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quarta-feira, 17 de abril de 2019

"ROMARIA" "É DE SONHO E DE PÓ O DESTINO DE UM SÓ. FEITO EU PERDIDO EM PENSAMENTOS SOBRE O MEU CAVALO. É DE LAÇO E DE NÓ, DE GIBEIRA OU JILÓ, DESSA VIDA CUMPRIDA A SOL(...)" RENATO TEIXEIRA

NAS RÉDEAS DO JILÓ

O DUQUE
 CAPÍTULO UM
             O domingo amanheceu iluminado com um Sol brilhante, depois de uma semana de chuvas fortes. As casas foram abertas e as mulheres começaram as faxinas, lavando as roupas e enchendo os varais. Muitos rapazes se dispuseram a lavar seus automóveis, motos e até bicicletas. Os passarinhos estavam felizes, pulando de fio em fio ou de galho em galho, caracterizando a chegada da primavera.

               Na casa de Angel, todos estavam empenhados em concluir as tarefas da casa para almoçar. Olga estava no fogão fazendo o almoço e o torresmo cheirava longe. Era a mãe de três filhos adolescentes, Angel, Alcione e Artur. Em dado momento, Olga pediu a filha de 18 anos, que fosse ao supermercado buscar fubá para fazer a polenta.

                – Seu pai vai chegar para almoçar e tudo deve estar pronto, afirmou a mulher.

                A filha tratou de trocar sua roupa e obedecer a mãe, que não aceitaria protestos. Se ela mandasse, era para ser obedecida ou haveria castigo na família. Olga era uma mulher de fibra e muito enérgica, trazia os filhos na rédea curta, dizia sempre. Angel pegou o dinheiro e saiu apressada, estava com um vestido simples e chinelos de borracha. O supermercado era perto, apenas algumas quadras dali. Sendo assim, não havia motivos para grandes enfeites pessoais.

               Naquela rua morava um médico, que trabalhava no posto de saúde local. Era a melhor e mais imponente casa das redondezas. Uma casa grande, com um belo jardim na frente. Na casa havia cinco cachorros da raça Buldogues, todos fortes e bravos. Um deles, o Duque, escapava quando o dono abria o portão para sair e este, que estava sempre apressado, incumbia o jardineiro de capturar o cão. 

            Havia relatos de pessoas que haviam sido atacadas e feridas pelo animal. Quando não conseguiam pegá-lo, ele ficava deitado na calçada fingindo dormir e quando alguém chegava perto, ele corria atrás da pessoa. Algumas se safavam, outras caiam e se machucavam, pois, Duque era um cão assustador: grande, gordo e feio.

                       As pessoas que moravam por ali, cortavam voltas para não passar em frente àquela casa. No entanto, Angel não vislumbrou o cachorro e como estava com pressa, resolveu passar por ali mesmo. Não havia ninguém a vista e ela foi para o outro lado da rua, onde havia um parque infantil. A moça caminhava de olho na casa do médico e não percebeu que o cachorro estava dentro do parquinho, com o portão entreaberto. De repente, o cão saiu correndo e rosnando para cima da menina, que desesperada, começou a correr e gritar.

               A jovem enroscou o chinelo num desnível da calçada e caiu batendo a cabeça no muro de outra casa. O Duque parou assustado e, para sorte dela, ele não a atacou, ficou parado olhando. Em seguida, várias pessoas se aproximaram para acudir a vítima e espantar o cachorro.

            Foi um corre-corre danado e alguém foi avisar a família da menina. Olga, descabelada, apareceu em socorro da filha. Vendo a menina caída no chão, com várias escoriações nas pernas, nos braços e um corte na testa sangrando, atacou o cachorro com pontapés e o pau de macarrão que trazia nas mãos. A mulher estava tão furiosa, que o cachorro também saiu sangrando na cabeça, levado pelo jardineiro. Angel chorava e Olga proferia palavrões se referindo ao cachorro e seu dono.

               Nesse meio tempo alguém chamou a ambulância, que chegou rapidamente para levar a menina ao Pronto Socorro. Chegando lá, havia muita gente esperando a vez e um rapaz estava na sala de emergência sendo atendido. Havia um princípio de tumulto, a maioria discutia reclamando da demora.

            O caso era grave, o rapaz, um peão de boiadeiro, que levara um coice na cabeça. Um ferimento que precisava de mais de vinte pontos, havia uma fenda no couro cabeludo do rapaz. Marcelo voltara do Raio X e estava à espera do médico, para a sutura em sua cabeça. Então, Angel foi colocada na maca ao lado, os dois precisavam de sutura e deveriam esperar outro médico chegar, pois o que estava ali, não poderia deixar toda aquela gente esperando, por mais tempo.

             O casal, que estava com as testas feridas, se entreolharam e ficaram com pena um do outro. Eram dois jovens e um contou a sua história para o outro. Marcelo estava em pior situação, sua cabeça doía fortemente, mas ele bancava o durão. Foi num tropeção que seu cavalo se enfureceu, saiu dando coices e atingiu a cabeça do dono, que tentava pegar a rédea caída no chão. Jiló, era o nome do equino, um garanhão altivo e só se tornava agressivo se algo o atingisse.

            A enfermeira trouxe uma injeção para cada um, era para combater a dor, disse sorrindo. Em seguida, foi logo virando a moça e aplicando a injeção nas nádegas e Angel gritou:
           - Pare com isso, que está doendo muito. E, duas lágrimas rolaram de seus olhos.

A mulher se voltou para o rapaz e olhando fixamente em seus olhos, pediu que se virasse expondo as nádegas. Marcelo obedeceu, não teria outra alternativa. Em seguida, ela cobriu os ferimentos dos dois com gazes e disse que deveriam aguardar.

Angel e Marcelo ficaram ali deitados, olhando o teto, onde girava um ventilador velho e sujo, que fazia um barulho indicando falta de lubrificante. Em dado momento, o rapaz puxou conversa, mostrando a medalha que trazia no peito, que o protegera, mais uma vez, da morte. Era a padroeira dos peões de boiadeiro, a Senhora Aparecida. A medalha suja de sangue foi levada a boca e beijada pelo rapaz, que colocava toda sua fé na santa.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 10 de abril de 2019

"FÁCIL É SER COLEGA, FAZER COMPANHIA A ALGUÉM. DIZER O QUE ELE DESEJA OUVIR. DIFÍCIL É SER AMIGO PARA TODAS AS HORAS E DIZER SEMPRE A VERDADE, QUANDO FOR PRECISO. E, COM CONFIANÇA NO QUE SE DIZ." CARLOS DRUMMOND ANDRADE


A MISSÃO

         CAPÍTULO DOZE           
              Alceu parecia encantado, olhava cada canto do grande salão. Foi interrompido, quando o médium orientador o chamou.
              – Olá? Você é o rapaz que veio conhecer nossa casa?
             - Sim, aqui é muito bonito! Respondeu Alceu.
             - Seja bem-vindo, gostamos de visitas e todos são bem recebidos. Esta é uma casa de Deus, sinta-se à vontade.

            Em seguida, estendeu a mão para cumprimentar o rapaz e no rosto iluminado, estampou um belo sorriso. O homem trajava roupas brancas, muito alvas; tinha uma mão fina e quente. Seu olhar era terno e apaziguador, brilhando em um azul céu, límpido. A pessoa perfeita inserida no lugar certo, para acolher os necessitados de amparo espiritual.

        Alceu sorriu de volta, estava extasiado. Com a mão no ombro do rapaz, o médium o conduziu para seu escritório. A família ficou sentada no salão, o rapaz precisava desta conversa sozinho.

              O orientador tinha uma expressão serena e a capacidade de fazer o outro sentir-se à vontade; esbanjava carisma. Leonel, era o seu nome e se apresentou sorrindo. Ele ouvia Alceu e balançava a cabeça em sinal de compreensão.

           Alceu sentou-se em frente ao assistente espiritual e pôs-se a contar os fatos mais relevantes de sua vida. Ficou perdido em acontecimentos e fatos estranhos passados, ao longo dos anos. E, o tempo passou rápido, então de um estalo, Alceu lembrou-se da família que o aguardava lá fora.

               - Calma filho, eles estão bem e te esperam calmamente. Parecia que Leonel conseguia ler os seus pensamentos. Sorriu novamente e o assistido percebeu, que o médium tinha poder sobre ele.

              - Estou muito feliz por estar aqui, parece que esta é a minha verdadeira casa. Alceu falou impulsivamente, era como estava se sentindo, pleno e satisfeito. Encontrara seu oásis, que tinha água pura para satisfazer seu espírito.

           – Você precisa de um tratamento espiritual. Afirmou Leonel e depois continuou:
            - Com seu afastamento do centro espírita, os espíritos impuros se aproximaram de você. Sim, existe um chamado de Deus para trabalhar em favor dos mais necessitados. Algumas pessoas são escolhidas, mas demoram a encontrar seu lugar. Ainda é cedo para dizer, mas me parece que você tem uma missão a cumprir. Leonel concluiu sorrindo. Levantando-se fez sinal para Alceu acompanha-lo.

              - Vamos para a sala de passes, você precisa receber boas energias, ainda está fragilizado pela doença.

                 Passando pelo salão, chamou os familiares do rapaz, todos precisavam de boas energias. Mais três médiuns estavam esperando, para ajudar no procedimento.

                 Alceu, Elisa, Rosa e André sentaram-se em umas cadeiras, dispostas lado a lado. Em seguida, os médiuns impuseram suas mãos sobre suas cabeças e começaram a orar por eles. O lugar era calmo, cheio de energia positiva e todos estavam concentrados.

               Quando terminou, Leonel entregou alguns livretos para o rapaz e disse que voltasse na semana seguinte e na outra e na outra. Fariam um tratamento completo, até o rapaz sentir-se livre das vozes e presenças, que sempre o acompanhavam.

            Depois de agradecer, todos voltaram para o automóvel, já era hora de regressar à casa. Alceu estava alegre, a visita lhe fizera bem, pediu para parar e comer alguma coisa; voltara a ter apetite.

            Em uma semana, o rapaz se recuperara de forma inacreditável. Em seu retorno ao hospital, o médico ficou espantado e iniciou o processo para a retirada da traqueostomia. Alceu estava muito melhor.

              No dia seguinte, voltaram à Casa do Carinho e Leonel já o aguardava, tinham uma missão a ser cumprida. Havia uma interação entre os dois, era como se fossem velhos conhecidos. Alceu levou para casa alguns livros sobre o espiritismo, recomendados por Leonel para ele ler. Durante o mês, o rapaz, em companhia do irmão André, esteve na casa de assistência espiritual por quatro vezes.

        No último retorno ao hospital, foi retirada definitivamente a traqueostomia e paciente estava liberado para voltar à vida normal. Levava consigo o compromisso de voltar ao hospital nas datas marcadas, ou se tivesse alguma intercorrência.

             E, na visita à Casa do Carinho, Alceu foi convidado a se juntar a eles, com direito de levar sua esposa para trabalhar na casa de assistência aos mais necessitados, que ficava ao lado da casa principal. Havia muito trabalho a ser feito por ali e ele sabia que aquele era o lugar, onde ele deveria ficar.

            Assim, o casal mudou-se para perto da instituição. Os filhos estavam encaminhados e o casal seguiu em busca de seu destino. O novo integrante da Casa do Carinho estava muito satisfeito e ao entrar no salão, abraçou sua esposa e disse:

              - Senhor: Olhai por mim. E, duas lágrimas rolaram pelo seu rosto. Alceu estava feliz, encontrara o seu caminho.

          - A estrada foi longa e difícil, mas a missão será cumprida. Conclui Eliza, estava satisfeita.

            Alceu sentia que era mais um escolhido por Deus e a ele se entregava com muita fé.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 3 de abril de 2019

"A ESPERANÇA NÃO MURCHA, ELA NÃO CANSA, TAMBÉM COMO ELA NÃO SUCUMBE A CRENÇA. VÃO-SE SONHOS NAS ASAS DA DESCRENÇA. VOLTAM SONHOS NAS ASAS DA ESPERANÇA". AUGUSTO DOS ANJOS

NÃO SE VÁ

CAPITULO ONZE
           O ano passou sem grandes novidades, no entanto, no final de novembro, Alceu pegou uma gripe forte, que não melhorava por nada. O mês de dezembro passou com um homem arfante, sempre muito cansado e com dificuldades para respirar. Estava, quase todos os dias, no Pronto Socorro fazendo inalações, que melhoravam, mas não curavam.

              Depois de esgotar os antibióticos por via oral, o médico disse que o paciente precisava ser internado, para tomar antibióticos por via intravenosa. Alceu se rendeu, estava realmente muito fraco e precisava de ajuda. No último Raio x foi constatada uma pneumonia, o que deixou o médico muito preocupado.

               Em uma anamnese mais apurada, seguindo as queixas do rapaz, foram encontrados dois gânglios infartados na axila esquerda do paciente. E, com o passar dos dias, apareceram mais gânglios inchados na virilha e pescoço. Depois de vários exames, o médico fechou o diagnóstico, Alceu estava com leucemia.

             O paciente decaia a olhos vistos, pálido e enfraquecido, mal conseguia se locomover. A família se revezava para que ele não ficasse sozinho, a mãe e a esposa se empenhavam ao máximo. Além das orações diárias, elas insistiam para que ele comesse e mantivesse sua autoestima, apesar da situação. Ele precisava de apoio, ou definharia até a morte.

             Embora Alceu tivesse o empenho dos profissionais da saúde e o apoio da família, seu quadro só piorava. Mais exames e uma junta médica chegou à conclusão, de que ele estava com linfoma não Hodgkins.

                Os familiares do paciente entraram em desespero, quando souberam que somente um transplante de medula poderia dar alguma chance de vida ao rapaz. Os irmãos, amigos e conhecidos se dispuseram a fazer o teste de compatibilidade para doar medula ao paciente.

            Nessa busca ficou claro, que somente seu irmão André poderia ser seu doador. Em seguida, houve a preparação para o paciente receber a doação do irmão. Ainda restava uma esperança, carregada de incertezas.

            A cirurgia ocorreu normalmente e Alceu começou a se recuperar lentamente. A medida em que o paciente recuperava as forças, ele passava a ter muitos sonhos estranhos e recorrentes. E, um deles foi a visita a “CASA DO CARINHO”, que ele dizia se ver lá, todos os dias.

               Foram seis meses de muitas dores e desesperanças, que agora pareciam ter chegado ao fim. A família estava muito feliz e, empenhada em fazer tudo para a recuperação total de Alceu.

               Certo dia, seu irmão lhe perguntou se não voltara a ouvir vozes ou perceber presenças ao seu lado. Então, Alceu lhe respondeu:

               - O meu anjo da guarda está sempre por aqui, eu percebo suas vibrações, mas não o vejo. Eu estava tão fraco, que não poderia perder nenhuma energia ou poderia apagar de vez. Outro dia ele falou assim:

                  - Não se vá, ainda não acabou. A sua missão está por começar.

               André arregalava os olhos e mantinha-se calado. As vezes duvidava do irmão, mas não queria contrariá-lo e acabava concordando com tudo. Alceu falava dormindo e André ouviu seu irmão falando da tal casa de assistência espiritual. Parecia uma obsessão, que assustava seus familiares.

             Sendo tão importante para ele, ninguém poderia ignorar a insistência, com que Alceu falava de seus sonhos com a instituição, que não conhecia. Então, André se pôs a pesquisar para localizar a casa dos sonhos do irmão. E ficou surpreendido quando descobriu, que a casa existia realmente. Então, tomou nota do endereço e foi comunicar a todos a sua descoberta.
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        Assim, chegamos ao primeiro capítulo dessa história e prosseguimos quando ele relata que as cadeiras estão cheias de pessoas sentadas, mas, visivelmente vazias para todos.
Um texto de Eva Ibrahim Sousa.

quarta-feira, 27 de março de 2019

"NÃO LUTE MAIS, DESCANSE. NÃO DÊ FORÇAS PARA SEUS INIMIGOS, VENÇA-OS COM O PERDÃO. NÃO CULTIVE A IMPACIÊNCIA, VENÇA-A COM SEGURANÇA. NÃO DELAPIDE A PAZ DOS OUTROS, COOPERE COM O SILÊNCIO. NÃO SE AFASTE DO SEU CORAÇÃO, UNA-SE A SI MESMO..." LUIZ GASPARETTO

 A SURPRESA

CAPITULO DEZ
            Os dois homens estavam muito cansados e acabaram dormindo dentro da cabine do caminhão, um recostado no outro. Tiveram muitos pesadelos, Alceu pensava em Elisa e os filhos. Luís previa sua vida destruída. Sua esposa não admitiria ele passar a noite fora; eram recém-casados.

        Quando a luz do dia bateu forte nos olhos, ambos acordaram. Sobressaltados, desceram do caminhão para ver onde estavam, a noite fora terrível. Não havia muita coisa por ali, apenas mato alto e algumas árvores mais distante.

              Deram cerca de dez passos entre o capinzal e a estrada que tanto procuraram, estava bem ali. Alceu suspirou e perguntou a Luís:

                - Cadê a encruzilhada? Não vejo nada além da estrada pela qual viemos.
              Luís, que era mais jovem, não entendia nada de coisas estranhas e parecia muito assustado, fez uma cara de espanto. Em seguida, diante da pergunta de Alceu ele conseguiu balbuciar:

            - Vamos embora daqui por favor, a minha mulher vai me matar.

              Alceu concordou, mas lembrou-se da pane no motor e foi tentar ligar o veículo. Teriam que conseguir uma carona, pois o caminhão estava com a bateria arriada. É o que ele supunha, depois que o veículo parou de funcionar repentinamente.

              Faria uma última tentativa, em seguida inseriu a chave no contato e girou, então, ficou surpreso ao ouvir o ronco do motor. O veículo estava perfeito, o ronco era suave; parecia música aos ouvidos de Alceu.

            – Meu Deus, isso foi um castigo, porque trabalhamos no dia dedicado à reflexão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. A sexta-feira santa deve ser respeitada, minha avó sempre dizia isso. Vou à Igreja, mais tarde, me confessar ao padre, isso tudo foi forte demais. O padre deve saber como podemos ser perdoados.

             Chegaram, esbaforidos, em frente ao supermercado e o Sol já tomava conta de tudo. Com o barulho do caminhão as duas mulheres apareceram; estavam muito preocupadas, e logo perguntaram:

              - Onde vocês estavam até essa hora? Foram desfrutar de orgia na noite da sexta-feira santa? São dois descarados, não respeitam nada, nem mesmo Deus.   
        
              As duas mulheres, feridas em seu orgulho, os ofenderam aos gritos. No entanto, Elisa, que conhecia os problemas de Alceu, baixou a voz e perguntou:

              - Me conta o que houve, vocês me parecem assustados.

              Os dois casais entraram na casa de Alceu, os homens precisavam tomar um café quente. Com os ânimos mais calmos, começaram a contar o ocorrido.
              Célia, a mulher de Luís, se aproximou do marido e se aconchegou em seu peito, estava com medo, queria ir para sua casa. Alceu e Elisa ficaram conversando por um bom tempo sobre o que significava tudo aquilo.

              - Existe um assédio sobre mim, por parte do mundo espiritual, que de tempos em tempos se intensifica, não sei como agir. Estou confuso, vou procurar o padre para ouvir sua opinião.
            - Eu gosto do centro espírita, mas quero ouvir o padre também. Alceu ficou aliviado ao dizer tudo o que sentia, para sua esposa. Queria que ela o acompanhasse à igreja.

                - Sim meu amor, vamos procurar o seu caminho; estarei sempre junto de você. Respondeu Elisa. Em seguida, a mulher o abraçou, sentia pena do marido; era um bom homem.

                   O padre os acolheu e entre uma explicação e outra, deu sua bênção ao casal. Aquela era a casa de Deus e ali seriam sempre bem-vindos. Quanto ao pensamento de que fora um castigo de Deus os acontecimentos da noite anterior. O padre disse:

            – Deus não é vingativo, Deus é amor e certamente o estava protegendo das forças malignas. Existe muita coisa entre o céu e a terra, que desconhecemos. Voltem quando quiserem para conversarmos.

             O casal saiu dali mais calmo, aquela era uma casa de paz. Alceu precisava de sossego, vivia sempre na expectativa de algum acontecimento inexplicável. Foram para casa, mas havia um problema para ser resolvido, no entanto, não sabiam por onde começar.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 20 de março de 2019

"JÁ OUVI SILÊNCIOS SÁBIOS, JÁ OUVI CONSELHOS VÃOS, JÁ VI BEIJOS SEM USAR OS LÁBIOS, E TOQUE SEM USAR AS MÃOS. E DESSA OBSERVÂNCIA CALMA, UM VERSO EU DEIXO DE LIÇÃO: FELIZ É QUEM TOCA COM A ALMA, E ENXERGA COM O CORAÇÃO" GABRIEL CASTRO

A ENCRUZILHADA

CAPÍTULO NOVE
             Alceu olhava para sua esposa e via nela um porto seguro, então, a abraçava com os olhos. Estava carente, num momento frágil de sua vida. Havia muitas questões para serem decifradas, ele não era igual as pessoas de suas relações. Sentia uma presença ao seu lado, mas não tinha certeza se era seu anjo ou alguma entidade perdida.

            Elisa estava desconfiada de sua lealdade, pois, ele gritara com uma mulher, enquanto dormia. Alceu tentou segurar as mãos de sua esposa, porém, ela as retirou de seu alcance e levantando-se disse:

              - Quero uma boa explicação, ou a partir de hoje você irá dormir no quartinho dos fundos. Não quero traidor ao meu lado!

               Ela estava realmente muito brava e ele sabia que não seria fácil convencê-la; sentia que ela cumpriria o prometido. No entanto, sabia também, como comovê-la e começou a chorar. Elisa voltou e sentou-se ao seu lado, era uma mãezona. Assim, entre um soluço e outro, ele começou a contar tudo que havia acontecido e terminou dizendo:

           - Nunca mais eu vou fazer entregas sozinho, ou vou com André ou com um funcionário do supermercado. Eu fiquei muito impressionado com aquela visão, não quero mais passar por isso.

           Elisa abraçou o marido, que parecia uma criança assustada. Ela sabia como era difícil a luta interna, que o marido travava, desde os dezessete anos, com coisas desconhecidas. Deitou-se bem juntinho ao marido e ficou alisando seus cabelos até ele adormecer, estava condoída pela situação. Enquanto isso, Alceu se acalmava e voltava a dormir. Elisa, apreensiva, fez uma oração, precisavam de paz, tinham filhos para criar.

         Assim, mais alguns anos se passaram e quando ele completara quarenta e cinco anos, aconteceu um fato muito estranho. Era final de tarde da quinta-feira santa e o freguês, que estava a cavalo, pediu ao Alceu para levar suas compras até o sítio. Argumentou dizendo, que no dia seguinte nada ficaria aberto e ele precisava dos mantimentos.

            Alceu era prestativo, mas desta vez titubeou, porque o sítio ficava a doze quilômetros do supermercado. Aquela era uma região de muitos pequenos agricultores, sitiados ao redor da cidade. Uma clientela fiel e difícil de se negar alguma coisa. Sendo assim, diante da insistência do freguês, concordou, mas levou com ele um funcionário da empresa.

             Já era tarde e ele não conhecia o caminho, foi se orientando pelo rabisco que o freguês fizera numa folha de papel. Estava escuro quando chegaram à casa do cliente, descarregaram e saíram rapidamente, não queriam chegar tarde em casa.

            Pegaram a estradinha de volta e chegaram à uma encruzilhada, que não tinham reparado estar ali antes. Ficaram espantados, mas não havia outra estrada para ser seguida.

             - Estamos perto, com certeza. Dizia Alceu, tentando convencer a si próprio. Não é possível! Cadê a estrada por onde passamos?

            Alceu estava ficando nervoso e repetia que estavam perto, o tempo todo, para o companheiro. No entanto, nunca chegavam, parecia que andavam em círculos. Luís, seu companheiro, estava preocupado, sua esposa não gostaria que ele chegasse tarde em casa, eram recém-casados.    

             Nessa época não havia celular, somente o relógio e o rádio do caminhão. Depois de uma hora de idas e vindas o caminhão morreu, o motor simplesmente apagou. Alceu tentou fazer o motor pegar novamente, mas não obteve sucesso.

           Quando olhou o relógio, já marcava vinte e três horas e trinta minutos. Os dois homens sentaram-se no banco e tentaram cochilar, nada poderiam fazer senão esperar, que alguém passasse por ali ou esperar o dia amanhecer.

Quando eles iam pegar no sono, ouviram o barulho de cavalos, mas, quando saíram para pedir ajuda, não havia nada lá fora. Voltaram e ficaram encolhidos no banco do caminhão, estavam ficando com medo.

Já passava da meia noite e era sexta-feira santa, deveriam estar em casa e não no meio do mato. Os dois homens se entreolharam e começaram a rezar o “Pai Nosso”, estavam em uma encruzilhada.
 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 13 de março de 2019

"AMAR" "...AMAR A NOSSA FALTA MESMA DE AMOR, E NA SECURA NOSSA AMAR A ÁGUA IMPLÍCITA, E O BEIJO TÁCITO, E A SEDE INFINITA." CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


ENTRE O CÉU E A TERRA

CAPÍTULO OITO
               Alceu continuava a frequentar o centro espírita e seus estudos; tinha como conselheiro um dos médiuns do lugar. A família do rapaz evitava falar sobre qualquer assunto, que tivesse alusão a coisas espirituais. Ninguém da família tinha conhecimento para entender o que se passava com ele; tinham medo do desconhecido.

            As pessoas ficavam embaraçadas e mantinham-se caladas, quando Alceu dizia ter visto alguma aparição ou ouvira vozes. Quirino e Rosa ficavam tristes ao ouvir os relatos do filho; temiam que ele ficasse louco. Entretanto, passavam meses sem que ele tivesse qualquer crise ou tocasse no assunto  e, a vida seguia em paz.

Algumas visões, sempre escutando vozes, falando sozinho, estas eram as rotinas do rapaz. O seu mentor dizia que ele não tinha dons para se tornar um médium, o que acontecia com ele era inexplicável. Muitas vezes, não contava a ninguém suas visões, para não ser olhado como uma pessoa esquisita.

Anos depois, Alceu estava fazendo entregas nas casas dos clientes e um deles morava longe. O supermercado tinha como norma, nunca recusar vendas. Assim, ele adentrou a rodovia para chegar à casa do freguês, já era noite, estava cansado e com fome. Dirigia distraído e quase atropelou um cachorro, que atravessava a pista.

Brecou seco e bateu a cabeça no para-brisa, depois, atordoado seguiu o seu caminho. Alguns quilômetros à frente surgiu uma mulher, que pulou para dentro da pista, em frente ao caminhão. A figura, iluminada pelo farol do veículo, acenava pedindo uma carona.

Alceu sentiu pena da mulher perdida na noite, mas não gostava de dar caronas, existiam relatos de assaltos, que se iniciavam assim. Então, acelerou e seguiu em frente.

             Era uma noite escura, que já tomara conta de tudo e, alguns quilômetros à frente, surge outra mulher acenando para Alceu parar o caminhão. Com surpresa ele constatou, que não se tratava de outra mulher, era a mesma. Ela tinha um estranho vestido amarelo e cabelos crespos de cor clara, eriçados, não seria possível confundi-la com ninguém.  O rapaz sentiu um arrepio e pensou:

             - Como ela veio parar aqui? Tem alguma coisa estranha nessa pessoa. Amedrontado, tocou em frente.

             Alceu fez a entrega dos mantimentos e tomou o caminho de volta. Estava cansado e aquela mulher o deixara temeroso, assim, queria chegar o mais rápido possível em sua casa. E, na volta quando passava por aquele local da aparição, a mulher surgiu do nada. Lá estava ela pedindo carona novamente.

          O rapaz não sabia o que fazer, então resolveu parar e encarar a situação, iria dar carona para a mulher. Encostou o caminhão e quando desceu para perguntar o que ela estava fazendo na estrada, ela simplesmente desapareceu.

             Ele andou em volta do caminhão e olhou por todos os lados, não havia ninguém por ali. Assustado, Alceu tomou a direção novamente, estava amedrontado.

           – O que será isso? Será algum aviso? Onde estará aquela mulher?

            Voltou para sua casa e não disse nada à sua esposa, foi dormir dizendo que estava muito cansado.

            Ele teve um sono conturbado e a certa altura gritou;

            - Mulher, o que você quer comigo? E acabou acordando sua esposa, que deu um pulo e chacoalhando o marido perguntou:

               - Quem é essa mulher, alguma vagabunda da beira da estrada? Gritou Elisa.

             Alceu sentou-se na cama e disse:

              - Não é nada disso, vou te contar o que aconteceu. Prepare-se, existem coisas entre o céu e a terra que são incompreensíveis e surpreendentes.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

MEU MUNDO REINVENTADO.

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