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terça-feira, 2 de abril de 2013

"A ARQUITETURA DA MINHA ALMA É BARROCA. SOU FRACO, SOU FORTE, SOU LUZ, SOU SOMBRA. SOU DE AÇO, SOU DE FLORES" ---AUTOR DESCONHECIDO----O VENTO QUE PASSOU POR AQUI ME ENSINOU A VOAR.---EVA IBRAHIM


                                       O HOMEM DAS CHUPETAS.

A menina estava sentada no degrau do portão que dava para a calçada da rua, esperando seu pai chegar. De repente, levantou-se correndo e foi chamar sua mãe. Agarrou-se à saia da mãe e chorando dizia que o homem das chupetas estava lá fora. Alice tratou de acalmar sua filha de cinco anos, que soluçava sem parar. Bruna, a menina, tinha muito medo do homem das chupetas. Quando ele surgia no início da rua, todas as crianças corriam para esconder-se.
Tudo começou quando apareceu na pequena cidade, um mendigo cheio de colares coloridos. Os antigos sempre assustaram as crianças com ameaças de serem levadas pelos homens dos sacos, mas, em Visconde de Borá era o homem das chupetas quem assustava as crianças.
 O mendigo, de alcunha Degão, trazia no pescoço, pendurados, diversos colares com chupetas de crianças, que eram amarradas com barbante. Quando ele andava com o saco de objetos pessoais nas costas, os colares balançavam e faziam um barulho estranho. Parecia um guizo de cobra coral, o que tornava o maltrapilho mais assustador.
 As mães aproveitavam a figura aterrorizante para fazer medo às crianças e contê-las dentro de casa. Naquele bairro pobre da periferia a maioria das pessoas vivia com dificuldades, por isso ninguém dava esmolas; Degão mal conseguia o que comer. Porém, ele sempre trazia chupetas novas penduradas no pescoço. O homem andava por ali já fazia algum tempo e uma pergunta passou a ser feita pela população local.
-Se o mendigo não trabalhava, como ele conseguia dinheiro para comprar chupetas?
 A verdade é que cada vez que ele aparecia trazia novos colares com mais chupetas. Eram tantas que pareciam colares para o baile Havaiano. Degão tornou-se o terror das crianças, que não saiam do portão para fora, desacompanhadas. Os pequenos, que chupavam chupetas, deixavam- nas escondidas embaixo do travesseiro e só a pegavam à noite, na hora de dormir.
Um dia o mendigo apareceu no bar e pediu um trago para uma turma de amigos, que tomavam cachaça antes do jantar, para abrir o apetite, diziam. Degão tomou a cachaça e saiu apressado, quando um dos amigos propôs segui-lo para ver aonde ele conseguia as chupetas. Zeca, o mecânico e Aldo, o pedreiro, resolveram segui-lo. O homem andava rápido pelas ruas escuras e descampadas. Os dois amigos se entreolharam temerosos, estavam indo para o cemitério.
Degão pulou o muro e entrou no cemitério, desaparecendo na escuridão. Os dois amigos resolveram voltar, pois, ficaram com medo de segui-lo.
No dia seguinte voltariam para assuntar com o coveiro se o mendigo dormia no cemitério. A curiosidade aumentou quando voltaram e contaram aos outros amigos para onde o homem tinha ido. Os cinco amigos fizeram uma aposta para descobrir de onde vinham as chupetas; quem ganhasse levava uma caixa de cervejas para casa.
Zeca e Aldo já planejavam um churrasco com a cerveja que iriam ganhar dos amigos. Na hora do almoço os dois homens foram ao cemitério e encontraram o coveiro descansando na sombra de algumas árvores das alamedas entre os túmulos. Enquanto os homens conversavam chegou um casal com uma criança e adentraram ao cemitério. Zeca perguntou ao coveiro aonde o casal iria e ouviram uma história surpreendente.
O coveiro explicou que havia um túmulo onde estava enterrado um menino que morreu depois de ser picado por uma cobra venenosa e sua mãe, muito triste, colocou a chupeta do menino dentro do caixão, pois era a coisa que ele mais gostava. Alguns anos se passaram e surgiram boatos de que o menino fazia milagres; havia sempre muitas flores em seu túmulo.
E a crendice popular dizia que se as crianças dessem a chupeta para ele, nunca mais voltariam a gostar de chupetas. As mulheres da região vinham com seus filhos e deixavam as chupetas ali. No dia seguinte as chupetas desapareciam e todos pensavam que o menino viera buscar, disse o coveiro com olhar assustado.
Os dois amigos desconfiaram de quem roubava as chupetas, mas combinaram com o coveiro para dar um flagrante no ladrão. À noite eles ficariam escondidos para ver quem entrava ali. Com lanternas e máquinas fotográficas eles esperaram o meliante.
O ladrão apareceu e sob as luzes das lanternas começou a chorar.
Degão soluçava e dizia que pegava as chupetas porque quando era criança seu pai não permitira que lhe dessem chupetas e agora ele dormia com uma delas na boca. Ele adorava chupetas.
 O coveiro e os dois amigos se entreolharam surpresos, o mendigo parecia ter um retardo mental; era digno de compaixão.
Os dois amigos fizeram um pacto com o coveiro para manter aquela história em segredo, afinal as chupetas não pertenciam a ninguém e Degão era um pobre homem. Era melhor deixar essa história de lado, milagres eram coisas de Deus e eles não queriam se comprometer. A cerveja ficaria para outra ocasião. Um texto de Eva Ibrahim.

sábado, 23 de março de 2013

"A NOITE ACENDEU AS ESTRELAS, PORQUE TINHA MEDO DA PRÓPRIA ESCURIDÃO".---MÁRIO QUINTANA---"NO FUNDO É SIMPLES SER FELIZ; DIFÍCIL É SER TÃO SIMPLES".---LEONI.


                                                  O PERNALONGA.
Era uma cidade pequena localizada no planalto paulista; lugar onde a indústria têxtil empregava a maioria da mão de obra da região. As indústrias de tecidos seguia a tradição deixada pelos seus fundadores. As confecções estavam por toda parte; havia muitas lojas de roupas de crianças. A variedade era grande e pessoas de outras cidades vinham para comprar no atacado e revender.
O automóvel descia a rua principal e no volante um senhor de meia idade conversava com sua filha Laura, que estava sentada no banco do carona. Era um bom carro aquele, um Honda, corria muito e Pepe, o pai, estava contente, pois realizara seu sonho. Por isso os dois saíram da cidade vizinha para fazer compras para a loja de roupas infantis, da outra filha, a Sonia, que fora inaugurada recentemente.
Na verdade o homem queria testar o automóvel novo; estava feliz. Pai e filha ficaram satisfeitos com as compras de roupas infantis, realmente aquela fábrica, onde compraram, vendia com preço bom e vantajoso. O pai propôs parar em uma lanchonete para comerem alguma coisa, estava com fome e Laura concordou. Pepe, olhando para os lados à procura do local ideal para estacionar, viu correndo na calçada um rapaz com uma sacola na mão. Atrás dele uma porção de gente gritando – pega-ladrão – pega-ladrão.
 O homem tinha pernas longas e corria rapidamente; olhava para trás e ria com jeito abobalhado. Ninguém o alcançava, ele corria como se estivesse em uma maratona, chacoalhando a sacolinha que levava na mão. Pepe assustado parou o automóvel para ver o que estava acontecendo e de repente um policial armado de metralhadora abriu a porta de trás do carro e mandou o motorista seguir o meliante. Laura gritou assustada e seu pai disse que não poderia perseguir o rapaz, pois, aquela rua, era contra mão. Com a arma em punho o policial dizia ser autoridade e ele deveria obedecer.
Pepe, com olhos arregalados, mal conseguia dirigir tamanho era seu nervosismo; não queria estragar seu carro novo. Laura olhou para o policial com a arma apontada para os transeuntes e perguntou o que o rapaz que corria havia roubado.
-Deveria ser alguma coisa de muito valor, quem sabe alguma joalheria? Ponderou a moça.
-O que havia na sacola que o rapaz carregava? Perguntou Pepe, assustado.
Para surpresa dos dois, o policial disse que o assalto fora na padaria e ele roubara alguns pães. O motorista ficou pasmo, todo aquele movimento de pessoas e até metralhadora para pegar um ladrão de pães?
- Por acaso ali seria o “Velho Oeste” americano, na versão brasileira?
Naquele momento apareceram duas viaturas para dar apoio ao policial, que felizmente desceu do automóvel de Pepe. O Pernalonga finalmente foi rendido pela força policial. Deitado no chão e algemado ele sorria o tempo todo; era visível que tinha algum problema mental. Desapontado os policiais abriram a sacola e de lá caíram três pãezinhos do tipo francês e algumas moedas. Quando a família apareceu explicou que o dinheiro era para pagar os pães. O rapaz não era ladrão, apenas tinha um retardo mental, mas, fazia compras normalmente.
Ele pegou os pães e todos ficaram olhando para ele. Com certeza pensaram que ele não iria pagar e o rapaz assustado saiu correndo, promovendo uma verdadeira caçada. Tudo fora esclarecido e os pães foram pagos. O suposto ladrão de um metro e noventa, seguiu para a delegacia com os policiais e familiares.
Os policiais desconcertados pediram desculpas ao Pepe, que nada tinha a ver com a ocorrência. O homem e sua filha trataram de ir embora daquele lugar onde o roubo de pães era atendido com metralhadora. Por pouco seu carro novo não virou peneira; estavam na linha de fogo....,
-Ufa! Que horror.  Um texto de Eva Ibrahim.

sexta-feira, 15 de março de 2013

"UM DIA, QUANDO OLHARES PARA TRÁS, VERÁS QUE OS DIAS MAIS BELOS FORAM AQUELES EM QUE TIVESTES QUE LUTAR"... SIGMUND FREUD---POR ISSO SE QUISER SE LEMBRAR COM SAUDADES DO DIA DE HOJE, VÁ A LUTA! --- EVA IBRAHIM


                                   UMA CABEÇA FALANTE.
         Cecília parou o automóvel em frente ao portão e acionou o controle remoto, pedindo a Deus para que seu marido estivesse dormindo. Se ele percebesse que ela estava chegando tarde, não haveria desculpa que o convencesse a ouvi-la. Seria cobrada, ofendida e teria que ficar calada mais uma vez; era sempre assim, até ele se sentir satisfeito e parar de atormentá-la. Cecília entrou na garagem e desligou o automóvel. Em silêncio fechou a porta e acionou o alarme, seguia em frente com a certeza de que Arnaldo ainda estaria acordado.
         A mulher adentrou a sala e percebeu que havia uma quietude estranha, nenhum som, apenas os passos dela no chão de madeira podiam ser ouvidos no ambiente escuro. Acendeu a luz do abajur para poder tomar ciência do que havia ali e ficou surpresa ao ver sua filha dormindo no sofá. A mulher ansiosa seguiu para o quarto. O marido estava na cama dormindo e nem se mexeu quando ela entrou. Cecília respirou aliviada, iria se enfiar na cama e dormir rapidamente.
         Mais uma vez o sono não vinha, estava agitada demais para dormir e muito perturbada com os últimos acontecimentos. Foi uma tarde de muita emoção e seus olhos estavam inchados de tanto chorar. Retornara do enterro de seu pai, que havia falecido depois de um longo período de internação no Hospital. Ele morreu de um câncer de fígado, estava na fila do transplante, mas a morte o levou antes de chegar a sua vez. Cecília foi visita-lo algumas vezes e sempre quando chegava, seu marido a ofendia dizendo que ela fora atrás de homens para namorar. Ainda bem que sua filha conseguira fazer o pai dormir antes que ela chegasse, porque não iria suportar mais uma cena daquelas; estava muito triste. Fazia tempo que Cecília não ria pra valer, sua vida tornara-se um tormento, desde que seu marido adoecera.
        Quando Arnaldo e Cecília casaram-se tinham a certeza de uma vida feliz, pois havia muito amor entre eles. O casal tinha uma boa casa e um sítio de 20 alqueires de onde tiravam o sustento da família. Plantavam cana de açúcar, criavam porcos, galinhas, patos e também algumas vacas leiteiras. O caseiro fazia horta e cuidava do sítio; havia fartura no local. Logo vieram os filhos, um casal; Cássio e Luiza e os quatro viviam felizes, uma família perfeita.
        No aniversário de dez anos de Cássio a família toda se reuniu em um grande churrasco; o clima era de festa.  Já estava escuro quando todos os convidados saíram e Arnaldo sentou-se em uma cadeira, parecia desolado. Cecília perguntou se ele estava passando mal e ele disse que estava sentindo muito cansaço e parecia que suas pernas não obedeciam a sua vontade. A mulher o aconselhou a ir deitar-se logo, pois aquilo poderia ser cansaço natural, ele trabalhara bastante nos preparativos da festa. No dia seguinte, domingo de manhã, o homem levantou-se cedo e andava arrastando as pernas; elas pareciam pesadas demais. O dia foi passando e nada de Arnaldo sentir melhoras, pelo contrário, ele começou a sentir formigamento nas pernas.
        Cecília apreensiva prometeu acompanha-lo ao médico na segunda feira. O médico pediu uma porção de exames para depois fazer uma avaliação rigorosa da fraqueza e dormência nas pernas de Arnaldo. Durante a semana foram a diversos locais para exames diferentes e cada vez o homem reclamava mais de dores nas pernas. A situação estava se agravando, ele passava a maior parte do tempo deitado na cama ou no sofá. Finalmente depois de quinze dias e uma junta médica veio o diagnostico: esclerose múltipla.
        A partir dessa data a vida naquela casa mudou completamente. Cecília e Arnaldo passaram a fazer uma busca incessante da cura da doença. No início os sintomas são transitórios e Arnaldo conseguiu ficar bem durante o primeiro mês, após o diagnóstico. Estavam animados e cheios de planos, mas durante uma caminhada no sítio, o homem perdeu as forças das pernas e ficou sentado no chão. Foi levado para a casa do sítio carregado pelo caseiro. Cecília foi busca-lo e o médico achou melhor interna-lo para novos exames. Depois de alguns dias, Arnaldo melhorou e voltou para casa mais animado; parecia estar bem; as dores diminuíram.
        O médico havia explicado à Cecília que os sintomas da doença no início, vão e voltam independente do tratamento. As manifestações da doença são remitente-recorrente e às vezes demora meses ou até anos para nova manifestação. Porém, a situação de Arnaldo não era das mais fáceis, os sintomas eram característicos e bastante graves. O homem sentia fraqueza nas pernas, visão turva e descontrole urinário. Ele foi novamente internado e quando recebeu alta parecia que a doença estava controlada, disse o médico. O casal ficara esperanço, porém, foi pura ilusão.
        Durante um ano inteiro e muitas idas e vindas aos Hospitais Arnaldo percebeu que estava se tornando um inválido; mal conseguia parar em pé, tamanho era o formigamento que sentia nas pernas fracas e bambas. Os três primeiros anos se passaram com crises de média duração, mas no quarto ano, Arnaldo não conseguia levantar as pernas, até que passou a se locomover em uma cadeira de rodas; Cecília estava desolada e fazia tudo para aliviar o sofrimento do marido, tomando conta dos negócios e dando assistência às suas necessidades. Os filhos exigiam atenção da mãe que a essa altura da vida perdera as ilusões, seu marido tinha um péssimo prognóstico e ela teria que ser forte.
         Aos poucos ele foi ficando paralisado, permanecia muito tempo na cama, sua coluna estava comprometida; não andava mais na cadeira de rodas. Os anos foram passando, as crianças crescendo e Cecília lutava com os negócios e cuidava do marido que já não tinha nenhum movimento do pescoço para baixo; seu marido ficara tetraplégico. Arnaldo, aquele moço bonito com quem, um dia, ela se casara, agora era apenas uma cabeça falante. Com lágrimas nos olhos ela virou-se para dormir, nada mais poderia fazer; o relógio marcava meia-noite. Um texto de Eva Ibrahim.

domingo, 10 de março de 2013

BÓRIS, O DESAJEITADO. ---"SAIBA VALORIZAR QUEM TE AMA. ESTES SIM, MERECEM O SEU RESPEITO. QUANTO AO RESTO, BOM, NINGUÉM NUNCA PRECISOU DE RESTOS PARA SER FELIZ". CLARICE LISPECTOR.


O CÃO E O VAGABUNDO.
           O burburinho na Rodoviária era grande, as pessoas apressadas puxavam malas e carregavam bolsas pesadas; até crianças levavam mochilas nas costas. A correria era intensa, pois o feriado fez com que o fim de semana ficasse mais longo e todos queriam viajar. O ônibus que iria para a capital estava atrasado e se formara um aglomerado de gente inquieta. Muita conversa e reclamações faziam a fila serpentear para os lados perdendo sua forma original.           
           Ninguém viu de onde surgiu um homem visivelmente bêbado, cambaleava e falava coisas sem sentido. Ele começou a incomodar as pessoas que estavam na fila pedindo dinheiro e cigarros. As pessoas ansiosas ficavam de costas, outros disfarçavam para fugir daquela conversa inoportuna. Cada pessoa estava focada em embarcar o mais rápido possível e fugir daquela aglomeração.
           De repente apareceu um cachorro Rottweiler preto, velho e manso; seus cotovelos estavam gastos e seu corpanzil parecia flácido, isto é, magro. Ele chegou rápido e foi lamber a mão daquele homem, que mais parecia um farrapo humano. O bêbado  olhou para ele e ordenou com o dedo indicador em riste, que ficasse sentado ali, naquele lugar. O cão, que deveria pertencer ao molambo, ergueu as patas para que ele as segurasse, mas, ele ignorou a atitude do cão e reforçou a ordem dada em tom exacerbado.
             Extático, o cachorro permaneceu sentado, somente as orelhas estavam alertas esperando uma contra ordem para sair dali. O vagabundo andava e olhava para trás para ter certeza que o cão obedecera a sua ordem. O homem parou para conversar com outro bêbado e o rottweiler permanecia no mesmo lugar. As pessoas que estavam alvoroçadas pararam para observar a cena, era incrível como o cachorro obedecia á ordem de seu dono. Não havia outra explicação para uma atitude tão servil e aquele bêbado com certeza não tinha comida para alimentar um cachorro daquele tamanho.
            Durante dez minutos o rottweiler permaneceu sentado no chão sem tirar os olhos do dono, que agora conversava com outra pessoa. A atenção das pessoas foi concentrada na situação inédita em que o poder do vagabundo sobre o cachorro era de se admirar. De repente o homem foi andando e o cachorro erguia as orelhas quase pedindo socorro, mas, em sua completa fidelidade ele não saiu do lugar. Quando o bêbado lembrou-se do cão, já estava á cinquenta metros de distância e ai ele assoviou e o cachorro mais feliz do mundo saiu correndo para lamber a mão do homem, que cheirava á álcool. Ali estava a prova de que o cão é o maior amigo do homem, seja ele quem for. O amor incondicional pelo seu dono e a obediência total.
Os dois, o cão e o vagabundo, deixaram a Rodoviária e seguiram seu caminho diante dos olhares espantados das pessoas. Um texto de Eva Ibrahim.

sábado, 2 de março de 2013

"É MUITO FÁCIL SER PEDRA, O DIFÍCIL É SER VIDRAÇA".--- PROVÉRBIO CHINÊS.---DURMA COM IDÉIAS E ACORDE COM ATITUDES. EVA IBRAHIM.


                           HOMEM DE ALUGUEL.
          Era verão e o calor abafado deixava as pessoas mais lentas e nervosas; quase todas as tardes caia uma chuva torrencial, que alagava as principais ruas da cidade. Durante aquela semana a chuva comparecera todos os dias. As paredes já mostravam sinais verdes de bolor; a umidade estava por toda parte.
         Sara acordou cedo, estava preocupada, não sabia o que fazer para acabar com um vazamento de água que a estava atormentando há dias. A água vertia da parede e escorria pelo chão, era um vazamento no registro do lado de fora da cozinha. Olhou e entrou desolada, que falta fazia um homem prendado, isto é, aquele que quebra todos os galhos de uma residência; conserta chuveiro, ferro de passar roupas, troca lâmpadas, faz pequenos consertos em fechaduras, pinta paredes e limpa o quintal, sem chiar. Animal em extinção nos dias de hoje.
        Ela se apoiou na pia da cozinha e fitando o dedão do pé sentiu pena de si mesma; não tivera sorte. Seu marido nunca foi chegado em fazer consertos, não gostava de sujar as unhas, se julgava chique para tais afazeres. Agora que estava separada tinha que resolver tudo sozinha; a filha casada morava com ela, mas o marido, um rapaz jovem e sem nenhuma habilidade, era carta fora do baralho; podia piorar ainda mais a situação do vazamento.
        Não conhecia ninguém que consertasse encanamentos obsoletos, tinha que pensar...
Uma frase não saia de sua cabeça: “você não é quadrada, se vira”, dizia sua mãe, quando Sara era criança. Agora ia se virar como soubesse ou pudesse. 
Decidida, pegou uma lista telefônica e sentou-se no sofá, tinha que achar uma solução urgente.
         Folheando a lista deparou com uma loja de materiais de construção e pensou que era ali que estava á solução, discou o número e aguardou para ser atendida. Uma voz feminina do outro lado perguntou o que ela desejava e Sara disse:
         - Preciso de um homem de aluguel. A moça horrorizada disse um palavrão e desligou. A mulher ficou atônita. Onde foi que errou? Sara estava assustada, mas não iria desistir, teria que tentar novamente, talvez a moça da loja tenha interpretado errado o que ela disse. Não queria um homem para programas escusos, mas para consertos de encanamentos.
         Procurou outra loja de materiais de construção e ligou, agora seria  mais explicita, precisava dar certo.
Foi um rapaz que a atendeu e ela explicou o problema dizendo que precisava de um encanador; O homem se mostrou compreensivo e lhe deu um número de telefone para ela ligar e tentar contratar o serviço.
Finalmente o encanador fêz o trabalho e por um serviço de duas horas levou uma grana preta, mas acabou com o vazamento.
         -Que alívio! Estava satisfeita, resolvera o problema.
        Depois de alguns dias ao acender a luz da cozinha percebeu que estava queimada, era uma luz de mercúrio;
       - E agora? - O que fazer?
Sara precisava de outro homem de aluguel, um eletricista, mas já era tarde; deixaria para o dia seguinte.
        Foi dormir com aquele pensamento, ligaria para uma loja de ferragens, daria certo novamente.
A tensão era grande e ela sonhou que em frente á sua casa havia um enorme cartaz com letras pintadas em vermelho:

       ”PRECISA-SE DE UM HOMEM DE ALUGUEL”.

        No portão, vestidos com uma sunga preta, estavam cinco homens musculosos se oferecendo para o serviço; a mulher corou e entrou rapidamente, fechando a porta.
        - O que a vizinhança pensaria dela? Que horror! Era honesta e não gostava de desfrutes, porque aquela situação estava acontecendo? Será que a moça da loja havia mandado aqueles homens ali?
Sara começou a suar em bicas, se via nua em frente á filha, o genro e os netos; queria morrer. Não suportaria tamanha afronta.
De repente uma campainha soou e ela acordou, era o despertador; Surpresa e aliviada ela percebeu que estava sonhando. Levantou-se rapidamente e respirou profundamente, não fora exposta a maledicência pública.
        Sara jurou para si mesma, que nunca mais diria que precisava de um “Homem de aluguel” e sim de um eletricista, encanador, pedreiro e outros. A mulher havia compreendido o poder da palavra. 
        Um texto de Eva Ibrahim

domingo, 24 de fevereiro de 2013

MARINA VESTIDA DE NOIVA NA FESTA JUNINA DA ESCOLA.--- "DESEJO A VOCÊS: (...) NAMORO NO PORTÃO. DOMINGO SEM CHUVA. SEGUNDA SEM MAU HUMOR. SÁBADO COM SEU AMOR (...)" CARLOS DRUMOND DE ANDRADE.


                                                           É PRA CASAR.
         Estava sentada na rodoviária aguardando o embarque para minha viagem anual de férias, quando duas jovens se aproximaram e na despedida se beijaram no rosto; um de cada lado. Porém, a mais velha puxou a amiga dizendo que faltava um.
       - Tem que ser três beijinhos, é pra casar.
         A moça partiu e eu fiquei pensando que no século vinte e um ainda há pessoas preocupadas em seguir rituais que as levem ao altar. O matrimonio, instituição tão desacreditada, que facilmente se desfaz, ainda povoa a mente da maioria das mulheres. São jovens, viúvas, separadas e homens também; todos são sensíveis ao acasalamento de papel passado.
        Como podemos acreditar que os sonhos acabaram se os presenciamos todos os dias. Somos seres humanos bastante desenvolvidos e práticos, mas na verdade somos seres espirituais, tão vulneráveis quanto os nossos antepassados. Podemos constatar esse fato nas telenovelas, nos livros, na delegacia e dentro de nossas famílias, pois todos nós conhecemos alguém muito apaixonado. Aquele parente com cara de bobo, que é capaz de matar por amor.
        Outro dia eu ia para o trabalho de carona com uma colega e conversávamos futilidades, isto é, "papo cabeça". Eu estava lhe contando o assunto de uma palestra que havia assistido em um seminário de autoajuda. O palestrante dizia que a nossa mente é poderosa e tudo que quisermos conquistar deve partir do nosso íntimo. Podemos concretizar nossas metas com afirmações positivas e até fotos para ficarmos receptivos aos nossos desejos.
         A minha amiga está á procura de uma casa para comprar e eu sugeri que pregasse uma foto de uma casa na porta da geladeira, para ver se dá certo. Com um sorriso maroto ela me perguntou se poderia colocar uma foto de um par de alianças perto da casa. Surpresa, eu disse que para uma mulher que havia acabado de sair de um casamento tumultuado ela estava bastante animada. Sugeri, então, que colocasse também os noivinhos e se possível uma foto do bolo.
         Rimos bastante, o que alegrou o nosso dia; fizemos algumas considerações sobre a falta de bons partidos para trocar alianças, mas, concluímos que um ombro para colocar nossas cabeças é indispensável. O aconchego é calmante e protetor.
         O fato é que a carência afetiva está nas ruas, jornais, revistas, agências de casamento e até nas rádios. As pessoas querem consultar o tarô, horóscopos, videntes e todo tipo de previsões que a mídia oferece. É uma fábrica para alimentar os sonhos das pessoas, que se iludem propositalmente para escapar da solidão.
         Passei a observar o modo de cumprimentar das pessoas e me surpreendi com a quantidade de beijinhos distribuídos em nome de um futuro casamento.
Todos querem companhia, decididamente não nascemos para viver sós; até os mais velhos, com experiências anteriores desastrosas, querem tentar novamente. Vale tudo para desencalhar. Apelar para Santo Antônio com promessas, praticar rituais obsoletos e três beijinhos, que os antigos garantem ser infalíveis.
         Abri o jornal semanal para dar uma olhada e fiquei surpresa com a notícia do casamento de uma solteirona da vizinhança. A moça, tida como virgem e adepta dos beijinhos, conseguira se casar. O comentário foi geral:
        - Se a Lucinda conseguiu casar, qualquer uma casa, é só seguir o ritual.
Com essa história eu quero dizer para todas as mulheres que estiverem sós, que ainda resta uma esperança; não custa nada, é só tentar. A partir de hoje só devem aceitar cumprimentos acompanhados de três beijinhos, porque é pra casar.
        Um texto de Eva Ibrahim.
MEU MUNDO REINVENTADO.

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