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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

"JÁ QUE É PRECISO ACEITAR A VIDA, QUE SEJA ENTÃO, CORAJOSAMENTE". LYGIA FAGUNDES TELES-- FAÇA DO PRESENTE SUA ALEGRIA. EVA IBRAHIM

              POR MAL TRAÇADAS LINHAS...
                                 Capítulo 11
        O Antonio do escritório, o viúvo de Verônica, queria ficar com a moça em troca de seus carinhos; era homem e sentia seu sangue ferver quanto o corpo de Flora roçava no seu. Porém, o Antonio solitário, o pai de Bernardo, queria sua privacidade de volta. Todos os dias ele se perguntava como poderia se desvencilhar da situação em que estava metido. O homem vivia uma contradição, no momento em que tinha Flora em seus braços sentia-se satisfeito, logo depois, crescia em seu íntimo uma revolta e ele desejava que ela desaparecesse dali; queria ficar só. Era uma luta interior que Antonio não deixava transparecer. A moça, entretanto, sentia-se a nova dona da casa.
         Vinícius caiu da bicicleta e fraturou o braço, deixando o homem apreensivo; ele temia a volta da maldição da pedra amarela. Antonio tinha pesadelos com Verônica que o acusava de traição e com Vinicius, que ele temia ser a próxima vítima da pedra amarela; teria que afastá-los dali. Gostava da criança e não queria que sofresse qualquer dano.
         A vida corria aparentemente normal, a moça era cuidadosa e companheira. Flora já se acostumara com a nova casa, foi ganhando confiança e queria muito mais do que o homem poderia esperar.
       Certo dia, a moça pediu para Antonio abrir o guarda roupas, que ela iria doar as coisas de Verônica para um asilo, assim teria mais espaço no armário para arrumar suas coisas. O homem gaguejou e quase se afogou com a saliva de tão irado que ficou. Em seguida esbravejou:
       –Ali, ninguém mexe e ponto final. 
       A relação do casal esfriou depois da postura intransigente de Antonio. Ele estava visivelmente insatisfeito com aquela situação; Flora mexia em tudo e ele temia por seu segredo; aprendera a viver sozinho. A moça teria que seguir sua vida e deixa-lo em paz; ela e o filho estavam ali por acaso, não por sua escolha, pensava, revoltado.
Flora lhe dissera que tinha irmãos no interior do Rio de Janeiro e ele pensava em leva-la para lá e mudar de casa para ela nunca mais encontra-lo. Sua aposentadoria estava para sair e ele deixaria tudo preparado para se livrar dela e do menino.
       Demorou mais três meses, que para ele parecia uma eternidade, mas a notícia de sua aposentadoria saiu e ele pulou de alegria; tinha planos para ele, o Bernardo e o Lobo. Tivera bons momentos com Flora, mas o medo de ser descoberto em seu segredo estragara o prazer de uma vida a dois. Antonio sabia que a mulher era curiosa e algum dia abriria a porta do guarda roupas; era um risco iminente.
        Com muito jeito, ele convenceu a moça a fazer uma visita aos seus parentes. A cunhada de Flora dera a luz recentemente e estava com problemas de saúde; depressão pós-parto diagnosticara o médico.
         Júlio, o irmão de Flora, telefonara pedindo a ajuda da irmã; sua mulher estava doida, dissera o rapaz. Lorena estava sentada na poltrona com a filha recém-nascida no colo, no quarto da maternidade e Júlio, seu marido, em pé olhando o bebê. A enfermeira entrou e perguntou à moça se não iria amamentar a filha e a resposta foi muito estranha.
- Trás a criança que eu amamento, disse Lorena. A enfermeira, surpresa, afirmou que a criança estava em seus braços e a resposta foi chocante:
          - Essa aqui é só uma foto, trás a criança. O marido, espantado, pediu para segurar a foto e tirou a filha dali, sua esposa não estava bem.
          O médico foi chamado e constatou um surto psicótico. Em seguida, Lorena recebeu um sedativo e foi levada dali. Júlio não sabia o que fazer e quando o médico disse que Lorena permaneceria internada e a criança teria alta, o rapaz entrou em desespero.
         - O que ele faria com o bebê?  Estava sozinho e não poderia cuidar da criança. Então, pensou em pedir a ajuda de Flora, sua irmã, depois pensaria em outra solução.
Antonio vislumbrou uma saída para seu drama, incentivou a moça a pedir férias do serviço e passar alguns dias na casa do irmão, até sua cunhada melhorar. Flora não pode recusar e acertou sua permanência na casa do irmão.
O homem tratou de levar, rapidamente, a mulher e a criança para a casa do irmão dela e foi ver uma casa de aluguel em Petrópolis. Pretendia por em prática o plano que criara para se livrar de Flora e seu filho.
O plano era perfeito, nem sua irmã Nalva poderia saber onde ele estava; queria privacidade total. Sentiu pena da irmã, gostava dela, porém, cortaria relações com o mundo todo para ter privacidade.
A casa ficava no alto da montanha, era isolada das outras, tinha um quintal grande e no fundo um resto da floresta que um dia existira ali. A vista era ótima, ficava pertinho do céu e bem na periferia da cidade, era tudo o que ele almejara. Antonio precisava de apenas uma semana para por em prática seu plano.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

"AINDA BEM QUE SEMPRE EXISTE OUTRO DIA, E OUTROS SONHOS. E OUTROS RISOS. E OUTRAS PESSOAS... E OUTRAS COISAS..." CLARICE LISPECTOR. -- AMOR SE CURA COM AMOR PRÓPRIO. EVA IBRAHIM

                                  A VELHA SENHORA.
                                   CAPÍTULO 10
       Os dois sentaram-se em frente ao Hospital e Antonio para distrair o menino começou a contar histórias e olhar o céu, cravejado de estrelas. O homem sentiu nostalgia de seu passado; um sentimento de perda, uma frustração. Mas, lá no fundo ele sabia que ainda tinha muito amor para dar.
       A convivência com Bernardo fizera dele um paizão, sabia tratar uma criança; o menino recostou em seu corpo e dormiu, estava cansado. Flora apareceu para procurá-los e viu a cena comovente, o homem mal respirava para não acordar o menino. Com carinho ela pegou o filho no colo e pediu para Antonio levá-los para casa, nada poderia fazer por sua mãe, teria que aguardar a evolução do quadro; o médico foi categórico.
       Antonio entrou na casa da moça para ajudá-la com a criança e depois ficaram sentados na sala conversando. Ela contou sobre seu relacionamento anterior e o motivo de sua separação. Finalizando a conversa, a moça enfatizou, seu maior tesouro era Vinicius, seu filho querido. O pai dele desapareceu e nunca mais deu notícias, ela e a mãe cuidavam do menino, sozinhas. 
        Pela primeira vez Antonio falou de Verônica e sua dor, mas nada disse sobre o boneco, era seu segredo e ninguém poderia saber. Ali estava outra mulher compartilhando de sua vida, parecia estar traindo sua esposa e o Bernardo também. Sentiu repulsa de si mesmo, porém, ele estava vivo e queria uma nova chance. Flora estava disponível e ostensivamente se oferecia a ele, que também a queria; era um homem e uma mulher atraídos pelo desejo.
        Ele afastou seus pensamentos, aquele não era o momento para satisfações amorosas e saiu caminhando pensativo. Os acontecimentos precipitaram seu caso com a moça e ele sentia-se conduzido pela situação. Lembrou-se da pedra amarela e sentiu um arrepio percorrendo seu corpo; fez o sinal da cruz, o velho medo estava presente.
       O homem foi para casa pensando em Flora e seu pequeno filho. O menino parecia ter gostado muito dele, que pela primeira vez sentiu a doçura de uma criança.
       -Se a avó falecesse quem cuidaria do menino para a moça trabalhar? Estava gostando dela e queria ajudá-la, ficou deitado com Bernardo ao lado contando a ele tudo que estava acontecendo. Ele continuava seu filho do coração, mas, não poderia deixar de gostar de Vinicius; ainda mais agora que a avó estava doente. Sentia medo de se apaixonar e não dar certo, mas havia a possibilidade de refazer sua vida. Aquele pensamento aquecia seu coração.
       No dia seguinte ele foi trabalhar e Flora não; Antonio ficou preocupado e ligou para o Hospital, queria notícias. A moça chorando disse que o filho estava na creche e sua mãe morrendo. Antonio prometeu que sairia dali para o Hospital para ajudá-la e até levaria o Vinicius para sua casa se fosse preciso. Depois pensariam em outras soluções para ela e o filho.
      Antes de sair para o trabalho, ele trancou o Bernardo na mala e colocou no guarda roupas, talvez trouxesse o menino para sua casa. Estava atento à situação, era um ato de solidariedade e ele sabia muito bem como era triste passar por uma situação daquelas e, estar sozinho. Saiu mais cedo do trabalho, passou no Hospital e foi buscar a criança, levando-a para sua casa.
O menino era falante e estava faminto, brincou com o Lobo e sentou-se em frente á TV, onde acabou dormindo. O homem cobriu o pequeno, do mesmo jeito que cobria o Bernardo e depois foi pegar o boneco no colo, acariciando-o.                                                                         
        Flora ligou para saber da criança e pedir para que Vinicius dormisse na casa de Antonio, pois ela teria que passar á noite ao lado da mãe. Ás cinco horas da manhã o telefone tocou e a moça, chorosa, disse a Antonio que sua mãe falecera. O homem que já sofrera com a morte da esposa sabia que precisava ajudar sua namorada. Antonio prontificou-se a tomar as providencias para o sepultamento e a convidou para ir até sua casa ficar com o garoto.
        Ali estava uma mulher em uma situação desesperadora e ele teria que lhe dar toda assistência. Gostava da moça e a criança lhe inspirava carinho, seu coração estava cheio de amor para dar.
    Flora e Antonio seguiram abraçados, o menino segurava a mão de sua mãe e saíram do cemitério, calados. À volta para casa seria difícil, Antonio sabia e se propôs a levar o menino para a casa dele e depois a mulher iria passar a noite com eles.
       Foi uma longa noite para o homem que pensava em tudo que lhe acontecera e agora estava naquela situação de difícil solução. Se acolhesse a namorada teria que dar fim ao Bernardo e ele amava o boneco; nunca o abandonaria. Flora dormiu logo, pois tomou um sedativo, estava exausta.
      Amanheceu e Antonio levou a moça para sua antiga casa e foi trabalhar, depois pensaria em alguma coisa para se desculpar com Flora; não queria que ela ficasse em sua casa.
      Porém, foi difícil se esquivar daquela situação, a moça dizia ter medo em ficar sozinha na antiga casa e foi ficando na casa de Antonio.
      O Bernardo permaneceu escondido dentro do armário de roupas, pois Flora mudou-se para lá. O homem, nervoso, disse para a namorada que lá no guarda roupas estavam as coisas de Verônica e não queria que ninguém mexesse; a moça aceitou conformada.
      Então, Antonio tinha uma mulher em sua cama, mas não tinha privacidade. Durante um mês ele só via o Bernardo quando a mulher saia com a criança. A novidade acabou e ele queria voltar à sua vida com o boneco e o Lobo.
      Um texto de Eva Ibrahim.
      Continua na próxima semana.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

ESTAÇÃO SOLIDÃO- UMA NOVA VIDA - "TER ALGUÉM QUE TE ESPERA TODOS OS DIAS, CHEIO DE AMOR E CARINHO, É IMPAGÁVEL" EVA IBRAHIM.-


                           UMA NOVA VIDA
                                  CAPÍTULO 9
         Antonio morava na cidade do Rio de Janeiro e pouco frequentava a praia, Verônica não gostava de Sol, dizia que ficava parecendo um peru de Natal tostado, por isso faziam outros passeios em direção oposta. O casal gostava de passear em Petrópolis, Teresópolis e Friburgo; apreciavam o ar das montanhas.
         Logo depois das festas o homem saiu á procura da cadeira e do carrinho de bebê que comprou e levou para um conhecido adaptar, dizendo que era para doar á uma pessoa paraplégica. Iria procurar uma Imobiliária para mudar de bairro, queria um lugar próximo, mas onde ninguém o conhecesse. Mudaria de vida, deixando o passado para trás, solidão nunca mais.
A mudança foi realizada em um domingo após a passagem de ano. Os três mudaram para uma casa bonita, com um jardim na frente e um pequeno quintal, pois o Lobo precisava de espaço para vigiar a casa. Aquele seria o lar da pequena família a partir daquele dia.
        O homem passou o dia arrumando a casa e quando abriu a mala e tirou o Bernardo ficou satisfeito; era um plano perfeito. Colocou o boneco deitado na cadeira com o boné cobrindo parte do rosto e com o toldo abaixado; parecia uma pessoa adormecida. Ele estava ótimo, agora poderiam sair para passear. O Sol já se punha no horizonte e o Mar parecia um grande espelho brilhante. Ao longe estava estacionado um grande navio com suas luzes acesas. Antonio olhava o céu e pedia a Deus que transformasse o Bernardo em um ser humano; neste momento uma estrela cadente cortou o céu, parecia ter ouvido seu desejo.
        Chegando à sua casa foi procurar um velho livro do Pinóquio, ele tornara-se humano por causa do grande amor que Gepeto dedicara a ele. Aquele livro tinha tudo que Antonio desejava para si. Ele sabia que era ficção, mas gostava de imaginar que poderia acontecer com ele e Bernardo também.
         Ele amava Bernardo como se ama a um filho. O carinho de pai que havia adormecido em seu peito agora viera á tona com muita força. Quando entrava em casa a primeira coisa que fazia era pegar seu filho nos braços e acariciá-lo, enchendo-o de beijos, depois ia á cozinha preparar o jantar. Aprendera a cozinhar para ficar mais tempo em sua casa.
        Depois de dois anos da morte de Verônica o homem não sabia definir se Bernardo era um amigo ou um filho muito amado. A verdade é que estivera afastado de tudo e de todos para proteger o boneco, mas depois de tanto tempo já estava sentindo falta de um carinho feminino. Sentia saudades de sua esposa, ainda a amava.
         No escritório havia uma funcionária nova que vivia flertando com ele e acendia um velho fogo adormecido. Antonio pensava em sair com a moça sem compromisso, mas, temia ser mal interpretado. Flora era uma balzaquiana bonita, que vinha de um relacionamento complicado. As fofoqueiras de plantão, diziam que tinha um filho de cinco anos que morava com a avó no interior.
         Aos poucos a moça foi se aproximando e ganhando espaço no coração de Antonio, que concordou em acompanhá-la á um baile de veteranos. Os dois dançaram a noite toda, Flora era um “pé de valsa”. Foi uma noite festiva e aconchegante, Antonio sentiu o corpo da mulher juntinho ao seu; ficou excitado, mas era um cavalheiro e teria paciência. Voltou para casa cantarolando e abraçou o Bernardo dizendo que precisava voltar a viver.
 Comprou um automóvel novo, há muito estava guardando dinheiro para realizar seu sonho. Agora poderia passear com Bernardo e com a Flora também.
        Na segunda feira ele a encontrou no escritório e ganhou um sorriso de cumplicidade; aquele flerte prometia! A solidão chegou à vida de Antonio de surpresa e o afastou das possibilidades de refazer sua vida emocional por tristeza, inibição e finalmente por ter criado uma fuga e um mundo onde só ele e Bernardo podiam estar. Foi o modo que ele encontrou para fugir da depressão e agora sentia que ainda estava vivo e muito ansioso para amar novamente.
         O homem resistia porque temia que o relacionamento acabasse por levar a mulher á sua casa e ele perderia a privacidade. Dentro de casa ele era um e o outro da rua era o Antonio do escritório e ex-marido de Verônica. O viúvo queria Flora, pois estava sedento de carinho e marcara sair com ela no sábado. O encontro seria no salão de baile e depois, Antonio tremia só em pensar, parecia um adolescente com sua primeira namorada.
         Olhava para o boneco e sentia remorso, pensava que o estava traindo; era uma sensação estranha que o incomodava muito. Bernardo fora o responsável pelo seu equilíbrio e sua sobrevivência emocional, mas, ele era um homem e estava sedento por sexo. Depois de dois anos Antonio pensava em ter uma mulher em seus braços novamente e Flora estava próxima e disponível. Para diminuir sua culpa ele saia no domingo de manhã com o Bernardo para conhecer as cidades montanhosas ao redor do Rio de Janeiro. Passeavam em Friburgo, Petrópolis e Teresópolis; dizia a Bernardo que um dia iriam morar lá nas montanhas, era só se aposentar.
         Entrou no Salão e não viu a moça, procurou com o olhar e depois se sentou na banqueta do bar e ficou bebericando com o copo de vodka na mão. Não tirava os olhos da porta de entrada, ele estava ansioso e seu coração disparado.
         – O que teria acontecido-?
           Antonio ficou preocupado. Flora gostava de dançar e havia confirmado a presença no Baile. Passava da meia noite quando seu celular tocou. Era a moça chorando e pedindo sua presença no Hospital, sua mãe havia sofrido um infarto agudo do miocárdio.
         Ele deu um pulo lembrando-se de tudo que aconteceu com Verônica e com uma ruga na testa, lembrou-se da pedra amarela.
        - Será que a maldição iria começar novamente? Bastava alguém aproximar-se dele e os problemas começavam a aparecer?
          Trancou a cara e foi rapidamente dar apoio á Flora. A velha senhora ainda estava viva, mas o médico dissera que o caso era muito grave e ela corria risco de vida. Com ela estava Vinícius, o filho de Flora, um garoto de cinco anos, que sua mãe cuidava. Antonio convidou a criança para sair um pouco, tomar um ar; aquele ambiente não era bom para ele. O homem sentiu a tristeza no olhar do menino, ele amava a avó e temia que Deus a chamasse para morar com ele; Vinicius falou entre soluços e muitas lágrimas.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

"NINGUÉM É TÃO ALGUÉM QUE NÃO PRECISE DE NINGUÉM". AUTOR DESCONHECIDO.-- AME A VIDA E OS BONS AMIGOS. EVA IBRAHIM

                            A FAMÍLIA DE ANTONIO
                                          CAPÍTULO 8
 O homem tinha três irmãos e uma irmã, mas, havia tempos que não recebia notícias dos mesmos. Nalva era a única que ás vezes telefonava para saber como ele estava e que acompanhara o cortejo fúnebre de sua cunhada Verônica. A irmã chegara pensando em ficar na casa de Antonio durante dois dias para ver como o irmão estava vivendo e ajuda-lo, se fosse preciso. A mulher pensava que iria encontrar seu irmão deprimido em meio a muita bagunça, pois, ele nunca fora chegado em realizar serviços domésticos. Porém, ela ficou surpresa com a arrumação da casa, com o jardim bem cuidado e até com o cachorro.
        -“Ele nunca quisera cachorros e agora tinha um!'. Pensou a irmã admirada.
        Nalva encontrara o irmão bem disposto e alegre; na verdade, ele estava ótimo. Com cuidado perguntou se ele tinha encontrado outra mulher, parecia animado. Antonio negou com veemência, jamais trairia sua esposa, estava de luto, mas a vida tinha que continuar. 
      Ele parecia atento, cuidadoso e havia comida na casa. Estava tudo arrumado e o irmão era amável com o cão, que ele nunca gostara.
       -Será que mudara de ideia? 
Com certeza a morte da cunhada virou a cabeça do irmão. Ao invés de ficar desolado, ele estava muito bem. Apesar de perplexa, Nalva ficara contente, seu irmão estava superando a perda da esposa; era isso que importava, concluiu a mulher com uma ponta de desconfiança; a situação  lhe parecia estranha!
          Nalva não queria incomodar, ela e a filha saíram depois do almoço para fazer compras, dizendo que retornaria no dia seguinte para sua casa, ele não precisava dela; Antonio estava muito bem. O homem ficou feliz, poderia conviver com Bernardo novamente, sem ninguém para vigiar.
         Antonio levantou-se bem cedo e fez o café para a irmã seguir viagem o mais rápido possível. Nalva e a sobrinha se foram antes do almoço e depois de vê-las subirem as escadas do coletivo, o homem foi para casa. Estava ansioso para retirar o Bernardo da mala.
          Chegou e tirou a mala de dentro do guarda-roupa, queria livrar o amigo do esconderijo. Colocou a mala sobre a cama e abriu, tirando o boneco e abraçando-o com muito carinho. Bernardo era mais que um amigo, era um filho muito amado e Antonio precisava dele para ser feliz. Foram almoçar na copa e depois ver televisão; os dois amigos se bastavam e Antonio voltara a ser um homem comum e normal, mal se lembrava de Verônica.
         Depois de alguns dias, Nalva telefonou para saber se o irmão queria passar o Natal com a família dela. O Natal estava próximo e todos estavam em clima natalino.
        -Já havia se comprometido com os amigos do escritório, passaria o Natal com eles, disse Antonio e sentiu alívio; ficaria em casa com Bernardo.
        Á noite o homem saiu cantarolando pelas ruas do centro, queria fazer compras natalinas; estava feliz.
        Comprou uma árvore de Natal e muitos enfeites, faria a melhor árvore de Natal de sua vida. Com o Bernardo sentado no sofá, armou a árvore na presença do boneco, a todo o momento olhava para o amigo e fazia algum comentário, estava feliz, parecia uma criança em seu primeiro Natal.
         Preparou uma mesa com enfeites e comidas típicas de ceia natalina; a casa estava festiva e sua alma alegre. Depois tomou banho colocando sua roupa nova e até abusou do perfume. Estava tudo perfeito. 
       Para Bernardo comprara roupas novas e um boné de abas largas. Antonio tivera mais uma daquelas ideias estranhas, mas, somente depois da passagem de ano poria a ideia em prática. A noite de Natal chegou e encontrou um homem eufórico, parecia outra pessoa, muito mais alegre.
         Um Natal feliz em família, ele, o Bernardo e o Lobo. Foi dormir contente ao lado de seu amigo e lá no fundo tinha um plano para começar o ano novo. Durante a próxima semana ele teria que sair e comprar uma cadeira de rodas e mandar colocar um toldo para proteção solar, tipo carrinhos de bebê. Não seria fácil, mas ele iria até um local onde havia de tudo, móveis e coisas usadas. Na sua cabeça tinha tudo planejado, seria o presente de Natal de Bernardo.
         Estava transformado, era um homem completo e contente com sua família. No trabalho agia normalmente, apenas falava menos e os colegas atribuíam o fato ao luto que ele estava passando. O segredo que mantinha o tornava poderoso; era uma vida só sua e ele não permitiria nenhuma intromissão. Quando saia era o Antonio de sempre, mas, quando entrava em casa era outra pessoa; ele desenvolvera outra personalidade, era um misto de pai e amigo; o protetor de Bernardo.
  Um texto de Eva Ibrahim.

  Continua na próxima semana.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

"PERDER-SE TAMBÉM É CAMINHO...." CLARICE LISPECTOR --- VIVER E PONTO FINAL! EVA IBRAHIM.

                                  ESTAÇÃO SOLIDÃO,
                                   UMA NOVA VIDA.
                                        CAPÍTULO 7
      O homem saiu á caminho do ponto de ônibus carregando seu maior troféu; um amigo para conversar. Antonio estava alegre, nunca mais sentiria solidão. Ele entrou pela porta dos fundos do coletivo para colocar a mala e depois desceu para passar na catraca. Houve murmúrios entre os passageiros, a mala tomava espaço e alguns passageiros não gostaram. Ele manteve a calma segurando a mala com muita força, não respondia ás provocações. Mantinha-se firme em seu propósito de levá-la para casa, ali estava o que de mais precioso ele tinha no momento.
        Desceu no ponto de ônibus em frente à praça, uma quadra antes de sua casa e sentou-se no banco com a mala ao lado. Esperaria mais um pouco, queria evitar os olhares curiosos dos vizinhos. Por volta das dez da noite ele seguiu para seu lar, estava satisfeito.
       Era sexta-feira e ele teria o final de semana inteiro para acostumar-se com a nova situação. Tirou o boneco da mala e o deitou na cama de casal; precisava vesti-lo para dormir. Pegou o pijama xadrez que havia comprado e vestiu o Bernardo. 
         - Ficou lindo! Pensou Antonio.
Satisfeito, o homem dizia que ali ele teria tudo que precisasse e em troca deveria  ouvir os seus problemas diários. Foi até a geladeira e preparou dois copos de leite com chocolate, depositando-os sobre a cômoda do quarto. Sentou o novo amigo na poltrona e disse:
         -Vamos tomar leite para dormir, já é tarde e, comida pode pesar no estômago.
Com uma mão segurava o copo de Bernardo e com a outra levava á boca enquanto sorvia o líquido gelado. Como se fosse uma brincadeira, o homem levou o copo á boca do boneco e depois perguntou:
        -Está gostoso, Bernardo?
 Em seguida, satisfeito, seguiu até a vasilha de leite do Lobo e despejou o líquido ali. O cão lambeu até a última gota e foi deitar-se sobre o tapete da entrada da casa. Antonio agradeceu a Deus aquela paz e felicidade que estava sentindo. Deitou o amigo ao seu lado na cama, apagou a luz e dormiu como nunca havia dormido antes; ele voltara á dormir em sua cama de casal.
       Era domingo e Antonio queria proporcionar ao amigo um almoço especial, mas não tinha prática no fogão, então saiu e entrou num restaurante para comprar comida para duas pessoas. Chegando á casa ele arrumou a mesa com dois pratos, como sua mulher fazia quando ainda vivia ali. Colocou Bernardo sentado na cadeira junto á mesa e sorrindo elogiou o amigo dizendo que ele estava bonito. Em seguida iniciou o almoço, comendo com satisfação; de vez em quando ele falava com Bernardo sentado á frente do prato. Tomou nas mãos o copo de cerveja e brindou com o outro copo cheio, que estava próximo do prato do amigo.
      Feliz da vida levou o boneco para a sala dizendo para ele ver televisão. Antonio arrumava a cozinha depois de levar a comida de Bernardo para o Lobo, quando a campainha tocou. O homem teve um sobressalto e correu para espiar quem estava no portão. Era um mendigo pedindo comida e ele tratou de dispensá-lo logo, não queria intrusos, nem visitas. Voltou para a cozinha com uma ruga de preocupação na testa.
        –E se chegasse algum parente ou conhecido?
        - O que faria-?
       Voltou para a sala e sentou-se ao lado de Bernardo, estava pensativo e preocupado, precisava preparar uma estratégia para qualquer situação inesperada que surgisse. Ninguém poderia descobrir o boneco, senão pensariam que ele estava doido. Estava preparado para viver uma nova vida, porém queria privacidade total.
     Antonio estava feliz, descobrira um jeito de não enlouquecer e manter sua cabeça ocupada, como sempre gostou. O Lobo tomava conta do jardim, qualquer coisa que mexesse no portão ele latia enfurecidamente e isso era ótimo, guardava a casa e protegia o Bernardo. O homem sentado no sofá ao lado do amigo parecia feliz; dois amigos assistindo televisão, tão caracterizado fora o boneco. De vez em quando Antonio sorria e fazia algum comentário olhando para Bernardo.
       Quando o sono começou a fazer com que abrisse a boca ele disse ao amigo que era hora de dormir. Como um pai ele trocou a roupa de Bernardo e novamente trouxe o leite com chocolate e tomou. Em seguida, levou á boca do boneco e depois deu ao Lobo, que por sinal, logo estaria uma bola, pois comia toda a comida de Bernardo.
       Deixou tudo arrumado para sair para o trabalho na segunda-feira; deixaria ração para o cachorro e o seu amigo trocado e arrumado, sentado no sofá. O Lobo comia qualquer coisa, vivera muito tempo nas ruas da cidade.
        Na segunda feira as horas não passavam, ele estava ansioso pensando em sua casa; teria que levar comida para os dois e fazer uma chave para a mala e outra para o guarda roupas; passaria em um chaveiro. A ideia era que se alguém fosse visitá-lo, ele teria um local para esconder o amigo. Uma semana passou rapidamente sem nenhum problema; ele saia do trabalho á tarde, passava no restaurante e seguia com pressa para ver como estava o amigo. Tinha muito trabalho para manter a casa e estava contente, tinha uma família para cuidar.
         Na sexta-feira á noite o telefone tocou e deixou o homem nervoso, era sua irmã Nalva, que morava no interior. A mulher dizia que chegaria no próximo sábado para uma visita de dois dias. Ele quase disse para ela não vir, mas levantaria suspeitas; a irmã pensava em ajudá-lo e não seria justo impedi-la de visitá-lo. Teria que esconder o Bernardo na mala, dentro do guarda roupas.
       Nalva chegaria ás 10 horas da manhã com a filha adolescente e mexeria em tudo. O homem, franzindo a testa, pensou que seria um péssimo final de semana. Antonio teria que esconder o Bernardo. Ele demorou a pegar no sono e quando dormiu teve muitos pesadelos. Sonhou que sua irmã apontava o dedo para ele dizendo que estava louco.
          –Onde já se viu ter um boneco como amigo?
            Sua irmã gritava e a sobrinha ria sem parar.
           Antonio acordou suando.
          -Afinal a vida era sua e ninguém tinha nada a ver com isso.
Pensou irritado, enquanto levantava-se para guardar o boneco e a mala; logo suas visitas chegariam.
       O taxi encostou e sua irmã, com um largo sorriso no rosto, desceu e foi apanhar as malas. Antonio se apressou a ajudar a irmã, gostava dela e estava feliz em revê-la.
Nalva estava acompanhada da filha adolescente. Abraçou o irmão e sorriu feliz ao ver que ele estava bem.

Um texto de Eva Ibrahim.


Continua na próxima semana.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

"AGUARDO AS SURPRESAS DO TEMPO, AGINDO SEM PRECIPITAÇÃO. SE CADA NOITE É NOVA SOMBRA, CADA DIA É NOVA LUZ". CHICO XAVIER--A VIDA É FEITA DE RECOMEÇOS. EVA IBRAHIM

                  
                               UM AMIGO PARA ANTONIO
                                       CAPÍTULO 6
            Fazia três meses que ele sepultara a esposa e a solidão estava pesada demais, temia ficar louco. Odiava os finais de semana, pois, sozinho em casa ele ficava pior. Era começo da tarde de sábado e Antonio não sabia o que fazer com sua folga; comia salgadinhos, tomava uma cerveja e sentava no banco da praça para observar as pessoas passando. Imaginava as piores situações para cada uma delas. 
        - Estava parecendo uma ave de mau agouro, pensou Antonio, tristonho.
Sentiu seu corpo arrepiando, quando passou um homem correndo e alguém ao seu lado observou:
        - Lá vai o Bernardo, está sempre com pressa! Parece que nasceu de sete meses, não para nem para um dedo de prosa. Qualquer dia vai ter um mal súbito e nem viu a vida passar. Todas as pessoas precisam conversar e fazer amigos senão ficam piradas. Existe um limite entre a sanidade e a loucura e se ultrapassar nunca mais voltará ao normal- Antonio balançou a cabeça concordando e pensou:
        - Vou arrumar um amigo que possa ouvir minhas queixas.
 – É isso mesmo, vou fazer de “Bernardo” meu amigo e confidente; nunca mais ficarei só.
Nesse momento surgiu uma ideia em sua cabeça transtornada; era uma luz dentro de tanta escuridão.
         Levantou-se rapidamente, precisava encontrar uma loja de artesanatos nordestinos; daria “vida” a um novo amigo. Seria seu companheiro para todas as horas. Depois de muito caminhar, Antonio deparou com uma grande feira; ali havia todo tipo de quinquilharias e alimentos. O homem apalpou a algibeira para certificar-se que o dinheiro estava lá e adentrou em meio à multidão. No meio das pessoas empurrando pra cá e empurrando pra lá, Antonio viu uma barraca de artesanato e parou para assuntar.
        O nordestino tinha muitas coisas bonitas, mas nada que satisfizesse o homem; tinha que ser um boneco especial como os que desfilam no carnaval de Olinda. Ele era de Olinda e conhecia bem as festas de rua e seus blocos carnavalescos. Antonio queria um boneco de tamanho natural. Iria vestir roupas no novo amigo e fazer dele uma pessoa para conversar e ser seu companheiro, explicou ao feirante.
 Severino estava acostumado com gente de tipos diferentes.
       -Porém, este parecia estranho, talvez tivesse algum problema mental.
Pensou o velho nordestino.
Mostrou tudo o que tinha ali e nada agradou ao freguês, por isso Severino resolveu mandá-lo para uma velha conhecida que confeccionava bonecas. “Raimunda das bonecas” era Alagoana e tinha um pequeno ateliê num fundo de quintal, onde ganhava a vida. Antonio foi ao endereço indicado e gostou do trabalho da mulher encomendando um boneco do tamanho e jeito que ele imaginava. Tinha um plano para suprir a falta da mulher e começaria dando os pertences dela para um asilo. Abriu a casa e limpou tudo; lavou as roupas e o quintal; estava animado e feliz.
          Mais tarde saiu e procurou o Canil da Prefeitura para escolher um cão, queria que ele fizesse companhia a Bernardo. Iria buscar o boneco na sexta-feira e faria tudo para que ele ficasse feliz em sua nova casa. O canil estava lotado de cães e parecia que todos queriam ser adotados, faziam festa para Antonio abanando os rabos.
O homem ficou confuso e demorou a se decidir; o que mais lhe agradou foi um cão que parecia um lobo. Um cachorro de médio porte, mestiço de vira-latas, com pelos longos e cor de mel. O cachorro era esperto, manso e quando o viu se aproximar, abanou o rabo desesperadamente.
         O homem saiu com o cão na coleira e o conduziu á sua casa. Tinha uma ideia, a comida que o Bernardo não comesse seria do “Lobo”, o cão que fora adotado para ser companheiro do boneco. Só assim ele poderia sair para o trabalho, não desperdiçava comida e teria companhia para as refeições.
         Foi uma semana de muitas compras: roupas para o amigo, comida, uma casa para o “Lobo” e ração para cães. Ligou para a Raimunda, queria saber se o amigo estava pronto e saiu para buscá-lo.
Como ele estava sem automóvel, no caminho comprou uma mala grande que coubesse o boneco dentro, era o jeito que encontrara para que ninguém o visse. Era seu segredo e ele o guardaria a sete chaves, se fosse preciso. Raimunda nada questionou, entregou a encomenda e recebeu o dinheiro.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.
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