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domingo, 10 de setembro de 2017

“Que as mãos da vida te conduzam pelo melhor caminho. Que a vida acaricie os teus cabelos. Que a terra beije os teus pés. Que o sol te abrace. Que a chuva lave as tuas angústias. Que as estrelas mimem o teu sono. Que a paz sopre para longe as tuas dificuldades. Que a fé fortifique as tuas metas. Que a felicidade seja tua parceira. Que o amor te leve no colo. Que a tua obra seja maior que o teu sonho. Que tu sejas luz no mundo." Lígia Guerra

CAMINHONEIRO, SIM SENHOR

         Juvenal era mecânico de caminhões e trabalhava na oficina há muitos anos; estava casado com Ana, com quem teve quatro filhos. Com o passar do tempo, seu casamento caiu na rotina e perdeu o encanto; a mulher já não o atraia como antes. Ele permanecia junto dela somente pelos filhos adolescentes. Seu maior sonho era comprar um caminhão e sair pelo mundo, sentindo o vento no rosto e a tão almejada liberdade.

As desavenças com a mulher aumentavam a cada dia. Sua vida estava uma droga. Ficava até tarde na oficina e quando chegava a casa, Ana vinha com problemas escolares, familiares e cobranças conjugais. Juvenal já não sentia desejos pela mulher, queria sair fora do casamento de qualquer jeito. Na verdade, queria sair do estado de Minas Gerais, se possível.

Certo dia apareceu um caminhoneiro que estava precisando de seus serviços. O veículo estava com um barulho estranho na roda esquerda. O mecânico resolveu o problema rapidamente, mas o homem permaneceu ali por algum tempo, conversando sobre suas andanças pelas estradas. Conversa vai conversa vem, Juvenal se abriu com o desconhecido contando seu sonho e ambos iniciaram uma amizade, que seria duradoura.

Celso, o caminhoneiro e agora amigo de Juvenal, sempre que viajava por aquelas bandas fazia uma visita ao amigo para contar as novidades e novos casos das estradas. O mecânico ficava extasiado e aguardava ansiosamente a chegada daquele homem, que veio trazer um pouco de luz à sua vida.

Por dois anos seguidos, Celso visitou regularmente o novo amigo. Mas, de repente deixou de aparecer. Juvenal ficou preocupado, queria notícias. O homem morava no sul e ele não poderia ir procura-lo. No entanto, não o esquecera. Ao chegar a casa, sua mulher o avisou que havia chegado uma carta.

Ao abrir, Juvenal percebeu que era de Celso. Dizia que tinha sofrido um derrame e não mais voltaria às estradas. Estava entrevado na cama. Muito triste, o mecânico respondeu que sentia falta do amigo e lhe desejava melhoras.

No mês seguinte, surpreendeu-se quando o caminhão do amigo estacionou em frente à sua oficina. Da boleia saltou um jovem com cerca de trinta anos de idade; forte e parecido com o Celso. Veio em direção ao mecânico lhe estendendo a mão e dizendo que o pai o havia mandado ali.

Com os olhos cheios de lágrimas, contou que seu pai havia falecido fazia uma semana. Antes de sua passagem, ele pediu que o procurasse; queria trocar o caminhão pela oficina mecânica. Trocar sem ver preço, elas por elas. Ana protestou, mas, Juvenal conseguiu convencê-la e o negócio foi feito. Recebeu todas as instruções sobre cargas e perigos da estrada, em uma nova carta deixada pelo amigo; Juvenal leu muitas vezes, até decorá-la.

Morava no interior de Minas Gerais e, em sua primeira viagem levava uma carga para o porto de Santos no litoral paulista. Levantou-se às três horas da manhã, colocou a imagem de são Cristóvão, que ganhara de Ana, sobre o painel e em seguida fez uma oração pedindo proteção. Depois subiu na boleia; estava feliz como nunca estivera antes.

Com o rádio ligado em músicas sertanejas, o homem partiu para sua nova vida. Desceu a rodovia dos Imigrantes cantarolando.  Quando ele voltasse seria outro homem, mais feliz, pensava sorrindo.

Entregou a carga e foi conhecer a praia. Andou na areia, pegou conchinhas para levar para casa e deu um mergulho no mar. Quando a fome chegou, abriu o almoço que Ana havia preparado e comeu ali mesmo, em frente ao mar. Ficou um bom tempo olhando o horizonte onde havia um navio ancorado. Juvenal nunca tinha visto um navio de verdade; - era majestoso e lindo, diria mais tarde para seus filhos. 

               Subiu no caminhão e voltou para a estrada. O homem não cabia em si de tanta felicidade, lembrava-se de Celso em todos os momentos. Onde quer que ele fosse, certamente, o amigo estaria olhando por ele, tinha essa certeza dentro de si. Juvenal fez outras viagens curtas. Em uma delas parou em Aparecida do Norte para conhecer a Basílica e pedir proteção à santa.

           Era outro homem, as coisas em casa andavam melhores e sua relação com Ana voltou ao normal. De vez em quando passava na oficina para ver se o novo dono precisava de alguma coisa. Queria ajudar o filho do amigo.

Depois de seis meses, Juvenal conseguiu uma viagem mais longa; iria para o nordeste. Preparou-se muito bem, seguindo as instruções de Celso. Arrumou um ajudante, pois o trabalho demoraria uma semana, seria necessário ter um ajudante e também companhia para a longa jornada.

Saíram felizes. Dois dias na estrada e começou a chover forte. Tiveram que parar e esperar o tempo melhorar, pois as estradas estavam péssimas. Ficariam no posto de gasolina, seria mais seguro, poderiam fazer comida no fogareiro e dormir no caminhão. De vez em quando Juvenal ligava para Ana, estava com saudades de casa. A vida de caminhoneiro era dura, mas não desistiria nunca, tinha essa convicção.

No terceiro dia conseguiram deixar o posto de gasolina. Seguiam lentamente pelas estradas esburacadas da Bahia. Tiveram que parar novamente, havia um acidente e um congestionamento que durou horas. Então, ele conheceu a solidariedade dos homens das estradas. Tudo eles repartiam: comida, água e informações. Sentiu, então, que um caminhoneiro nunca está sozinho nas estradas. Seguiram em frente. Já estava escuro quando avistaram um carro parado no acostamento.

                Juvenal diminuiu a velocidade, queria parar para prestar socorro. Quando, de repente, apareceu a figura de Celso em frente ao caminhão acenando para ele prosseguir. Assustado e com medo, o homem pisou no acelerador. Sem dizer uma única palavra parou no primeiro posto que avistou.

                Tremendo muito, desceu do caminhão junto com o ajudante, que nada tinha visto. De repente ouviu um barulho que vinha do banheiro. Entrou empurrando a porta e viu todos amarrados num canto. Ele e o ajudante livraram as amarras.

                Soltas, as pessoas informaram que ali houvera um assalto e descreveram os bandidos. Com um frio percorrendo sua espinha, ele constatou que eram os mesmos do carro parado na estrada. Por pouco eles não foram às próximas vítimas. Seu amigo os salvou. Juvenal fez uma oração e, assustados passaram a noite ali mesmo.

         Partiram ao amanhecer contemplando as paisagens, que eram lindas. Muitas montanhas brilhando a luz do Sol, mas na cabeça do homem não saia à imagem do amigo; embora o ajudante insistisse que não havia visto nada.

Retornaram para casa com uma semana de atraso. Juvenal foi logo, procurar o novo mecânico. Contou-lhe o ocorrido e, o rapaz disse que o pai havia sido assaltado naquele local, algum tempo atrás.

Juvenal esperava nova carga e, enquanto isso desfrutava da vida em família, que agora lhe parecia aconchegante. Um porto seguro onde sempre poderia voltar. Antes da próxima viagem iria à igreja para encomendar uma missa ao amigo falecido, mas nunca esquecido.

               Sentia-se um caminhoneiro de verdade, batizado pelas estradas. Em uma de suas paradas encontrou um conhecido, que o chamou pelo nome. Juvenal atendeu ao chamado e o colega perguntou o que ele fazia ali com um caminhão.

               Sou um novo homem. Um caminhoneiro, sim senhor.


Um texto de Eva Ibrahim

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