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sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

"QUANDO FALAR COMIGO, OLHA DENTRO DOS MEUS OLHOS... AS RESPOSTAS QUE NÃO SAÍREM DA MINHA BOCA, SAIRÃO DO FUNDO DELES". NÁDINA F. SANTOS.--SE TE FAZ FELIZ, VALE A PENA. EVA IBRAHIM

 O VELHO COMPANHEIRO

           CAPÍTULO DOIS
                     Eu dispunha de um bom tempo para tomar a decisão de fazer ou não a cirurgia, que me apavorava. Havia a possibilidade de fugir daquela situação. Nunca ouvira falar de alguém que fizera uma cirurgia de catarata, que é eletiva, a força; mesmo porque teria que retornar para fazer o outro olho. Havia tempo para pensar e amadurecer a ideia; queria refletir e entender como a catarata se instalou em meu olho. Puxaria o fio da lembrança para ligar os fatos que me levaram até aquela situação; seria uma explicação e um alerta para outras pessoas.

Planejar é o início de tudo e eu comecei meu projeto catarata; uma coisa de cada vez e a resolução final sobre a cirurgia, ficaria em último lugar.

          O local da cirurgia ficava distante de minha casa, portanto, comprei as passagens de avião. Eu ficaria hospedada na casa de minha filha, ainda que não fizesse a cirurgia. Pensava na situação criada, na necessidade da intervenção cirúrgica e na minha covardia. Parecia que todo mundo vinha me contar sobre cirurgias de catarata; chegava a sentir inveja de quem já havia feito à operação. Entrei na internet para ver vídeos sobre a cirurgia e quase desisti; o procedimento parecia muito agressivo, me arrependi de olhar aquilo.

        As festas de fim de ano terminaram e eu tinha que enfrentar a situação, alguns itens do projeto deveriam ser cumpridos. Exames pré-operatórios, avaliação cardiológica e outros itens para o pós-operatório, tais como: muitos colírios, quatro para o olho esquerdo, quatro para o olho direito, remédio para dor, muitos lenços de papel e óculos escuros.

         Senti uma pontada no peito, eu tinha resistência em abandonar meu velho companheiro, os óculos de graus. Eu possuía vários óculos que vinha colecionando ao longo de várias décadas, feios, bonitos, ridículos; alguns foram reaproveitados, outros abandonados, porém todos tiveram sua glória em algum momento de minha vida.

            O uso dos óculos já tinha décadas, pelo menos três; uma necessidade incontestável. Como todo mundo, eu comecei com óculos para ler e depois incorporei o assistente, que passou a ser a luz dos meus olhos. Não conseguia ir ao banheiro sem o sujeito sobreposto em meu nariz. Amigo para todas as horas; ás vezes entrava debaixo do chuveiro e só então, percebia que ainda estava de óculos. Outras vezes, me deitava e depois sentia que os óculos permaneciam montados sobre o meu nariz. Então, tinha que tirá-lo para que ele não amanhecesse todo torto, como já acontecera em outras ocasiões.

Certo dia, quando fui adentrar ao Banco para fazer um pagamento, a lente do lado direito dos meus óculos saltou, caindo no chão. Em seguida foi escorregando e parou no pé de um jovem que, espantado deu um passo para trás; que sorte, daria para resgatá-la, pensei ansiosa. Ele a entregou para mim, estava sorrindo disfarçadamente; afinal, lentes de óculos não ficam pulando por ai. Quando olhei para trás, pude ver o rapaz e suas colegas cochichando entre risinhos de contentamento, pela situação vexatória que presenciaram.

Desisti de pagar a conta e fui procurar uma Ótica, pois estava me sentindo envergonhada com o buraco deixado pela lente e também enxergando muito pouco. A atendente da Ótica me conhecia de outros atendimentos e aproveitou para polir e ajustar os óculos na máquina; ficou ótimo e sai feliz de volta ao Banco. Ele fazia parte de mim, sem ele eu não faria nada, como poderia abandoná-lo?
 O projeto catarata tinha a finalidade de corrigir o problema constatado e aposentar os óculos. E, eu ainda não sabia como sobreviveria sem eles.

Com a troca do cristalino, o médico garantiu que eu não precisaria mais usar óculos de graus, entretanto, o medo criara um bloqueio em meu pensamento. Não queria pensar naquilo, por enquanto era somente um projeto de saúde.

Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

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