir a história da bicicleta, ele quis ver os ferimentos e assustado balançou a cabeça, estava desapontado. E voltando para sua mesa disse:   
   
           - Benjamim, você precisa ficar internado para curar suas mãos e prosseguir no tratamento da fratura. Essa aventura vai lhe custar mais algum tempo no hospital.

            Teresa começou a chorar, estava com um nó na garganta. Entre soluços e lágrimas, explodiram sentimentos de emoção a muito contidos e  a mulher precisou ser levada para fora pelo marido.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

"PORTANTO, NÃO SE PREOCUPEM COM O AMANHÃ, POIS O AMANHÃ SE PREOCUPARÁ CONSIGO MESMO. BASTA A CADA DIA O SEU PRÓPRIO MAL". MATEUS 6:34

                     NA BERLINDA

CAPÍTULO ONZE
            A mulher mantinha-se na cama quieta e com os olhos fechados; o sono demorou a voltar. Dava para ouvir os barulhos da roça, um latido de cães ao longe, que era respondido em diversos lugares e distâncias diferentes. Uma melodia canina fazendo eco na madrugada, com pequenos intervalos de silêncio.

           Na árvore, perto da janela do quarto do casal, havia corujas piando, uma, duas, três, eram várias e deixavam os sentidos de Teresa aguçados. Não gostava da presença de corujas, traziam mensagens de mau agouro, segundo o consenso popular.

          Havia muitas perguntas no ar e não havia respostas possíveis, naquela noite de Natal. O dia amanheceu e quando Teresa acordou de um breve cochilo, Dirceu não estava mais na cama. Levantara-se muito cedo e saíra para ver a destruição do incêndio diante da luz do dia. Os estragos no rancho foram pequenos, os maiores estavam dentro do peito de Dirceu.

            Ele estava nervoso e muito bravo com tudo aquilo. Preferia ficar calado até a raiva abrandar ou acabaria por ofender sua mulher no dia de Natal. Ela não merecia, Teresa era uma boa mulher e também uma mãe amorosa.

Quanto ao Benjamim, este lhe dava muitas preocupações, temia pelo seu futuro. Ainda não vira as queimaduras nas mãos do filho, teria que enfrentar mais essa situação. Seu coração estava escuro, triste por ver o menino sofrendo física e emocionalmente.

Dirceu sentia saudades de quando via o filho montado a cavalo, correndo pelos pastos sem camisa. Parecia forte e imbatível, no entanto, agora Benjamim ficava contido em uma cama. Não estava fácil para ninguém, havia nuvens de desconfortos no ar.

 O pai entendia o que o menino fizera e também não encontrava culpados para aquela atitude intempestiva. Antonio, seu cunhado, nem sabia do acidente e trouxera a bicicleta para alegrar os sobrinhos, não seria justo culpa-lo pela frustração do afilhado.

            O Sol brilhava forte e aquele seria um Natal diferente, todos cansados e com mágoas uns dos outros. Mas, ele não estragaria o que restava do dia tão esperado. Pensou no nascimento do menino Jesus, era um dia de alegria para todos os cristãos. Iria tomar algumas atitudes para pacificar os ânimos.

           Voltou para casa e encontrou Teresa fazendo café. Aproximou-se dela e beijou seu pescoço, ela deu um passo atrás, então, Dirceu a abraçou e disse:
            - Feliz Natal mulher, eu te amo. Não vamos estragar o Natal dos meninos reunidos. Em seguida a beijou.

            - Obrigada homem, também te amo, vamos fazer de conta que não aconteceu nada nesta noite. Vou fazer um almoço especial de Natal.

            Em seguida, foram ver Benjamim, que gemia baixinho enquanto cochilava. Dirceu disse a Teresa que iria buscar Bibiana para fazer curativo nas mãos do filho.

            A curandeira ficou preocupada com as queimaduras nas mãos do menino e disse ao casal:

              - É melhor leva-lo ao médico, isso pode infectar e piorar a situação de Benjamim. Em alguns pontos a queimadura foi profunda.

             O homem, então, disse que faria isso no dia seguinte.

            – Vou leva-lo até o posto médico da vila, para conseguir um remédio para aliviar as dores das queimaduras. 

          A curandeira concordou com a cabeça e seguiu de volta para sua casa, ficara realmente preocupada. As queimaduras não eram apenas superficiais, careciam de cuidados médicos e teriam um longo processo de recuperação. Em sua sabedoria popular ela tinha esse entendimento.

                  Benjamim sentia muitas dores, mas evitava reclamar, pois tinha quatro olhos de censura, o tempo todo, pregados nele. Rui e Marília não o perdoavam por ter estragado a bicicleta. Ela ficara encarregada de levar e oferecer os alimentos para o irmão. Rui, o irmão mais velho, deveria ajudar em sua locomoção para o banheiro e arrumar suas calças, pois Benjamim tinha as mãos queimadas.

          Os dois sentiam raiva de Benjamim e ainda tinham que passar por criados dele, isso era terrível; estavam revoltados. Ficavam calados para não aborrecer a mãe, mas olhavam com olhos que fuzilavam o irmão. O menino estava na berlinda e precisava da ajuda de todos, até para suas necessidades íntimas.

           Com Benjamim acuado e os irmãos irados, foi assim, que transcorreu o dia de Natal da família.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

"A RESPOSTA CALMA DESVIA A FÚRIA, MAS A PALAVRA RÍSPIDA DESPERTA A IRA".PROVÉRBIOS 15:1



                    CHAMUSCADO

CAPÍTULO DEZ
          O menino parecia hipnotizado, ficou algum tempo alisando o selim, o guidão e os para-lamas da bicicleta; seus olhos brilhavam de satisfação. A Magrela era azul brilhante, estava seminova e tinha até porta-malas; era um luxo para os padrões da época.

         Benjamim fez vários movimentos para poder sentar-se, ao menos um pouco, no selim da bicicleta. Mas, o quadro do modelo masculino era alto, sua perna não alcançava e o gesso era pesado para levantar.

            Frustrado, o menino sentou-se em cima dos sacos de milho, que estavam no canto para serem debulhados e dados aos animais e onde colocara a lamparina para iluminar a bicicleta. Os milhos ainda estavam com suas palhas secas e ao tentar pegar na roda da Magrela para fazer girar, a lamparina caiu em cima dos sacos. Iniciando, então, um pequeno incêndio no local.

             Benjamim tentou tirar a bicicleta dali, foi seu primeiro impulso, precisava salvá-la a qualquer custo. Não poderiam perder tamanha joia, recém adquirida pelas mãos generosas do tio.

                O fogo crescia rapidamente e ele tentou sair daquele local, mas, as muletas atrapalharam e Benjamim acabou caindo no degrau do rancho. O barulho acordou o Foguete e o Rojão, os dois cães da família, que latiam freneticamente. O menino começou a chorar tentando puxar a Magrela pela roda. Mas, o pneu estava soltando fumaça e queimou suas mãos.

                Dirceu acordou assustado e levantou-se rapidamente. Havia histórias de roubos noturnos na região:

               - Será que são os ladrões? Pegou a espingarda e saiu de cuecas para ver o que estava acontecendo ali.

                Teresa saiu atrás do marido, Rui e Marília também acordaram e seguiram os pais. Da porta da cozinha dava para ver o fogaréu e todos correram para tentar apagar o fogo com sacos para abafar.  Não havia água ali perto, teriam que tirar do poço ou buscar no rio, que ficava a duzentos metros da casa.

           - Meu Deus, exclamou a mãe, é o Benjamim. E, correu para socorrer o filho.
                - Me desculpe, eu só queria ver a bicicleta. Choramingou o menino dando um grito de dor quando sua mãe pegou em suas mãos, retirando-as rapidamente.
           Olhando assustada, Teresa viu que as mãos do menino estavam pretas com fuligem.

               – Você queimou as mãos? Perguntou a mãe.

            - Queimei ao pegar no pneu, quando tentei tirar a Magrela dali. Gemeu o menino.

             Enquanto o pai e os irmãos tentavam sufocar o incêndio, a mãe amparava Benjamim para tirá-lo dali o mais rápido possível. Mãe e filho abraçados se arrastaram até a cozinha, onde o menino sentou-se em uma cadeira. Teresa pegou um copo com água e deu para o menino sorver; ele precisava se acalmar. O susto foi grande e poderia ter acabado em tragédia.

                A mãe sentou-se ao lado do filho e olhando para suas mãos ficou apreensiva. Já apareciam algumas bolhas nas palmas, dorso das mãos e até antebraços.

           – Como isso pode acontecer Benjamim? Você poderia ter morrido, meu filho. Choramingou a mulher.
               – Eu só queria ver a Magrela de perto e queimei as mãos tentando puxá-la para fora do fogo. Está doendo muito.
                 - Mãe passa um remédio! Gemeu o menino.

                Nisso Dirceu entrou dizendo que os pneus da Magrela estavam estragados, ficaram retorcidos pelo calor do fogo. Rui e Marília entraram carrancudos com Benjamim, que estragara a bicicleta. Quando poderiam consertar? Só Deus poderia dizer.

                Teresa esperaria amanhecer para chamar a Bibiana. Pediria a ela para fazer um curativo nas mãos do filho. Enquanto isso, colocara as mãos do menino dentro de uma bacia com água, para retirar a fuligem preta que estava grudada em suas mãos.

                O pai e os dois filhos voltaram ao rancho para fazer o rescaldo e ver se o fogo se extinguira totalmente. Teresa não tinha nada em casa que pudesse aliviar a dor das queimaduras, estava desesperada com a situação. Então, Marília que entrara na cozinha para pegar a vassoura e, a tudo assistia boquiaberta, perguntou?

            – Por que a senhora não dá para ele um remédio daqueles que estão na caixa do hospital? A menina aproximou-se para ver o estrago de perto, estava com raiva do irmão.

             Teresa ficou espantada e disse:

               - É verdade! Não pensei nisso, vou pegar um daqueles que servem para aliviar a dor. Levantando-se foi ao quarto do menino.

               Em seguida, Teresa voltou com um analgésico e colocou na boca do filho, oferecendo-lhe água para beber. Depois enrolou panos molhados nas duas mãos do menino, para mantê-las frescas e esperar o novo dia. A noite estava perdida, nada poderia remediar a aflição de ver o seu menino acidentado em meio ao fogaréu.

            A escuridão da noite ainda imperava por aquelas bandas. O relógio marcava três horas da madrugada. Benjamim gemia alto e sua mãe o levou para a cama, queria que dormisse um pouco, antes do pai retornar.

            Dirceu demorou a voltar para dentro da casa, estava arrumando o rancho e o que restara dos sacos de milho. Em um momento de raiva, pendurou a bicicleta na vigota que sustentava o telhado, estava irremediavelmente avariada e confiscada.

            Rui e Marília queriam matar o Benjamim, nunca mais falariam com ele; estavam de relações cortadas. Estragara o presente de Natal, que o tio trouxera.

             Quando o marido entrou, Teresa fingiu que estava dormindo, temia que ele iniciasse uma discussão por causa da bicicleta. Esperaria que se acalmasse para conversar, possivelmente quando o dia clareasse. Sabia da tempestade que se aproximava e começou a rezar baixinho.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa


quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

"DEEM E SERÁ DADO A VOCÊS: UMA BOA MEDIDA, CALCADA, SACUDIDA E TRANSBORDANTE SERÁ DADA A VOCÊS. POIS, A MEDIDA QUE USAREM, TAMBÉM SERÁ USADA PARA MEDIR VOCÊS". LUCAS 6:38

A MAGRELA

CAPÍTULO NOVE
             Benjamim foi para o quarto que dividia com seu irmão Rui. Um quarto com piso de tijolos e sem forro, tinha duas camas de ferro antigas, com colchões de palhas de milho secas colocados sobre as mesmas. Travesseiros feitos com penas de galinhas, abatidas no quintal para comer.

             Uma casa grande e arejada, não tinha forro em nenhum cômodo, nem vidraças, apenas janelas de madeira com tramelas e portas com trancas. No calor era uma beleza, a brisa quente inundava o ambiente, deixando seus moradores relaxados.

            Entretanto, no inverno se igualava a uma geladeira, onde somente do fogão a lenha emanava um pouco de calor no ambiente. Os bichanos se encolhiam perto dos braseiros em cima do fogão e os cães deitavam no chão ao lado do mesmo.

           Tudo muito simples, afinal era um sítio de agricultura familiar de subsistência. Ali havia uma criação de galinhas, porcos, vacas leiteiras e animais para uso próprios, era a década de sessenta.

              O paciente deveria fazer repouso e ficar dentro da casa, para não contaminar a lesão e não correr risco de cair e complicar a sua situação. A perna fora engessada para ficar imóvel, com uma abertura para o curativo. O gesso era muito pesado e o menino evitava levantar-se.

             O terreno, no pequeno sítio, era totalmente irregular, altos e baixos, pedras, pedregulhos, pedaços de tijolos, morros, buracos e moitas de capins em meio a terra de chão batido em toda a extensão ao redor da casa. Era impossível andar de muletas sem correr riscos. Apesar de todas as restrições, o menino estava alegre e feliz por estar de volta à sua casa.

             A mãe fazia todas as suas vontades e os irmãos também, isso porque ele estava se recuperando de um grave acidente. Teresa arrumou todos os apetrechos do curativo, para uma vizinha cuidar do ferimento da perna fraturada.

             Bibiana era tida como uma boa curandeira da região, além de benzer crianças e adultos, ela fazia partos e todos os tipos de curativos rudimentares, que havia por ali. Assim, Benjamim parecia conformado em ficar dentro da casa.

            Às vezes, jogava dominó ou damas com Rui ou Marília. E, para sua distração, quando estava só, ele tinha uma vitrola e alguns discos de vinil. Tinha também, um rádio antigo de bateria para ouvir, ou passava o tempo lendo os livros que trouxera consigo do hospital.

              Alguns dias se passaram e Benjamim saíra de casa somente uma vez, de carroça com seu pai para ir até a vila. Dirceu queria alegrar o filho, que andava tristonho. No entanto, quando voltou, Benjamim sentia-se muito mal, pois os sacolejos na estrada irregular de terras, provocara dores em sua perna fraturada. Sendo assim, o menino ficaria dentro da casa até seu retorno ao hospital, decidiu seu pai.

            E, na véspera do Natal a família recebeu uma visita.  Antonio, irmão de Teresa, apareceu inesperadamente. Ele morava em outro estado e raramente via a família da irmã. Na verdade, nem ficara sabendo do acidente do afilhado; o tio era padrinho de Benjamim.

             Antonio possuía um caminhão pequeno, que transportava materiais de construção para uma Olaria da região. Estivera na cidade vizinha para fazer uma entrega e aproveitara para passar na casa de Teresa. O filho de Antonio já estava moço, então, ele trouxera a bicicleta que era do rapaz e estava num canto sem utilidade, para doar aos filhos da irmã.

Para os sobrinhos, a bicicleta era um sonho, eles nunca esperavam ganhar uma, pois não tinham condições financeiras para isso. Os olhos de Benjamim se encheram de lágrimas, ele não poderia desfrutar do presente.

Rui e Marília correram para o terreiro de café com a Magrela. Esse era o nome da bicicleta, dissera Antonio. Aquele era um lugar amplo e calçado de tijolos, para experimentar a bicicleta.

 Benjamim ficou olhando pela janela da cozinha. Viu as quedas e as risadas dos irmãos e sua tristeza aumentou. Rui tinha mais equilíbrio, enquanto Marília caia toda vez que tentava se equilibrar.

O menino voltou para o quarto e não jantou naquela noite, estava sentindo-se aniquilado. Não poderia ficar parado olhando seus irmãos andarem de bicicleta. Ainda não tinha ido ver o seu cavalo Corisco, sabia que ficaria chorando o resto do dia. Estava triste e precisava mudar a situação, também era dono da Magrela.

Depois que todos adormeceram, ele pegou suas muletas e foi até o rancho para ver a bicicleta, levando em suas mãos uma lamparina de carbureto. Lentamente ele ganhava terreno; por duas vezes quase caiu, mas seguiu em frente. Finalmente estava junto dela, era sua também e não abriria mão disso.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa
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