DIAS TERRÍVEIS
CAPÍTULO 13
A dor era lancinante e subia pelo braço; parecia que havia uma faca espetada no seu dedo polegar. Chegou da mata rapidamente, o tanto que sua canseira permitiu e foi lavar a mão desesperadamente, depois tirou a roupa que usava e saiu atrás do dono da mercearia. Jofre, o comerciante, ficou muito assustado ao ver os dois furos da picada da cobra na mão de Antonio.
Indagou que tipo de cobra fizera aquele estrago e ele não sabia dizer. Quando jogou a cobra para longe viu que era grossa como um cano de água e tinha uma variação de marrom em seu corpo. Não vira mais nada, a dor parecia cegá-lo, precisava de ajuda. Jofre pediu ao filho para tomar conta da venda e levou o conhecido para o Pronto Socorro, era caso de urgência.
O médico que o atendeu disse que poderia ser muito grave e como não sabia o tipo de cobra que o havia picado, ele tomaria o soro antiofídico polivalente e ficaria em observação para acompanhar a evolução do quadro. Com um olhar sério e penetrante, o velho médico, lhe disse:
- Há casos de picadas de cobras que deixam aleijões horríveis no local da picada, esperamos que não seja o seu caso. Depois disse que Antonio ficaria internado para observação até o dia seguinte ou poderia morrer sozinho.
A contra gosto foi colocado em uma maca com o braço elevado e orientado a ficar em repouso absoluto. O homem sentiu medo e concordou em ficar ali até o dia seguinte. Jofre saiu dizendo que voltaria no outro dia.
Antonio não se conformava com a situação em que se encontrava, a única explicação que vinha a sua cabeça era a perseguição da pedra amarela. Era um homem marcado pela desgraça e nada poderia fazer. Se conseguisse encontrar a tal pedra, a levaria para a represa de onde foi retirada.
Foi uma noite de muitos pesadelos e aflições; sentia muita dor e a picada da cobra parecia se repetir o tempo todo. Despertou com o rosto inchado e mal conseguia abrir os olhos, sentia-se mal, o dedo latejando e vermelho; o veneno era potente, não havia dúvidas.
O Doutor chegou e perguntou se havia feito xixi e Antonio disse que não. O velho médico, muito sério, disse que ele só seria liberado após a primeira micção e o resultado dos exames. Não deixaram ele se levantar e depois do xixi no papagaio ele foi tranquilizado; sua urina não continha sangue, era um bom sinal.
No horário de visitas o Jofre chegou para vê-lo e Antonio queria ir embora. Insistiu muito e o médico concordou desde que ele permanecesse em repouso durante três dias e depois retornasse ao Hospital para nova avaliação.
Agradeceu ao novo amigo e adentrou à sua casa, precisava dar comida ao Lobo e ver como o Bernardo estava. Olhou no espelho e não se reconheceu, estava muito inchado, barbudo e fedido. Daquela vez, a pedra amarela quase o matou, foi por pouco. Entrou debaixo do chuveiro, precisava se livrar daquele cheiro horrível de mato misturado com Hospital. Deu comida ao Lobo e foi deitar-se, estava muito fraco.
Em três dias ele ainda estava mal, o corpo dolorido e o dedo vermelho e muito inchado. O retorno ao médico foi preocupante; seu dedo desenvolvera uma celulite no local da picada e poderia piorar ainda mais, disse o médico receitando antibióticos.
Antonio estava travado pelos últimos acontecimentos, mal conseguia andar dentro da casa, seu consolo era Bernardo, que ouvia suas queixas e reclamações.
Depois de uma semana ele saiu para comprar comida no empório do Jofre, que era a única relação que mantinha com o mundo fora de sua casa. Comprou o que precisava e tratou de voltar para sua casa, ainda estava debilitado.
Deitado na rede juntamente com Bernardo, o homem olhava as estrelas e se perguntava por que acontecera aquilo com ele? Esperava que seu dedo melhorasse e que dias melhores viessem, porque aqueles foram terríveis.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.
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sexta-feira, 15 de novembro de 2013
"SOBRE AS ASAS DO TEMPO A TRISTEZA VAI SE EMBORA" LA FONTAINE-- O IMPORTANTE É ATRAVESSAR OS SEUS DESERTOS. EVA IBRAHIM.
Eva Ibrahim,
sou amante das artes, da natureza e da familia; as vezes, gosto de ficar sozinha;
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
"NÃO HÁ NENHUMA ÁRVORE QUE O VENTO NÃO TENHA SACUDIDO". PROVÉRBIO HINDU--- AS VEZES BASTA VALER A PENA. EVA IBRAHIM.
ADENTRANDO À MATA.
CAPÍTULO 12
Deixou a casa com alguns móveis para
Flora e se mandou com o boneco, o Lobo e algumas coisas de uso pessoal. Na
carta que deixou sobre a mesa da
cozinha, dizia que o aluguel estava pago por três meses e ela estava livre e
ele também. Gostava dela e do menino, mas preferia ficar sozinho.
A mulher não entendeu nada, mas teve
que aceitar, ele não deixara endereço com ninguém; não queria ser encontrado.
A sua vida começava naquele dia,
seu passado estava enterrado, respirou profundamente e adentrou à nova casa com
a mala e uma mochila nas mãos. O cachorro, a cama, o fogão e alguns utensílios
domésticos ele trouxera no dia anterior com um caminhão de aluguel. Colocou a
mala sobre a cama e tirou o Bernardo dali, dizendo que nunca mais ele teria que
ficar preso na mala, pois, aquela era sua casa.
No dia seguinte, tratou de sair para
comprar comida e conhecer a vizinhança. O dia foi cheio de compras: móveis
usados, televisão, geladeira, sofá, mesa, cadeiras e uma rede para colocar na
área dos fundos. O homem estava contente e sorriu abraçado ao Bernardo, antes
de se deitar para dormir.
Durante uma semana, Antonio
teve muito trabalho para organizar sua casa e finalmente estava tudo como ele
desejava. Á noite ele e o Bernardo cismavam deitados na rede, o que fazia o
homem pensar em sua vida. Pensou em Verônica, no acidente e depois franziu a
testa lembrando-se da pedra amarela. Agarrou-se ao Bernardo e olhou para o céu
agradecendo a Deus pela felicidade que estava sentindo. Agora, ele vivia
pertinho do céu e podia ver muitas estrelas brilhando; a paz daquele lugar o
deixava extasiado.
Decorridos trinta dias que ele chegara à nova moradia, resolveu adentrar
a mata que ficava nos fundos de sua casa; queria conhecer o local. O dono do
armazém lhe dissera que por aquelas bandas havia uma bica de águas, que descia
da montanha visualizada no horizonte. Pouca gente sabia da existência daquela
água pura, pois o acesso era difícil e perigoso. E, no rio que cortava a mata
havia muitas cobras venenosas.
Porém, a curiosidade de Antonio foi
maior que o falatório das pessoas da região, ele queria saber o que havia no fundo do seu quintal e se preparou para aquela
aventura; tinha tudo planejado. Ainda estava escuro quando o homem com uma
mochila nas costas e um facão nas mãos, foi em direção à mata.
Antonio vestia roupas grossas e botas de cano alto para se proteger das
cobras e dos galhos das árvores; estava precavido. Lentamente abria caminho com
o facão e com muita persistência batia firme nos troncos das árvores; o mato
era alto, cerrado e cheio de insetos e aracnídeos. A formação de árvores era
densa e úmida, parte do que sobrou da Mata Atlântica, a antiga floresta do
litoral brasileiro. Raramente algum caçador se aventurava a ir para aqueles
lados, havia histórias de onças e cobras venenosas naquele local. O dono do
armazém garantiu que ali, no meio da mata, havia uma nascente de águas.
A temperatura passava dos trinta graus e
não havia o que matasse a sede; Antonio bebia avidamente cada gole da água que
levara. Muitas vezes pensou em voltar, mas algo o fazia seguir em frente.
Seguia lentamente, pois cada metro percorrido era conseguido com muita força
nos braços, que chegava a latejar.
Antonio parou para descansar e viu um
tronco de árvore que parecia um banco e sentou-se para comer um lanche que
trouxera na mochila, já passava das onze horas da manhã.
O Sol abrasador castigava a região,
havia um alerta geral, só faltava surgir algum incêndio; o homem sentiu medo. O
lugar era cheio de sons estranhos; “Os sons da mata” Ele já ouvira falar sobre
isso, mas se sentia inseguro; era tudo muito grande e sombrio; seus ouvidos
estavam aguçados. Era um piar aqui, outro acolá, um farfalhar de galhos, bandos
de pássaros voando e outros sons não identificados. Nunca fora covarde e agora
estava testando sua coragem, pensou apreensivo.
Por entre as árvores, o Sol brilhava forte e ele tinha percorrido apenas
dois quilômetros, o esforço fora grande. Os cipós, as árvores de pequeno porte
e outras vegetações formavam uma cortina, impedindo a passagem do homem. Aos poucos ia vencendo a mata virgem.
Quando o Sol já estava alto, chegou á uma pequena clareira de onde viu uma
montanha com formação rochosa.
Ao pé da montanha havia um vale com
muitas árvores, era um bom sinal, a mina de água poderia estar ali. Seguiu em
frente e lá em baixo encontrou um veio de água; a mina estava perto, tinha que
procurar. Rodeou a rocha seguindo o rastro da água e encontrou a nascente
dentro de uma gruta. Com uma folha de seringueira improvisou uma concha para
pegar água e beber até saciar a sede; estava contente, achara um “Oásis”.
O lugar era fresco e a mata verde;
encontrou alguns bichos, aves e insetos. Havia muita vida no meio da mata em
função da água que ali corria. Era pequena a quantidade de água que escorria da
montanha por causa da seca, mas estava ali e era o que importava. Teria que
voltar, já passava das três horas da tarde, temia que escurecesse e ele tivesse
que pernoitar na mata; sentiu um arrepio que percorreu seu corpo.
Antonio estava muito
cansado, não estava acostumado com serviço tão pesado; seus braços pareciam pesar
toneladas. Ele seguia o caminho inverso, mas, assim mesmo, tinha que usar o
facão e quando pegou em um galho para cortá-lo sentiu uma dor intensa na mão
esquerda. Ele agarrara uma cobra, que estava enrolada no galho. Instintivamente
jogou a cobra para bem longe. E, com a mão doendo muito, apertou até sangrar,
para o veneno sair. Desesperado e sem saber se aquela cobra era venenosa ou não, Antonio seguiu em frente com a certeza que aquele fato estava relacionado com a
maldição da pedra amarela.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.
Eva Ibrahim,
sou amante das artes, da natureza e da familia; as vezes, gosto de ficar sozinha;
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
"JÁ QUE É PRECISO ACEITAR A VIDA, QUE SEJA ENTÃO, CORAJOSAMENTE". LYGIA FAGUNDES TELES-- FAÇA DO PRESENTE SUA ALEGRIA. EVA IBRAHIM
POR MAL TRAÇADAS LINHAS...
Capítulo 11
O Antonio do escritório, o viúvo de Verônica, queria ficar com a moça em
troca de seus carinhos; era homem e sentia seu sangue ferver quanto o corpo de
Flora roçava no seu. Porém, o Antonio solitário, o pai de Bernardo, queria sua
privacidade de volta. Todos os dias ele se perguntava como poderia se
desvencilhar da situação em que estava metido. O homem vivia uma contradição,
no momento em que tinha Flora em seus braços sentia-se satisfeito, logo depois,
crescia em seu íntimo uma revolta e ele desejava que ela desaparecesse dali;
queria ficar só. Era uma luta interior que Antonio não deixava transparecer. A
moça, entretanto, sentia-se a nova dona da casa.
Vinícius caiu da bicicleta e
fraturou o braço, deixando o homem apreensivo; ele temia a volta da maldição da
pedra amarela. Antonio tinha pesadelos com Verônica que o acusava de traição e
com Vinicius, que ele temia ser a próxima vítima da pedra amarela; teria que
afastá-los dali. Gostava da criança e não queria que sofresse qualquer dano.
A vida corria aparentemente normal, a
moça era cuidadosa e companheira. Flora já se acostumara com a nova casa, foi
ganhando confiança e queria muito mais do que o homem poderia esperar.
Certo dia, a moça pediu para Antonio abrir o guarda roupas, que ela iria
doar as coisas de Verônica para um asilo, assim teria mais espaço no armário
para arrumar suas coisas. O homem gaguejou e quase se afogou com a saliva de
tão irado que ficou. Em seguida esbravejou:
–Ali, ninguém mexe e ponto final.
A relação do casal esfriou depois da postura intransigente de Antonio.
Ele estava visivelmente insatisfeito com aquela situação; Flora mexia em tudo e
ele temia por seu segredo; aprendera a viver sozinho. A moça teria que seguir
sua vida e deixa-lo em paz; ela e o filho estavam ali por acaso, não por sua
escolha, pensava, revoltado.
Flora lhe dissera que tinha irmãos no
interior do Rio de Janeiro e ele pensava em leva-la para lá e mudar de casa
para ela nunca mais encontra-lo. Sua aposentadoria estava para sair e ele
deixaria tudo preparado para se livrar dela e do menino.
Demorou mais três meses, que para ele parecia uma eternidade, mas a
notícia de sua aposentadoria saiu e ele pulou de alegria; tinha planos para
ele, o Bernardo e o Lobo. Tivera bons momentos com Flora, mas o medo de ser
descoberto em seu segredo estragara o prazer de uma vida a dois. Antonio sabia
que a mulher era curiosa e algum dia abriria a porta do guarda roupas; era um
risco iminente.
Com muito jeito, ele convenceu a moça a fazer uma visita aos seus
parentes. A cunhada de Flora dera a luz recentemente e estava com problemas de
saúde; depressão pós-parto diagnosticara o médico.
Júlio, o irmão de Flora, telefonara
pedindo a ajuda da irmã; sua mulher estava doida, dissera o rapaz. Lorena
estava sentada na poltrona com a filha recém-nascida no colo, no quarto da
maternidade e Júlio, seu marido, em pé olhando o bebê. A enfermeira entrou e
perguntou à moça se não iria amamentar a filha e a resposta foi muito estranha.
- Trás a criança que eu
amamento, disse Lorena. A enfermeira, surpresa, afirmou que a criança estava em
seus braços e a resposta foi chocante:
- Essa aqui é só uma foto, trás a
criança. O marido, espantado, pediu para segurar a foto e tirou a filha dali,
sua esposa não estava bem.
O médico foi chamado e constatou um
surto psicótico. Em seguida, Lorena recebeu um sedativo e foi levada dali.
Júlio não sabia o que fazer e quando o médico disse que Lorena permaneceria
internada e a criança teria alta, o rapaz entrou em desespero.
- O que ele faria com o bebê? Estava sozinho e não poderia cuidar da
criança. Então, pensou em pedir a ajuda de Flora, sua irmã, depois pensaria em
outra solução.
Antonio vislumbrou uma
saída para seu drama, incentivou a moça a pedir férias do serviço e passar
alguns dias na casa do irmão, até sua cunhada melhorar. Flora não pode recusar
e acertou sua permanência na casa do irmão.
O homem tratou de levar,
rapidamente, a mulher e a criança para a casa do irmão dela e foi ver uma casa de
aluguel em Petrópolis. Pretendia por em prática o plano que criara para se
livrar de Flora e seu filho.
O plano era perfeito, nem
sua irmã Nalva poderia saber onde ele estava; queria privacidade total. Sentiu
pena da irmã, gostava dela, porém, cortaria relações com o mundo todo para ter
privacidade.
A casa ficava no alto da
montanha, era isolada das outras, tinha um quintal grande e no fundo um resto
da floresta que um dia existira ali. A vista era ótima, ficava pertinho do céu
e bem na periferia da cidade, era tudo o que ele almejara. Antonio precisava de
apenas uma semana para por em prática seu plano.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima
semana.
Eva Ibrahim,
sou amante das artes, da natureza e da familia; as vezes, gosto de ficar sozinha;
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
"AINDA BEM QUE SEMPRE EXISTE OUTRO DIA, E OUTROS SONHOS. E OUTROS RISOS. E OUTRAS PESSOAS... E OUTRAS COISAS..." CLARICE LISPECTOR. -- AMOR SE CURA COM AMOR PRÓPRIO. EVA IBRAHIM
A VELHA SENHORA.
CAPÍTULO 10
Os dois sentaram-se em frente ao
Hospital e Antonio para distrair o menino começou a contar histórias e olhar o
céu, cravejado de estrelas. O homem sentiu nostalgia de seu passado; um
sentimento de perda, uma frustração. Mas, lá no fundo ele sabia que ainda tinha
muito amor para dar.
A convivência com Bernardo fizera dele
um paizão, sabia tratar uma criança; o menino recostou em seu corpo e dormiu,
estava cansado. Flora apareceu para procurá-los e viu a cena comovente, o homem
mal respirava para não acordar o menino. Com carinho ela pegou o filho no colo
e pediu para Antonio levá-los para casa, nada poderia fazer por sua mãe, teria
que aguardar a evolução do quadro; o médico foi categórico.
Antonio entrou na casa da moça para
ajudá-la com a criança e depois ficaram sentados na sala conversando. Ela
contou sobre seu relacionamento anterior e o motivo de sua separação. Finalizando
a conversa, a moça enfatizou, seu maior tesouro era Vinicius, seu filho
querido. O pai dele desapareceu e nunca mais deu notícias, ela e a mãe cuidavam
do menino, sozinhas.
Pela primeira vez Antonio falou de
Verônica e sua dor, mas nada disse sobre o boneco, era seu segredo e ninguém
poderia saber. Ali estava outra mulher compartilhando de sua vida, parecia
estar traindo sua esposa e o Bernardo também. Sentiu repulsa de si mesmo,
porém, ele estava vivo e queria uma nova chance. Flora estava disponível e
ostensivamente se oferecia a ele, que também a queria; era um homem e uma
mulher atraídos pelo desejo.
Ele afastou seus pensamentos, aquele
não era o momento para satisfações amorosas e saiu caminhando pensativo. Os
acontecimentos precipitaram seu caso com a moça e ele sentia-se conduzido pela
situação. Lembrou-se da pedra amarela e sentiu um arrepio percorrendo seu
corpo; fez o sinal da cruz, o velho medo estava presente.
O homem foi para casa pensando em Flora
e seu pequeno filho. O menino parecia ter gostado muito dele, que pela primeira
vez sentiu a doçura de uma criança.
-Se
a avó falecesse quem cuidaria do menino para a moça trabalhar? Estava gostando
dela e queria ajudá-la, ficou deitado com Bernardo ao lado contando a ele tudo
que estava acontecendo. Ele continuava seu filho do coração, mas, não poderia
deixar de gostar de Vinicius; ainda mais agora que a avó estava doente. Sentia
medo de se apaixonar e não dar certo, mas havia a possibilidade de refazer sua
vida. Aquele pensamento aquecia seu coração.
No dia seguinte ele foi trabalhar e
Flora não; Antonio ficou preocupado e ligou para o Hospital, queria notícias. A
moça chorando disse que o filho estava na creche e sua mãe morrendo. Antonio
prometeu que sairia dali para o Hospital para ajudá-la e até levaria o Vinicius
para sua casa se fosse preciso. Depois pensariam em outras soluções para ela e
o filho.
Antes de sair para o trabalho, ele trancou o Bernardo na
mala e colocou no guarda roupas, talvez trouxesse o menino para sua casa. Estava atento à situação, era
um ato de solidariedade e ele sabia muito bem como era triste passar por uma situação
daquelas e, estar sozinho. Saiu mais cedo do trabalho, passou no Hospital e foi
buscar a criança, levando-a para sua casa.
O
menino era falante e estava faminto, brincou com o Lobo e sentou-se em frente á
TV, onde acabou dormindo. O homem cobriu o pequeno, do mesmo jeito que cobria o
Bernardo e depois foi pegar o boneco no colo, acariciando-o.
Flora ligou para saber da criança e
pedir para que Vinicius dormisse na casa de Antonio, pois ela teria que passar
á noite ao lado da mãe. Ás cinco horas da manhã o telefone tocou e a moça,
chorosa, disse a Antonio que sua mãe falecera. O homem que já sofrera com a
morte da esposa sabia que precisava ajudar sua namorada. Antonio prontificou-se
a tomar as providencias para o sepultamento e a convidou para ir até sua casa
ficar com o garoto.
Ali estava uma mulher em uma situação
desesperadora e ele teria que lhe dar toda assistência. Gostava da moça e a
criança lhe inspirava carinho, seu coração estava cheio de amor para dar.
Flora e Antonio seguiram abraçados, o
menino segurava a mão de sua mãe e saíram do cemitério, calados. À volta para
casa seria difícil, Antonio sabia e se propôs a levar o menino para a casa dele
e depois a mulher iria passar a noite com eles.
Foi uma longa noite para o homem que
pensava em tudo que lhe acontecera e agora estava naquela situação de difícil
solução. Se acolhesse a namorada teria que dar fim ao Bernardo e ele amava o
boneco; nunca o abandonaria. Flora dormiu logo, pois tomou um sedativo, estava
exausta.
Amanheceu e Antonio levou a moça para
sua antiga casa e foi trabalhar, depois pensaria em alguma coisa para se
desculpar com Flora; não queria que ela ficasse em sua casa.
Porém, foi difícil se esquivar daquela
situação, a moça dizia ter medo em ficar sozinha na antiga casa e foi ficando
na casa de Antonio.
O Bernardo permaneceu escondido dentro
do armário de roupas, pois Flora mudou-se para lá. O homem, nervoso, disse para
a namorada que lá no guarda roupas estavam as coisas de Verônica e não queria
que ninguém mexesse; a moça aceitou conformada.
Então, Antonio tinha uma mulher em sua
cama, mas não tinha privacidade. Durante um mês ele só via o Bernardo quando a
mulher saia com a criança. A novidade acabou e ele queria voltar à sua vida com
o boneco e o Lobo.
Um
texto de Eva Ibrahim.
Continua
na próxima semana.
Eva Ibrahim,
sou amante das artes, da natureza e da familia; as vezes, gosto de ficar sozinha;
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
ESTAÇÃO SOLIDÃO- UMA NOVA VIDA - "TER ALGUÉM QUE TE ESPERA TODOS OS DIAS, CHEIO DE AMOR E CARINHO, É IMPAGÁVEL" EVA IBRAHIM.-
UMA NOVA VIDA
CAPÍTULO 9
Antonio morava na cidade do Rio de
Janeiro e pouco frequentava a praia, Verônica não gostava de Sol, dizia que
ficava parecendo um peru de Natal tostado, por isso faziam outros passeios em
direção oposta. O casal gostava de passear em Petrópolis, Teresópolis e
Friburgo; apreciavam o ar das montanhas.
Logo depois das festas o homem saiu á
procura da cadeira e do carrinho de bebê que comprou e levou para um conhecido
adaptar, dizendo que era para doar á uma pessoa paraplégica. Iria procurar uma
Imobiliária para mudar de bairro, queria um lugar próximo, mas onde ninguém o
conhecesse. Mudaria de vida, deixando o passado para trás, solidão nunca mais.
A mudança foi realizada em um domingo
após a passagem de ano. Os três mudaram para uma casa bonita, com um jardim na
frente e um pequeno quintal, pois o Lobo precisava de espaço para vigiar a
casa. Aquele seria o lar da pequena família a partir daquele dia.
O homem passou o dia arrumando a casa e quando abriu a mala e tirou o
Bernardo ficou satisfeito; era um plano perfeito. Colocou o boneco deitado na
cadeira com o boné cobrindo parte do rosto e com o toldo abaixado; parecia uma
pessoa adormecida. Ele estava ótimo, agora poderiam sair para passear. O Sol já
se punha no horizonte e o Mar parecia um grande espelho brilhante. Ao longe
estava estacionado um grande navio com suas luzes acesas. Antonio olhava o céu
e pedia a Deus que transformasse o Bernardo em um ser humano; neste momento uma
estrela cadente cortou o céu, parecia ter ouvido seu desejo.
Chegando à sua casa foi procurar um velho livro do Pinóquio, ele
tornara-se humano por causa do grande amor que Gepeto dedicara a ele. Aquele
livro tinha tudo que Antonio desejava para si. Ele sabia que era ficção, mas
gostava de imaginar que poderia acontecer com ele e Bernardo também.
Ele amava Bernardo como se ama a um
filho. O carinho de pai que havia adormecido em seu peito agora viera á tona
com muita força. Quando entrava em casa a primeira coisa que fazia era pegar
seu filho nos braços e acariciá-lo, enchendo-o de beijos, depois ia á cozinha
preparar o jantar. Aprendera a cozinhar para ficar mais tempo em sua casa.
Depois de dois anos da morte de Verônica o homem não sabia definir se
Bernardo era um amigo ou um filho muito amado. A verdade é que estivera
afastado de tudo e de todos para proteger o boneco, mas depois de tanto tempo
já estava sentindo falta de um carinho feminino. Sentia saudades de sua esposa,
ainda a amava.
No escritório havia uma funcionária nova
que vivia flertando com ele e acendia um velho fogo adormecido. Antonio pensava
em sair com a moça sem compromisso, mas, temia ser mal interpretado. Flora era
uma balzaquiana bonita, que vinha de um relacionamento complicado. As
fofoqueiras de plantão, diziam que tinha um filho de cinco anos que morava com
a avó no interior.
Aos poucos a moça foi se aproximando e
ganhando espaço no coração de Antonio, que concordou em acompanhá-la á um baile
de veteranos. Os dois dançaram a noite toda, Flora era um “pé de valsa”. Foi
uma noite festiva e aconchegante, Antonio sentiu o corpo da mulher juntinho ao
seu; ficou excitado, mas era um cavalheiro e teria paciência. Voltou para casa
cantarolando e abraçou o Bernardo dizendo que precisava voltar a viver.
Comprou um automóvel novo, há muito estava
guardando dinheiro para realizar seu sonho. Agora poderia passear com Bernardo
e com a Flora também.
Na segunda feira ele a encontrou no escritório e ganhou um sorriso de
cumplicidade; aquele flerte prometia! A solidão chegou à vida de Antonio de
surpresa e o afastou das possibilidades de refazer sua vida emocional por
tristeza, inibição e finalmente por ter criado uma fuga e um mundo onde só ele
e Bernardo podiam estar. Foi o modo que ele encontrou para fugir da depressão e
agora sentia que ainda estava vivo e muito ansioso para amar novamente.
O homem resistia porque temia que o
relacionamento acabasse por levar a mulher á sua casa e ele perderia a
privacidade. Dentro de casa ele era um e o outro da rua era o Antonio do
escritório e ex-marido de Verônica. O viúvo queria Flora, pois estava sedento
de carinho e marcara sair com ela no sábado. O encontro seria no salão de baile
e depois, Antonio tremia só em pensar, parecia um adolescente com sua primeira
namorada.
Olhava para o boneco e sentia remorso,
pensava que o estava traindo; era uma sensação estranha que o incomodava muito.
Bernardo fora o responsável pelo seu equilíbrio e sua sobrevivência emocional,
mas, ele era um homem e estava sedento por sexo. Depois de dois anos Antonio
pensava em ter uma mulher em seus braços novamente e Flora estava próxima e
disponível. Para diminuir sua culpa ele saia no domingo de manhã com o Bernardo
para conhecer as cidades montanhosas ao redor do Rio de Janeiro. Passeavam em
Friburgo, Petrópolis e Teresópolis; dizia a Bernardo que um dia iriam morar lá
nas montanhas, era só se aposentar.
Entrou no Salão e não viu a moça,
procurou com o olhar e depois se sentou na banqueta do bar e ficou bebericando
com o copo de vodka na mão. Não tirava os olhos da porta de entrada, ele estava
ansioso e seu coração disparado.
– O que teria acontecido-?
Antonio ficou preocupado. Flora
gostava de dançar e havia confirmado a presença no Baile. Passava da meia noite
quando seu celular tocou. Era a moça chorando e pedindo sua presença no
Hospital, sua mãe havia sofrido um infarto agudo do miocárdio.
Ele deu um pulo lembrando-se de tudo
que aconteceu com Verônica e com uma ruga na testa, lembrou-se da pedra
amarela.
- Será que a maldição iria começar novamente? Bastava alguém
aproximar-se dele e os problemas começavam a aparecer?
Trancou a cara e foi rapidamente dar
apoio á Flora. A velha senhora ainda estava viva, mas o médico dissera que o
caso era muito grave e ela corria risco de vida. Com ela estava Vinícius, o filho de Flora, um garoto de cinco anos, que sua mãe cuidava. Antonio convidou a criança
para sair um pouco, tomar um ar; aquele ambiente não era bom para ele. O homem
sentiu a tristeza no olhar do menino, ele amava a avó e temia que Deus a
chamasse para morar com ele; Vinicius falou entre soluços e muitas lágrimas.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.
Eva Ibrahim,
sou amante das artes, da natureza e da familia; as vezes, gosto de ficar sozinha;
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
"NINGUÉM É TÃO ALGUÉM QUE NÃO PRECISE DE NINGUÉM". AUTOR DESCONHECIDO.-- AME A VIDA E OS BONS AMIGOS. EVA IBRAHIM
A FAMÍLIA DE ANTONIO
CAPÍTULO 8
O homem tinha três irmãos e uma irmã, mas,
havia tempos que não recebia notícias dos mesmos. Nalva era a única que ás
vezes telefonava para saber como ele estava e que acompanhara o cortejo fúnebre
de sua cunhada Verônica. A irmã chegara pensando em ficar na casa de Antonio
durante dois dias para ver como o irmão estava vivendo e ajuda-lo, se fosse preciso.
A mulher pensava que iria encontrar seu irmão deprimido em meio a muita
bagunça, pois, ele nunca fora chegado em realizar serviços domésticos. Porém, ela
ficou surpresa com a arrumação da casa, com o jardim bem cuidado e até com o
cachorro.
-“Ele
nunca quisera cachorros e agora tinha um!'. Pensou a irmã admirada.
Nalva encontrara o irmão bem disposto e
alegre; na verdade, ele estava ótimo. Com cuidado perguntou se ele tinha
encontrado outra mulher, parecia animado. Antonio negou com veemência, jamais
trairia sua esposa, estava de luto, mas a vida tinha que continuar.
Ele parecia
atento, cuidadoso e havia comida na casa. Estava tudo arrumado e o irmão era amável
com o cão, que ele nunca gostara.
-Será que mudara de ideia?
Com
certeza a morte da cunhada virou a cabeça do irmão. Ao invés de ficar desolado,
ele estava muito bem. Apesar de perplexa, Nalva ficara contente, seu irmão
estava superando a perda da esposa; era isso que importava, concluiu a mulher
com uma ponta de desconfiança; a situação lhe parecia estranha!
Nalva não queria incomodar, ela e a
filha saíram depois do almoço para fazer compras, dizendo que retornaria no dia
seguinte para sua casa, ele não precisava dela; Antonio estava muito bem. O
homem ficou feliz, poderia conviver com Bernardo novamente, sem ninguém para
vigiar.
Antonio levantou-se bem cedo e fez o
café para a irmã seguir viagem o mais rápido possível. Nalva e a sobrinha se
foram antes do almoço e depois de vê-las subirem as escadas do coletivo, o
homem foi para casa. Estava ansioso para retirar o Bernardo da mala.
Chegou e tirou a mala de dentro do
guarda-roupa, queria livrar o amigo do esconderijo. Colocou a mala sobre a cama
e abriu, tirando o boneco e abraçando-o com muito carinho. Bernardo era mais
que um amigo, era um filho muito amado e Antonio precisava dele para ser feliz.
Foram almoçar na copa e depois ver televisão; os dois amigos se bastavam e
Antonio voltara a ser um homem comum e normal, mal se lembrava de Verônica.
Depois de alguns dias, Nalva telefonou para
saber se o irmão queria passar o Natal com a família dela. O Natal estava
próximo e todos estavam em clima natalino.
-Já havia se comprometido com os amigos
do escritório, passaria o Natal com eles, disse Antonio e sentiu alívio;
ficaria em casa com Bernardo.
Á noite o homem saiu cantarolando pelas
ruas do centro, queria fazer compras natalinas; estava feliz.
Comprou uma árvore de Natal e muitos
enfeites, faria a melhor árvore de Natal de sua vida. Com o Bernardo sentado no
sofá, armou a árvore na presença do boneco, a todo o momento olhava para o
amigo e fazia algum comentário, estava feliz, parecia uma criança em seu
primeiro Natal.
Preparou uma mesa com enfeites e
comidas típicas de ceia natalina; a casa estava festiva e sua alma alegre.
Depois tomou banho colocando sua roupa nova e até abusou do perfume. Estava tudo
perfeito.
Para Bernardo comprara roupas novas e um boné de abas largas. Antonio
tivera mais uma daquelas ideias estranhas, mas, somente depois da passagem de
ano poria a ideia em prática. A noite de Natal chegou e encontrou um homem eufórico,
parecia outra pessoa, muito mais alegre.
Um Natal feliz em família, ele, o
Bernardo e o Lobo. Foi dormir contente ao lado de seu amigo e lá no fundo tinha
um plano para começar o ano novo. Durante a próxima semana ele teria que sair e
comprar uma cadeira de rodas e mandar colocar um toldo para proteção solar,
tipo carrinhos de bebê. Não seria fácil, mas ele iria até um local onde havia
de tudo, móveis e coisas usadas. Na sua cabeça tinha tudo planejado, seria o
presente de Natal de Bernardo.
Estava transformado, era um homem
completo e contente com sua família. No trabalho agia normalmente, apenas
falava menos e os colegas atribuíam o fato ao luto que ele estava passando. O
segredo que mantinha o tornava poderoso; era uma vida só sua e ele não
permitiria nenhuma intromissão. Quando saia era o Antonio de sempre, mas,
quando entrava em casa era outra pessoa; ele desenvolvera outra personalidade,
era um misto de pai e amigo; o protetor de Bernardo.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua
na próxima semana.
Eva Ibrahim,
sou amante das artes, da natureza e da familia; as vezes, gosto de ficar sozinha;
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