SONHAR
É PRECISO.
Enquanto Celina olhava o enorme e
majestoso balão colorido sobre a relva, sentia-se hipnotizada, eram muitas
lembranças que passavam por sua cabeça. Estava acompanhada do marido e dos
filhos, mas, custava crer que iria voar em um balão de verdade. Era lindo, tinha
um cesto enorme pousado ali no chão; incrível mesmo! Raul lhe fizera uma
surpresa e ela ficara muda. Era um sonho de criança voar lentamente ao sabor do
vento e planar no ar como os pássaros.
Hoje em dia é um passeio turístico
programado e seguro. O grupo era composto de 16 pessoas, que iriam voar a bordo
do balão naquela manhã; o baloeiro, dois tripulantes e treze passageiros,
Chegaram bem cedo, ás cinco horas da madrugada do domingo; ainda estava escuro,
mas o Sol não tardaria a aparecer. Enquanto aguardavam os preparativos finais
para a subida no cesto da aeronave, Celina, sentada em um toco de árvore,
buscava as mais remotas lembranças; anos felizes que passara em Barbacena.
Celina, duas irmãs, um irmão e dois primos, passavam férias em um
casarão antigo no centro da cidade de Barbacena, casa dos avós maternos das
crianças. Na construção havia um lindo jardim distribuído harmoniosamente em frente
á casa; flores variadas de muitos tipos embelezando a moradia antiga. Separado
por cerca viva havia um grande quintal com árvores frutíferas. Uma enorme
árvore se sobressaia entre as demais, era uma mangueira, que dava muitos frutos
saborosos e sem fio. As crianças a chamavam de rainha do quintal, pois comiam
as mangas todos os dias. Seus galhos frondosos serviam de cadeira e um deles de
suporte para a balança que comandava as brincadeiras.
O
tio Roque, que era solteiro e ainda morava com os pais, colocara uma tábua bem
no alto para as crianças sentarem e amarras de corda para segurar e não correr
o risco de caírem. Daquele local podiam ver a cidade e a Igreja da “Boa Morte”
que ficava bem ao alcance dos olhos. Na verdade era uma mangueira que dava
frutos doces como o mel das abelhas e onde as cinco crianças davam asas à sua
fértil imaginação.
Celina e o primo Jairo eram os maiores
e mais sonhadores; imaginavam reis, rainhas, fadas, super-heróis e viagens
mirabolantes. O tio, muitas vezes, contava histórias fantasiosas dos livros do
escritor francês Júlio Verne. Uma delas era: “Cinco semanas em um balão” e
outras tantas histórias famosas. As cinco crianças ouviam atentas e depois
imaginavam viagens no “Zepelin” e balões encantados. Ficavam de olhos fechados e
mãos dadas para gerar energia; fora o tio quem lhes falara sobre a energia das
mãos. Passavam horas sentadas sobre a tábua da árvore, embaladas pelo farfalhar
das folhas ao sabor do vento. Quando a fome aparecia era só esticar o braço e
se fartar com a fruta suculenta. Para descer, o tio fizera uma escada de corda;
era fantástico!
Uma rotina de todos os dias, durante as
férias escolares. Eles ficavam brincando no quintal pela manhã e a tarde no
alto da mangueira. Imaginavam que eram vigias e olheiros avançados para
detectar a aproximação dos piratas. A mangueira era o ponto mais próximo do mar,
um posto indispensável para a segurança da população. Lá podiam ver a
vizinhança e sentir o vento no rosto. Quando batia o sino da Igreja da Boa
Morte anunciando a hora da Ave Maria eles desciam da árvore e seguiam para
casa, era hora de entrar, ordens da velha avó.
Quando o Mané, vizinho da chácara,
faleceu, o tio levou as crianças ao velório e fez cada um deles beijar os pés
do defunto, dizia que era para não ficar com medo do morto. Foi o maior
sacrifício já imposto a eles. Não adiantou nada, pois eles tremiam ao pensar na
morte. Um dia Celina propôs aos irmãos e primos irem até a Igreja tirar essa
história de morte a limpo. O padre Bento, já bem velhinho, foi atender as
crianças.
–O que queriam saber? Perguntou o velho
pároco. O primo Jairo gaguejou, mas Celina o socorreu dizendo:
- Como sua Igreja pode ser chamada de
“Boa Morte”, a morte deve ser muito ruim!
Padre
Bento com muita paciência explicou às crianças que a morte faz parte da vida e
se alguém morre na graça de Deus teve uma boa morte. Não ficaram satisfeitos,
mas, aceitaram à explicação e deixaram aquela história de lado. Nunca mais
queriam ver defuntos e muito menos beijar-lhes os pés.
-Que nojo!
Disse Jairo e todos concordaram.
Aos
domingos iam à missa e depois ficavam brincando de subir e descer às escadas da
Igreja. À tarde eles sentavam-se no jardim da praça e ficavam imaginando as
viagens mais fantásticas do mundo. O tio Roque apanhava o livro de Júlio Verne
“Volta ao mundo em oitenta dias” e incentivava a imaginação das crianças. Na
verdade eles adoravam aquele tio desocupado que tinha muitos livros de
aventuras; ele já estava aposentado, foi professor no ginásio da cidade.
O balão estava pronto e seus
dirigentes aguardando os passageiros. Celina voltou à realidade seguindo até o
balão com os filhos e o marido para realizar aquele sonho de criança. Uma
nostalgia se instalou em seu semblante, queria os irmãos e primos naquele
balão. As pessoas foram se ajeitando dentro do cesto, uma criança começou a
chorar, mas logo se acalmou e a aeronave iniciou a subida lentamente. Todos
olhavam ao redor e uma luz forte surgia no horizonte; era o amanhecer no campo.
A paz reinava no local e as pessoas embevecidas procuravam uma melhor posição
para ver e filmar aquela aventura única.
O balão sobe com o ar quente do gás propano,
que alimenta o fogo do maçarico. Quando acionado faz um barulho característico
e forte quebrando o silêncio do passeio. A aeronave voa ao sabor do vento, que
deve ser propício, senão a aventura pode se tornar perigosa. Há ausência total
da sensação de movimentos, somente a percepção do chão se afastando. Voo raso
sobre as copas das árvores e depois sob lentamente a centenas de metros do
chão, deixando os passageiros extáticos diante da uma visão panorâmica
indescritível. Um voo tranquilo levado pelo vento, onde se pode avistar a sombra
do balão, lá embaixo. Os cães latem alvoroçados, as galinhas correm assustadas,
pois devem pensar que pode ser um gavião gigante. O gado fica agitado correndo
de um lado para o outro enquanto as pessoas acenam dando adeus aos passageiros
do balão.
A vista é maravilhosa e o passeio
inesquecível, dura cerca de uma hora no ar cobrindo uma distância de cerca de
trinta quilômetros. No final do percurso o baloeiro procura um espaço seguro
para descer. Em terra há o apoio da equipe que se comunica através do rádio; é
um verdadeiro rali seguir o balão. São estradas de terra esburacadas através
dos campos. É permitido que carros particulares de parentes que estão no balão,
também sigam a nave.
Escolhido
o local do pouso começa a descida lentamente e lá embaixo o grupo de apoio fica
esperando o pouso do balão. Quando descem ocorre a festa de comemoração, onde é
servido champanhe á todos os participantes e guaraná às crianças.
Leva meia hora para recolher e dobrar
todo o balão, depois a “Van” conduz os passageiros ao Hotel para um delicioso
café da manhã. O passeio deixou Celina extasiada e muito grata a seu marido por
ter permitido que acontecesse a realização de um sonho de criança. Estava muito
feliz e queria contar aos primos o seu passeio deslumbrante. Teria que voltar à
Barbacena, aquela cidade era o berço de seus sonhos e rever o tio Roque, agora
já bem velhinho, para lhe contar do passeio. O tio Roque ficaria muito
feliz.... Um texto de Eva Ibrahim.
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