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sábado, 15 de junho de 2013

"HÁ MUROS QUE SÓ A PACIÊNCIA DERRUBA...E PONTES QUE SÓ O CARINHO CONSTRÓI" CORA CORALINA---NÃO SE EXPONHA, A VIDA É PRECIOSA! EVA IBRAHIM

                                                   A “ZOIUDA”.
O Sol se punha no horizonte, a escuridão aos poucos se instalava no local e mais uma vez uma coruja grande pousava no galho da mangueira ao lado do quarto do casal. Era o terceiro dia seguido que a ave pousava ali e Artur, o marido, pegou a máquina digital e bateu duas fotos da criatura; assustada ela voou. Ele mostrava as fotos e dizia que a ave era zoiuda, feia e velha. Luiza disse temer a presença da coruja, pois sempre ouviu dizer que eram aves de péssimo agouro para os moradores da casa. Artur deu de ombros e sorrindo entrou para mostrar as fotos para as crianças.
O casal morava na chácara dos pais de Artur, ao lado da casa grande. Era uma vida tranquila, os dois trabalhavam e a sogra sempre dava uma mão com as crianças, dois meninos. O maior tinha 12 e o menor 02 anos, eram crianças fortes e saudáveis. Eles gostavam de brincar no grande espaço que havia no quintal. Uma chácara cheia de aves, cães, gatos e muitas frutas. Artur era um marido atencioso e bom pai, mas, um tanto nervoso e birrento, dizia Luiza censurando o modo de ser do marido.
Por diversas vezes voltaram de passeios, que deveriam fazê-los felizes, de cara amarrada um com o outro. Artur discutia e dizia palavrões no trânsito por qualquer motivo e sua esposa sentia medo. Ele incorporava o machão, aquele que não levava desaforos para casa, pondo em risco a integridade física dele e de sua família. Depois de alguns confrontos, Luiza se recusava a entrar no automóvel com seu marido, principalmente, levando os filhos; as brigas eram constantes.
Era primavera e o horário de verão deixava as tardes mais longas, demorava a escurecer e as crianças dormiam mais tarde. Luiza ao fechar a janela de seu quarto viu a “Zoiuda” sentada no galho da mangueira, sentiu um calafrio e saiu do local com um pressentimento ruim. Ela trabalhava em uma farmácia e levava o filho menor para a creche, o maior ia para a escola e Artur saia de moto para o trabalho em uma concessionaria de automóveis na cidade vizinha. O homem seguia por uma estrada movimentada, com trânsito pesado e palco de muitos acidentes, para chegar ao trabalho.
Passado alguns dias, a mulher com a criança entrou no ônibus e o filho maior saiu, andando a pé, a caminho da escola. Artur estava atrasado e saiu apressado, teria que acessar a rodovia estadual. Era o horário de pico, todos saiam ao mesmo tempo para o trabalho. Parecia que os motoristas estavam com muita pressa e nenhuma paciência; ouvia buzinas o tempo todo, lembrou-se Artur mais tarde.
O homem seguia concentrado na pista, quando de repente uma perua Kombi encostou-se à motocicleta fechando a sua frente e jogando-o para o acostamento; Artur só não caiu porque não estava correndo. O homem enfurecido foi atrás da Perua ofendendo e fazendo gestos obscenos ao motorista. Depois de descarregar sua raiva, Artur percebeu que havia três homens na condução e não tinham cara de bons amigos, era melhor sair dali ou poderia correr risco; ele sentiu medo.
O trânsito era intenso e logo chegaria ao pedágio, era melhor acelerar. Artur pensou que a situação estava resolvida e respirou fundo; precisava se controlar e pensou em sua família. Passou o pedágio, olhou pelo retrovisor e viu a perua Kombi crescendo atrás de si. Não teve tempo de correr e foi abalroado pelo veículo. Quando ele caiu da moto a Perua Kombi passou sobre o abdômen do rapaz. Havia ódio nos olhos do motorista da perua; seu propósito era matar Artur. Foi um ato covarde e intencional, disseram as testemunhas aos policiais.
 A sensação era de morte iminente, pois o rapaz estava deitado na pista de rolamentos com uma dor lancinante na barriga. A perua saiu disparada em direção à capital e um enorme caminhão brecou quase atingindo a cabeça do rapaz. O motorista do caminhão desceu assustado e quando viu o jovem caído na pista se ajoelhou no chão agradecendo á Nossa Senhora Aparecida por ter permitido que o caminhão parasse. A possibilidade de parar de repente era quase nula para o tamanho do veículo. O caminhoneiro ficou ali agradecendo e repetindo que presenciara um milagre.
 Uma moça com vestimenta da concessionária do pedágio sinalizava o local acenando uma bandeira amarela, desviando o trânsito para permitir que o socorro chegasse até ele. Artur sentia dores lancinantes em sua barriga e ela crescia muito; ele tinha a sensação que iria estourar, disse depois para sua esposa. Quando sentiu um gosto amargo na boca e o vômito chegou com um líquido amarelo ele pensou que iria morrer.
Logo a seguir apareceu o socorro da concessionária da rodovia que o transferiu à emergência do Hospital.  Com o abdômen distendido foi levado para uma cirurgia de emergência, pois havia muito sangue na cavidade abdominal.
Artur, depois da cirurgia, foi levado para a Unidade de Terapia Intensiva, correndo sério risco de vida, pois tivera duas paradas cardíacas durante os procedimentos médicos. Luiza chegou ao Hospital e somente ali ficou sabendo o que realmente havia acontecido. Quase se transformou em uma viúva; tremeu de medo, tinha dois filhos para criar. A mulher ficou horas aguardando o marido voltar da anestesia. Sua vida toda passou como um filme em sua cabeça, seu medo se tornara realidade. Desejava do fundo do coração que ele nunca mais se envolvesse em brigas de trânsito.
Luiza foi para casa dar assistência às crianças e retornou ao Hospital pela manhã encontrando o marido choroso e cheio de dores. O médico disse que Artur era um homem de muita sorte, pois por cerca de centímetros não ficaria paraplégico. Estava em um momento difícil, mas ficaria bem; era jovem e tinha saúde.
A mulher sentada ao seu lado comentou a aparição da coruja na árvore ao lado do quarto do casal. Estava explicada a estranha aparição, ela queria avisá-los de que haveria uma desgraça na família. O homem, incrédulo, disse que aquilo tudo era apenas coincidência, a “Zoiuda” nada tinha a ver com o acidente. Esse poder atribuído à coruja era crendice popular ultrapassada.
Quando Artur melhorou disse à Luiza que tivera uma estranha experiência na sala de cirurgia. Por duas vezes ele viu pessoas fazendo massagens em seu tórax, ele estava fora do corpo. Assustado, ele queria sair dali, mas, alguém o empurrava de volta para o corpo inerte na mesa de cirurgia.
O homem contou que não sentia dores, apenas queria sair daquele local, mas alguém o mandava de volta empurrando-o para o corpo cheio de sangue; depois não se lembrava de mais nada. Não era hora de morrer, foi à conclusão que o casal chegou.
 A “Zoiuda” sumiu, mais uma vez ela fez seu papel de ave de mau agouro, pensava a mulher temerosa. Em seguida, erguendo os olhos para o céu, fez uma oração em agradecimento pela vida de seu marido. Um texto de Eva Ibrahim.                                            

sábado, 8 de junho de 2013

"NENHUM OBSTÁCULO SERÁ TÃO GRANDE SE TUA VONTADE DE VENCER FOR MAIOR"- AUTOR DESCONHECIDO-- VOCÊ É EXATAMENTE AQUILO QUE SUA ALMA SENTE. EVA IBRAHIM

                                        FENIX, A CADELA.

Leandro, o policial, estava trabalhando como vigilante em uma grande empresa de manufaturados; era um bico para completar o orçamento. Ele e o seu companheiro se revezavam para cobrir toda a extensão do pátio externo do local. A construção da empresa aconteceu em um antigo sítio da região e ainda havia muita terra para ser ocupada, principalmente perto do rio, que ficava na divisa do terreno. Os dois policiais andavam por toda aquela área, cuidando para que nenhum desocupado adentrasse ao recinto para roubar os muitos barracões ali existentes.
Na noite de sexta feira houve um churrasco em comemoração ao aniversário de Juca, o companheiro de Leandro. Uma festa regada a cerveja, que terminou tarde da noite. Na manhã de sábado os dois estavam de serviço e Leandro não estava bem, comera alguma coisa que lhe embrulhava o estômago; sentia náuseas e parecia que iria vomitar a qualquer momento.
Lá pelas nove horas, o rapaz avisou ao amigo que iria andar até o rio para tomar ar e ver se melhorava do mal estar. Leandro caminhava e respirava fundo, estava mal e pensava seriamente em pedir para outro colega policial assumir seu lugar e ir para sua casa. Precisava de algum medicamento para o estômago com urgência.
Caminhou devagar e quando estava próximo do rio ele ouviu um barulho estranho, instintivamente levou a mão à arma e ficou alerta. Parecia um grunhido, um lamento, um uivo, não sabia bem o que poderia ser. Olhou com olhos de águia para identificar o local do barulho e quando chegou ao barranco, ouviu o lamento novamente. Resolvido a esclarecer a situação desceu o barranco com a mão no coldre e avistou lá no fundo, bem perto do rio, um cachorro semienterrado no chão. Aparecia somente a cabeça e era de lá que vinha o uivo, já enfraquecido pelo cansaço.
Leandro se aproximou e ficou perplexo pela maldade que fizeram ao pobre animal, estava enterrado vivo para morrer de fome e sede. O policial, acostumado com tragédias, não se conformava com o que presenciava, era demais para seus olhos, de onde escorreram duas lágrimas com gosto de sal. Olhou para o céu pedindo a ajuda de Deus para que o iluminasse naquela situação triste e inusitada.
Teria que tirar o animal de lá, mas como faria isso? Não tinha ferramentas. Pensava o homem impressionado com a situação encontrada no local.
Tirou o cinto e o colocou no pescoço do animal, que estava tão fraco que mal teve reação. Com cuidado para não machucar o cachorro o rapaz puxava com uma mão e cavava a terra com a outra desesperadamente; estava empenhado em salvar o pobre cão. Invocando ajuda divina e com muita determinação Leandro conseguiu mover o animal ofegante. Retirou o corpo inerte da terra e o deitou no capim, em seguida pegou uma lata de cerveja vazia, que estava jogada ali perto e encheu de água do rio despejando na boca do animal, que abriu os olhos e sorveu o líquido.
Em seguida, o policial, usando o rádio pediu ajuda ao colega, que veio rapidamente e surpresos viram que se tratava de uma cadela; era peluda e da cor de mel. Fenix, disse Leandro, estava batizada, se sobrevivesse, pois não parava em pé. Certamente, fazia muitas horas que ela estava lá enterrada com fome e sede. Os dois policiais não sabiam o que fazer, mas, enquanto afagavam a cabeça do animal tiveram a ideia de chamar um veterinário conhecido na cidade e pertencente à Associação Protetora dos Animais.
Passaram um rádio para a base do pelotão e logo depois chegava o veterinário e sua assistente de nome Lola. Os dois, chocados, com tamanha maldade trataram de coloca-la na carroceria da caminhonete e cobri-la com um cobertor apropriado. Mas, antes de saírem teriam que vistoriar o local para ver se tinha mais alguma coisa deixada pelos bandidos. Encontraram quatro filhotes da cadela, mortos e jogados no capinzal, só então repararam que a Fenix estava com as mamas cheias de leite.
Uma violência sem tamanho dizia o veterinário, mataram os filhotes e a deixaram para morrer enterrada viva; faria o possível para salvá-la. Enquanto o veículo se movimentava os dois policiais trataram de enterrar os filhotes da Fênix para retornar ao trabalho.
Leandro ficou tão empenhado em salvar aquele animal que se esqueceu do mal estar; agora estava bem. Pensativo, o rapaz agradecia a Deus, pois, se ele não chegasse a tempo a cadela morreria de fome e sede naquele local ermo.
Passado alguns dias Leandro recebeu um telefonema pedindo que fosse à Associação Protetora dos Animais, que a assistente queria falar com ele. Chegando ao local foi informado que a cadela estava bem e fora castrada. A Fênix quando viu o policial começou a abanar o rabo e recebeu um afago na cabeça, estava limpa e bem cuidada. Leandro ficou feliz, seu esforço fora recompensado.
Lola entrou e disse ao policial que poderia leva-la para sua casa, pois, lhe pertencia por direito; agora era seu dono. O rapaz, surpreso, disse que sua esposa não iria aceitar a cadela em sua casa. Sorrindo a moça disse que o problema estava em suas mãos e saiu da sala. Leandro pegou a cadela no colo e ela lambeu seu rosto.
Como ele poderia resistir ao carinho recebido? Saiu dali com o compromisso de cuidar da sobrevivente. Com cuidado, colocou sua nova companheira na caminhonete, seguindo para a sua chácara, onde soltou a Fênix para correr pelo gramado; não poderia abandoná-la; era um caso entre ele e Deus.

Depois de um ano a Fênix continua lá, está gorda, brincalhona e adora seu dono, faz muita festa quando ele chega, é seu amo e protetor.
Um texto de Eva Ibrahim.

sábado, 1 de junho de 2013

"CUIDE DOS MEIOS, O FIM CUIDARÁ DE SI MESMO". MAHATMA GANDHI.--PIOR QUE ERRAR É NÃO QUERER MUDAR. EVA IBRAHIM

                                            O SAPATO
A casa grande com jardim e dois carros na garagem era um sonho antigo de Fábio, que finalmente se realizara. Pudera! Pensava o homem, trabalhara muito para concretizar seu sonho; estava feliz. Ele tinha uma família bonita; uma mulher amorosa e dois filhos saudáveis. Fábio trabalhava em uma multinacional onde ganhava um bom salário e quando tudo parecia correr bem apareceram às tentações. Com a prosperidade surgiram as mulheres dando em cima dele; era um homem vistoso e cheio da grana.
A princípio ele se esquivava, mas com a insistência começou a sair com algumas conhecidas e colegas de trabalho. Uma delas, Rosana, conseguiu mexer com seu coração. O homem sentia-se atraído por ela e a moça correspondia, tornando-se sua companheira assídua. Fábio e Rosana foram ao motel na sexta-feira após o expediente e passaram horas se amando loucamente. O homem satisfeito e feliz chegou à sua casa querendo descansar, porém, encontrou a sua sogra que viera visita-los.
Pego de surpresa com a visita inesperada, Fábio sentiu que teria que ser agradável com sua sogra, para que sua esposa não suspeitasse de sua traição. Ele queria dormir cedo, estava nervoso por ter que encarar a sogra, porém, Kátia, sua esposa, tinha outros planos e ele estava incluído. O homem teria que conduzir as duas mulheres ao supermercado. Não teve jeito e ele saiu com o automóvel levando mãe e filha; elas queriam fazer compras. Quando estavam no meio do percurso, ao descer uma ladeira, uma coisa bateu no pé de Fábio e instintivamente ele olhou para ver o que estava ali no piso do automóvel. Correu um frio pela sua espinha quando viu um pé de sapato de mulher.
 -Seria de sua amante? Não se lembrava de ter visto os sapatos que Rosana usava naquele dia; não era de reparar em sapatos.
Quem deve treme e ele estava com a consciência pesada pelas inúmeras traições que vinha cometendo e imediatamente pensou que aquele sapato poderia ser de Rosana. A moça esquecera o sapato no carro quando a levou para casa. Fábio ficou nervoso, teria que se livrar do sapato antes que sua mulher percebesse a prova de sua traição.
Dirigiu por alguns quilômetros evitando as subidas para que o sapato não voltasse para trás, teria que arquitetar um plano para se livrar daquele instrumento de acusação. O homem avisou às duas mulheres, que conversavam no banco de trás, que iria parar no acostamento para ver se tinha um pneu furado, pois ouvira um barulho na roda. Mãe e filha disseram não ter ouvido nada, mas ele insistiu e parou perto de uma grande construção. Dizendo para elas olharem a construção, que ali seria um futuro supermercado, ele abaixou-se, pegou o sapato e jogou para fora do automóvel. Depois saiu satisfeito, deu a volta no veículo e voltou dizendo que se enganara. Com um sorriso alegre sentou-se ao volante, estava livre da prova do crime.
Seguiram em frente e quando chegaram ao destino, às duas mulheres começaram a procurar alguma coisa por debaixo dos bancos. Fábio perguntou o que estava ocorrendo ali e sua esposa disse que elas não achavam o sapato de sua mãe. O homem segurava o riso, havia jogado fora o sapato da sogra e não de sua amante. Não poderia deixar que percebessem o engano, iria procurar  o sapato também. Se a velha "coruja" descobrisse a verdade, jamais o perdoaria; teria que dissimular.
Empenhou-se na procura, até o banco do automóvel ele tirou e nada de aparecer o calçado da velha senhora. Fábio sabia que não estava ali e divertia-se fazendo as duas de tolas. A sogra não se conformava, dizia que seus pés estavam doendo porque os sapatos eram novos, por isso os tirara dos pés.
 – Como um deles poderia ter sumido? Ponderava a mulher, já que não havia buracos no assoalho daquele carro novo.
As duas mulheres se entreolhavam atônitas. Reviraram o automóvel e nada do sapato aparecer. Finalmente conformadas disseram que voltariam no outro dia para as compras. Porém, o homem fingindo ser um bom genro se prontificou para ir comprar chinelos para a sogra poder fazer as compras com sua esposa. Fábio adentrou ao supermercado sorridente, não acreditava no ocorrido, o passeio estava divertido.
Durante o jantar ele fingiu estar pesaroso pelo ocorrido e prometeu procurar melhor no dia seguinte; teria que consolar sua sogra. O homem foi dormir aliviado, tomaria mais cuidado, essa foi por pouco, Ufa!!!

Um texto de Eva Ibrahim, inspirado em um conto popular.

sábado, 25 de maio de 2013

"NEM TODA PEDRA É TROPEÇO, AS VEZES PODE SER DEGRAU." KLEBER NOVARTES--- TENTE ACREDITAR EM SEU PODER DE SONHAR, VOCÊ NÃO FAZ IDEIA DO QUE É CAPAZ DE REALIZAR! EVA IBRAHIM.

                                             SEM DEFESA.

O relógio despertou e eu me levantei para ir ao banheiro, estava com uma estranha fisgada na perna direita. A dor na barriga começou logo a seguir e tive que me deitar novamente. Depois de uma hora estava desesperada sentindo náuseas, vômitos e pedindo para ser conduzida ao Pronto Socorro, precisava de ajuda.
Cheguei ao Hospital com muita dor em flanco direito, parecia que estava com um estilete fincado no baixo ventre, mal podia mexer a perna. Muito nervosa temia morrer; não conseguia imaginar o que seria aquilo. Uma angustia parecia me sufocar, agravando o quadro. O desconhecido assusta e o medo contribui para desestabilizar qualquer ser humano; eu já estava aterrorizada. A entrada do prédio representava a “Caverna do Diabo” onde eu seria imolada viva. Imaginava muitos cortes jorrando sangue, era assustador.
Meu marido se posicionava como pano de fundo, nada dizia, apenas observava. Estava visivelmente atônito pela situação estabelecida. Nunca foi esperto e agora estava mais do que nunca abobalhado. Sua postura era tímida e deixava claro, que não contassem com ele, pois, tinha medo de ver sangue. Estava pálido e trêmulo, me deixando mais nervosa.
O veículo parou na emergência e um rapaz de avental branco veio com uma cadeira de rodas para me levar para dentro. Pensei em recusar, mas, a dor era muito grande o que me levou a sentar na cadeira. Fui rapidamente conduzida para uma sala ampla, onde fui colocada na maca. Na sala havia muitos aparatos hospitalares, era uma sala de emergência. Em seguida vieram duas enfermeiras e começaram a trocar minhas roupas por um avental de cor verde. Fiquei deitada, totalmente vulnerável, aguardando a chegada do médico de plantão.
Um médico jovem, sério e compenetrado começou as perguntas de praxe:
 - “Onde dói? – Como é a dor? – Há quanto tempo essa dor começou”?
Apertou a barriga, verificou os sinais vitais e depois pedindo licença saiu da sala sem nenhuma conclusão.
Fitando o teto, onde um ventilador velho e sujo girava devagar, fiquei imaginando que minha hora da passagem havia chegado. Não suportava mais aquela dor, queria um remédio forte para dormir e não ver mais nada, mas, pelo jeito teria que esperar.
Vinte longos minutos, contados no relógio da parede, se passaram e a porta foi aberta. Com o médico vieram mais dois; estes eram mais velhos e conversavam entre si. Eu estava me sentindo um rato de laboratório, pronta para as pesquisas. Enquanto trocavam ideias, me examinavam. Flexionaram minhas pernas, apertaram meu abdômen e um deles disse que parecia ser uma apendicite aguda e deveria ser operada rapidamente.
Que horror!
Eles falavam de mim e eu não conseguia dizer nada, tamanho era o medo que sentia.
Fiquei imaginando minhas vísceras de fora, tive vontade de chorar, mas as lágrimas não saiam; meus olhos estavam secos. Os médicos deixaram a sala e fiquei sozinha por um instante, em seguida entraram duas enfermeiras. Eram mulheres de meia idade e pareciam eficientes e amáveis. Elas falavam em tom suave tentando me acalmar. Uma puncionava minha veia para colher sangue, a outra me instruía sobre pertences, enfermaria e acompanhantes. Era uma enxurrada de informações.
Devo ter tomado alguma medicação, pois, a dor foi diminuindo e uma sensação de torpor tomou conta de mim. Passei a cochilar enquanto me preparavam para a cirurgia; percebia as pessoas andando e falando, mas não participava, estava longe, só ouvia. Parecia flutuar no ar. Confesso que queria ficar assim por muito tempo.
De repente duas pessoas pegaram a maca e saíram empurrando, voava através de corredores sem fim. Fiquei encolhida para me proteger; a sensação era horrível, temia que a maca batesse nos batentes das portas. Finalmente chegamos á uma sala com um enorme foco no meio, ali estava o centro cirúrgico, medonho e assustador.
Passei para a mesa e veio uma avalanche de informações sobre medicamentos. Colocaram uma porção de panos verdes sobre mim e comecei a ficar mole, fechei os olhos e fui sumindo devagar.
Será que veria a tão famosa luz que todos veem nas experiências de quase morte? A última coisa de que lembro é um médico perguntando alguma coisa que não consegui responder. Fiquei á mercê deles.
Acordei assustada, não sabia onde estava ou as horas; estava com frio e sentindo uma grande dor na barriga. Tentei levar a mão até a dor, mas, não consegui, era pesada demais e as pernas não obedeciam; era o fim. Duas lágrimas correram dos meus olhos, queria viver, amar, dançar, passear e estava ali prostrada, sem defesa.
Alguns minutos depois apareceu uma enfermeira dizendo que estava tudo bem e que a cirurgia fora um sucesso. Olhei para cima e li “Sala de Recuperação”.
 Ufa!  Ainda bem!
Estava viva, por um momento pensei haver morrido e não vi luz alguma. Nem tudo estava perdido; meu encontro com São Pedro teria que esperar, ainda era cedo para partir definitivamente.
Sonolenta, cochilei novamente. Acordei quando pegaram a maca para me levar até o quarto na enfermaria.
Rapidamente fui conduzida por aqueles corredores enormes, balançavam e a dor na barriga aumentava. A sensação era a pior possível, estava fraca e queria estar em minha casa. Fui colocada na cama da enfermaria e coberta até o pescoço. Com soro no braço e um corte na barriga, procurei ficar imóvel, com os olhos fechados. Comecei a rezar, nada poderia fazer além disto.
Alguém me chamou; abri os olhos e vi meus filhos, estavam aflitos, queriam saber como eu estava. Com a presença deles uma nova esperança surgiu em meu coração. Queria viver para ver a família crescer unida e feliz; certamente a minha presença seria importante.
Depois de três dias recebi alta hospitalar, poderia me recuperar no aconchego do meu lar. Estava bem, a dor já não incomodava tanto, mais alguns dias e ficaria em forma novamente. Meus familiares me paparicaram bastante e em um mês já estava curada. As dores se foram, mas, ficou a cicatriz com a certeza de minha fragilidade.
Esse episódio me fez refletir bastante e valorizar mais á saúde. Hoje tenho certeza que a vida é tênue, vivemos em uma corda bamba e a qualquer momento podemos cair.
 Agora, falando sério!
Andar de maca? Nunca mais. Ficamos soltos e temos a impressão que vamos ser arremessados ao chão á qualquer momento. É o pior meio de transporte que já experimentei.
Maca só se estiver mal, muito mal mesmo, que Deus me livre e guarde.
Um texto de Eva Ibrahim.

sábado, 18 de maio de 2013

"QUANDO MEUS OLHOS ESTÃO SUJOS DE CIVILIZAÇÃO, CRESCE POR DENTRO DELES, UM DESEJO DE ÁRVORES E PÁSSAROS"-- MANOEL DE BARROS.-- A MUDANÇA DE UM ÚNICO HÁBITO PODE MUDAR TODA UMA VIDA. EVA IBRAHIM.


                                   POR UM FIO.
O aluno estava tão cansado que mal conseguia entender o que o professor falava; a última aula passara cochilando com a cabeça encostada na parede. O professor sabia de sua correria e fingia não ver; respeitava seu cansaço. Bruno trabalhava á noite como garçom e chegava á sua casa para dormir de madrugada. O movimento no Restaurante fora grande na noite anterior; havia música ao vivo e os clientes tardaram á deixar o local. Ele estudava no período da manhã e a tarde tinha outros afazeres relacionados com sua casa. Sua esposa trabalhava à tarde e ele ficava com o filho de cinco anos. Era raro conseguir dormir antes de sair para trabalhar, por isso estava tão cansado.
 Quando tocou a sineta para anunciar o término das aulas o rapaz, de um sobressalto, apanhou suas coisas e foi saindo. Cambaleando foi pegar a moto e acelerou apressado para chegar á sua casa e dormir um pouquinho, ou não aguentaria trabalhar logo mais á noite. O trânsito era intenso na Rodovia e ele resolveu cortar caminho adentrando em um bairro da periferia; logo estaria em sua casa.
Seguia absorto em seus pensamentos, pensava em tirar férias; iria falar com o gerente do Restaurante. De repente ele sentiu um puxão e foi arrancado da moto, em seguida começou a engolir um líquido quente. Sua roupa se encheu de sangue e parecia que iria morrer afogado. Uma sensação de morte iminente e uma porção de gente chegando. Bruno caiu no chão e sua visão foi ficando turva, até desfalecer. A última coisa de que se recorda é da sirene da polícia.
Quando acordou estava no Hospital com o pescoço todo enfaixado e uma dor latejante na garganta; tentou e não conseguiu dizer nada. Sua esposa entrou com um olhar desesperado, parecia muito nervosa. Alice chegou ao lado da cama, cuidadosamente pegou sua mão e perguntou se estava com dor. O rapaz queria responder, mas, sua voz não saia. A enfermeira entrou e pediu para a mulher não insistir, depois ele tentaria novamente. O médico dissera que foi um milagre as cordas vocais de Bruno não terem sido lesadas, mas, a região da garganta estava muito inchada, por isso ele não conseguiria falar.
Com gestos ele pediu papel e caneta, queria saber o acontecido. Alice estava com uma cópia do boletim de ocorrência onde o policial relatava os fatos. Bruno fora vítima de uma linha de cerol, que quase o degolou. Com vinte e cinco pontos no pescoço e muita sorte por ter sido preservada suas cordas vocais, o garçom e sua companheira choraram abraçados. O médico passou a visita e disse ao Bruno que ele havia nascido novamente, poderia ter morrido ou ficado mudo para sempre.
O rapaz ficou internado por cinco dias e quando saiu do Hospital não acreditava que estava vivendo aquela situação, precisava se recuperar rapidamente. O ano letivo estava no final e ele não poderia perder aulas; iria concluir o curso de contabilidade. O garçom queria deixar aquela vida noturna para procurar outro serviço, menos desgastante.
Alice não se conformava com o acidente do marido. Bruno era um homem sério e trabalhador e não merecia ser vítima da irresponsabilidade de desocupados. Acompanhada de seu irmão, ela foi até o local do acidente para saber quem foi o responsável por aquele episódio tão triste. Não conseguiu descobrir nada; ninguém sabia ou não queriam dizer. Depois de muito insistir, alguém lhe disse que eram rapazes desocupados que faziam linha com cerol e não crianças.
 Aos poucos Bruno começou a emitir sons e sua voz rouca foi voltando, mas a situação o deixou magoado e tristonho; o trauma calou fundo. O dia marcado para tirar os pontos foi aguardado com ansiedade, só então ele veria o tamanho do estrago. Quando olhou no espelho, o rapaz ficou trêmulo e viu a extensão da ocorrência. Lágrimas rolavam de seus olhos e a vida passava como um filme em sua cabeça. O filho querido aparecia em primeiro plano, sua esposa, depois a mãe, dona Joana, já velhinha e doente. Seu coração doía só em pensar que poderia causar tamanha dor aos seus entes queridos. Entendeu que a vida é uma dádiva de Deus e devemos viver intensamente. Estava vivo, Teria que agradecer aos céus; foi por um fio que ele não se foi. Um texto de Eva Ibrahim.

sábado, 11 de maio de 2013

"PERGUNTARAM À FLOR DE ONDE VINHA E ELA RESPONDEU: DE UMA SEMENTE QUE NÃO SE ACOVARDOU" AUTOR DESCONHECIDO.---ESCREVA E SEU SILÊNCIO GANHARÁ VOZ. EVA IBRAHIM


                                CORDA DE FUMO
O homem corria atrás do menino, que olhava furtivamente, pois, estava com medo de ser alcançado; a surra viria de qualquer jeito. A falta fora muito grave e o castigo seria justo, pensava o menino. Rogério tremia de medo, porque seu pai trazia a corda de fumo nas mãos.
Na casa de Jardel havia um lugar destinado a pendurar a corda de fumo, que fora feita pelo avô de Jardel e passada de pai para filho. Estava na casa dele há cinco anos e nunca fora usada, servia para tirar o diabo do corpo de quem precisasse.
Os antigos diziam que somente a corda de fumo afastaria o demônio do possuído, era a crença popular da região dos Jatobás. Corria um boato de que havia oito mil capetas em um antigo pé de Jatobá que ficava na praça central da vila. Ninguém tinha certeza, pois, não havia como contar capetas pulando de galho em galho, mas, era melhor evitar. Por isso as famílias mais antigas traziam suas cordas de fumo penduradas nas paredes para o caso de um capeta incorporar algum Jatoboaense.
Jardel trabalhava de ajudante de pedreiro para sustentar sua família, a mulher e quatro filhos. Alda, sua esposa, tinha pressão alta e diabetes, não podia sair para trabalhar e os filhos eram crianças em idade escolar; a família dependia dele.
Passavam muitas dificuldades naquela casa, o dinheiro era escasso, mas comida nunca faltou. Havia uma pequena horta no quintal e algumas galinhas poedeiras. Alda fazia o almoço logo cedo e mandava um dos filhos levar a marmita para o pai, que trabalhava em uma construção ali perto. Cada dia mandava um dos meninos e Alice, a filha, ajudava na casa. A mãe não entendia porque os meninos chegavam a discutir para levar o almoço do pai; parecia que gostavam muito da tarefa. Rogério, o mais velho, estava sempre pronto para pegar a marmita e levar para o pai. Alda achava graça, pois, crianças naquela idade gostam de brincar e os dela queriam agradar o pai; ela sorria feliz.  
Jardel recebia o almoço e procurava um lugar onde pudesse comer sem que os colegas vissem; pois sentia pena no olhar de cada um. A sua marmita era a única que não tinha mistura, nem um pedaço de carne ou um ovo frito, somente o arroz e o feijão.
Por diversas vezes tentou perguntar à Alda se não tinha nada para por na marmita, porém, acabava desistindo, tinha pena de sua mulher. Os colegas de trabalho de Jardel queriam dividir a mistura com ele, mas o homem não achava justo, pois todos tinham muito pouco. Ele sentia-se humilhado e comia longe das vistas dos outros, tinha vergonha daquela situação.
Um dia, os filhos tiveram que ir á Escola mais cedo e a mulher acompanhada da filha foi levar a comida ao marido. Quando Jardel abriu a marmita deu um sorriso; estava cheia e com muita mistura. Arroz, feijão, mandioca frita e um gomo de linguiça assada na brasa. O homem comeu com gosto sob os olhares atônitos dos colegas.
- Onde será que sua esposa arrumara dinheiro para comprar a linguiça? Ela vivia fazendo crochê e poderia ter vendido algum trabalho, pensou Jardel, feliz da vida. Chegou a sua casa alegre e queria agradecer à sua mulher, mas temia ofendê-la e resolveu ficar calado. Amava sua família e não queria brigas ali, comeria o que tivesse.
Na segunda-feira, Rogério levou o almoço e Jardel, ansioso, abriu a marmita. Estava como sempre, somente arroz e feijão; teria que conversar com Alda. Não era certo, ele trabalhava em um serviço pesado e merecia ao menos um ovo frito. Havia visto ovos sobre a mesa; não custava nada ela fritar um ovo para ele. Passou o resto do dia triste e nervoso, não poderia ficar calado, estava com vergonha dos colegas que queriam repartir sua mistura com ele.
Depois do jantar ele sentou-se com sua esposa e perguntou a ela se o dinheiro não dava para comprar mistura, ele estava preocupado. A mulher, surpresa, indagou ao marido o porquê daquela pergunta. Jardel, emocionado e com os olhos cheios de lágrimas disse que todos no serviço, tinham pena dele, que era o único que comia sem mistura.
A mulher ficou em pé e atônita disse ao marido que nunca mandara comida sem mistura para ele.
- O que estaria acontecendo?
 O pai chamou os três meninos e os dois menores começaram a chorar. Disseram que comiam as misturas quando levavam a marmita, mas quem comia mais era o Rogério, que ameaçava bater neles se contassem a alguém o fato.
O pai trancou os dois filhos menores no quarto, porque depois acertaria a conta com eles. Pegou o fumo em corda, que estava pendurado na parede e foi para cima de Rogério, o filho mais velho. Dizendo que é com fumo em corda que se tira o diabo do corpo das pessoas, ele saiu correndo atrás do filho.
As pessoas que passavam na rua paravam para ver o desfecho daquela situação. O Jardel, homem pacato, correndo na rua com a corda de fumo para bater no filho, era inédito; o caso parecia muito grave.
-Por que o homem estaria tão irado? Era a pergunta que estava em cada rosto ali parado. Alda veio atrás pedindo para o marido relevar a traquinagem e o homem parou no meio da rua. Não parecia certo resolver as coisas de sua casa na frente de pessoas estranhas, Jardel pensou e resolveu mudar de atitude. Rogério era um menino de treze anos e o pai não tinha pernas para acompanha-lo, mas tinha autoridade e foi assim que alcançou o filho.
–Pare agora ou você não entra mais em casa. Rogério parou e o pai pegou o menino pelo braço conduzindo-o a sua casa para apanhar de fumo em corda. Chegou a casa e o menino pedia perdão ao pai, dizia que fizera aquilo sem pensar, pois, tinha muita fome. Sabia que estava errado, mas era guloso e inconsequente.
Jardel dependurou a corda no lugar reservado e mandou que os três filhos sentassem no sofá e lhes explicou que o que fizeram era um ato desumano. Formavam uma família e repartiriam tudo o que tinham, mas teriam que respeitar uns aos outros e como castigo eles comeriam somente arroz e feijão durante seis meses. Os meninos permaneceram de cabeça baixa, pois sabiam que o castigo fora justo.
Ainda bem que o bom senso prevaleceu e o pai não utilizou a corda de fumo; não foi dessa vez, mas faltou muito pouco para a corda lamber as pernas dos meninos. Continua lá para qualquer dia tirar o diabo do corpo de quem necessitar. Um texto de Eva Ibrahim.
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