MOSTRAR VISUALIZAÇÕES DE PÁGINAS

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

"AMAR" "...AMAR SOLENEMENTE AS PALMAS DO DESERTO, O QUE É ENTREGA OU ADORAÇÃO EXPECTANTE, E AMAR O INÓSPITO, O CRU, UM VASO SEM FLOR, UM CHÃO DE FERRO, E O PEITO INERTE, E A RUA VISTA EM SONHO, E UMA AVE DE RAPINA." CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

DE VOLTA À VIDA

CAPÍTULO SEIS
           O paciente permaneceu mais dez dias na enfermaria e, finalmente, apresentava condições de receber alta e voltar ao seu lar. Motivo de alegria e felicidade para toda a família, no entanto, Rosa e Quirino temiam as conversas do filho. Alceu parecia acreditar no que dizia e seus pais não podiam contrariar o rapaz. Ele convalescia de uma terrível intoxicação, que quase o matou.

           Para não piorar a situação, acabavam concordando com tudo que o filho dizia. Mas, aquela história da pombinha merecia uma explicação ou até uma investigação. Quirino ouvira falar de um centro espírita, que poderia ajudar a família a entender os fatos. Iria procurar ajuda para o Alceu, esclarecendo tudo aquilo de maneira racional.

            O paciente voltou para casa e parecia tranquilo, estava razoavelmente bem, no entanto, havia momentos em que sua mãe ficava assustada. Por diversas vezes, Rosa parou na porta do quarto espantada, vendo o filho conversar com alguém invisível. Ela estava ficando muito preocupada com a sanidade mental do filho. André e Marília já estavam reclamando do irmão, que só falava em aparições e vozes, que somente ele via e ouvia.

            O médico, que atendeu o paciente em seu retorno, ficou surpreso com a situação relatada pelos pais e encaminhou o rapaz ao psicólogo. Alceu foi à três sessões com a psicóloga indicada pelo médico, mas ele parecia mais distante da realidade do que antes, então, Quirino resolveu leva-lo ao centro espírita.

         O rapaz não queria ir à casa de assistência espiritual, mas foi convencido pela mãe, que o acompanhou na primeira visita. Chegando lá foram recebidos com cordialidade e encaminhados para uma roda de estudos.

            No salão principal havia cerca de quarenta pessoas, jovens, adultos e idosos. Estavam sentados em cadeiras formando uma roda ovalada, cada um tinha um caderno em suas mãos. Gentilmente foram colocadas mais duas cadeiras, para acolher mãe e filho.

            Um senhor moreno conduzia os estudos, cada pessoa havia levado uma tarefa para casa. E, um de cada vez se levantava e lia o que havia conseguido como resposta à pergunta, que havia retirado do pequeno baú de conhecimentos.

         Alceu ficou interessado pelos assuntos discorridos ali. Em seguida, foi encaminhado para tomar passes com os médiuns, que com a imposição das mãos e desejos profundos de amor, paz e cura, destilavam energia positiva. As pessoas saiam dali com uma sensação de bem-estar e bons pensamentos.

       Mãe e filho deixaram o local felizes, era um ambiente de paz e serenidade, tudo que Rosa buscava para sua família. Alceu fez amizades na comunidade espírita e não perdia as reuniões, mesmo quando Rosa não podia ir, ele comparecia.

           E foi ali que ele conheceu Elisa, a mulher de sua vida. Os dois estavam sempre juntos e ela o ajudava nos estudos bíblicos e no curso técnico que ambos faziam à noite.

            Durante o dia ele ajudava seu pai na mercearia e a noite ia à escola ou ao centro espírita. Assim, com seus dias tomados por compromissos e o namoro com Elisa, Alceu não teve mais visões. 

           - Estava curado ou apenas aprendera a controlar seus pensamentos?Ás vezes, ele se perguntava isso.

           Sentia-se feliz e desejava viver intensamente; era jovem e esperava muito da vida.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

"AMAR" "...QUE PODE, PERGUNTO, O SER AMOROSO, SOZINHO, EM ROTAÇÃO UNIVERSAL, SENÃO RODAR TAMBÉM E AMAR? AMAR O QUE O MAR TRÁS À PRAIA, O QUE ELE SEPULTA. E O QUE NA BRISA MARINHA É SAL OU PRECISÃO DE AMOR, OU SIMPLES ÂNSIA?" CARLOS DRUMMOND ANDRADE

EU ESTAVA LÁ

CAPÍTULO CINCO
           Quirino foi visitar o filho e ficou alegre com a notícia, que ele fora transferido para a enfermaria, porque as visitas seriam facilitadas. Os irmãos poderiam vê-lo com mais frequência e os avós também. Estava determinado a não tocar no assunto da pombinha, queria que aquela história caísse no esquecimento; jamais iria incentivar uma maluquice daquelas.

            No entanto, depois dos cumprimentos o filho perguntou?

             – Os filhotes de pombinhos já chocaram? Já devem ter nascidos, estavam bicando dentro dos ovos. Depois desviou o olhar e disse:

            - Havia um anjo nos observando, estava sentado na janela.

            Quirino ficou assustado com aquela conversa esquisita, teria que sair dali antes de se alterar e prejudicar o filho. Era um homem do campo e tinha pouca leitura, nada sabia sobre coisas sobrenaturais.

            Ele conhecia as histórias que os mais velhos contavam, mas nada parecido com as conversas de Alceu. Sentia muito medo de tudo aquilo e temia que o filho estivesse ficando maluco. Precisava sair dali rapidamente, então, disfarçou dizendo que a mãe queria entrar e saiu tropeçando porta afora.

            Rosa entrou constrangida, não queria falar sobre aquela história, que a incomodava muito, mas não tinha como evitar. Beijou o filho e este foi logo perguntando sobre os pombinhos. Então, ela disse:

            - Seu pai e o André subiram no telhado e viram o ninho e os dois filhotinhos, depois apareceu a mãe deles, que levava comida para alimentá-los. Alceu, eu preciso que me conte tudo, desde o princípio. Como soube da mudança?

            - Mãe, eu acho que sai do corpo, eu podia volitar, isto é, me locomover sem esforço e sem tocar o chão. Quando percebi onde estava fiquei assustado, era a estrada que leva ao sítio. Em seguida, o velho caminhão do pai apareceu e vinha em minha direção, eu dei sinal, mas ninguém me viu. Então, sentei na carroceria e prossegui a viagem com vocês.   

             - Foi exatamente no dia em que você teve uma parada cardíaca meu filho, disse a mãe com medo daquela história. O médico disse que você quase morreu, justamente no dia da mudança.

           O paciente respirou fundo, queria ganhar forças para prosseguir:

- Enquanto vocês descarregavam o caminhão, eu fiquei sentado no telhado e vi quando a pombinha entrou por debaixo das telhas. Depois que a pombinha saiu para procurar comida, eu ergui a telha e pude ver os dois ovinhos. De repente, me deram um puxão tão forte que voltei ao meu corpo. É o que aconteceu, por isso sei que mudaram para cá.

                 A mãe estava chorando quando Alceu terminou a frase e ele se emocionou. 

                 - Não precisa chorar mãe, estou bem e hoje eu vi um anjo sentado na janela, o pai estava aqui.

           - Meu Deus, cada vez piora mais, não sei o que faremos daqui para a frente.  Rosa sussurrou preocupada.

           Havia uma nuvem sobre sua cabeça, parecia que os seus miolos estavam queimando.
                  Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

"AMAR" "QUE PODE UMA CRIATURA SENÃO, ENTRE CRIATURAS, AMAR? AMAR E ESQUECER, AMAR E MALAMAR, AMAR, DESAMAR E AMAR? SEMPRE, E ATÉ DE OLHOS VIDRADOS, AMAR?" CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

A POMBINHA

CAPÍTULO QUATRO
            No dia da mudança, a família de Alceu não teve tempo de ir ao hospital; havia muito trabalho a ser feito. E, no dia seguinte souberam que ele tivera um agravo à sua saúde. Começou com febre alta durante a noite e teve, no decorrer do dia, uma parada cardíaca, que muito preocupou os médicos. Conseguiram reverter o quadro e o paciente voltou à vida, mas ainda corria riscos, pois, desenvolvera um foco infeccioso.

           Seguiram-se dias preocupantes, cheios de medos e incertezas. O paciente parecia debilitado e aumentava o temor de que ele nunca mais voltasse à lucidez. Estava preso em uma cama e ligado ao oxigênio por uma traqueostomia; ficaria em um estado vegetativo por tempo indeterminado. Este pensamento estava preso em cada pessoa da família e do hospital, mas ninguém se atrevia a falar.

           Mais uma semana se passou sem novidades, fazia um mês que ele tivera contato com o agrotóxico. Os médicos diziam que Alceu estava melhor, já não tinha febre, mas não sabiam porque ele ainda não acordara. As drogas foram suspensas fazia três dias e ele continuava inconsciente. Estavam aguardando algum sinal ou reação de retorno à consciência.

               No domingo à tarde, a mãe estava ao lado da cama do filho, quando ela percebeu um movimento nas pálpebras do rapaz. Em seguida, ele mexeu as mãos e quando ela apertou a mão dele, recebeu um aperto de volta. A mulher, então o chamou pelo nome:

             - Alceu? Filho, estou aqui, abra seus olhos, por favor.

             E, para sua surpresa, ele abriu os olhos. A mãe ficou tão feliz que o beijou na face deixando cair lágrimas em seu rosto.

               - Mãe? A pombinha ainda está lá no abrigo?

                - Onde? Como?

               - Na garagem da casa nova.

               - Como você sabe da casa nova?

               - Eu vi vocês mudando e lá na casa nova tinha um ninho em meio as telhas do abrigo. Era uma pombinha cinza, pequena, aquelas do mato, chocando dois ovinhos.

               A mulher não entendeu nada, espantada se perguntou:

             - Como é possível ele saber disso, se estava em coma no hospital?
Mas ela estava feliz por ver que o filho estava bem e disse calmamente:

           - Não sei, mas vou verificar e depois trago notícias.

Quirino recebeu a notícia da recuperação de Alceu com alegria e curioso, foi ver se realmente existia um ninho no telhado da garagem.

              André e o pai subiram no telhado e quando levantaram a telha ficaram em estado de choque. Lá estavam os dois filhotinhos, recém-saídos das cascas dos ovos, de boca aberta esperando comida. Trataram de cobrir o vão novamente e descer do telhado, para esperar a mãe dos pombinhos.

             Sentaram-se nas cadeiras da área da frente e ficaram aguardando a chegada da mãe. Logo surgiu uma pombinha caipira com uma minhoca no bico; fez uma parada no vaso de samambaia e depois pulou para o vão do telhado. Estava confirmada a visão de Alceu, mas como explicar isso? Havia espanto, incertezas e dúvidas nos olhares do pai, da mãe e do irmão André; estavam sem rumo.

              A mãe foi a Igreja, conversou com o padre expondo suas dúvidas e incertezas. Este ouviu calado e depois disse:

           - Senhora, existem coisas que são inexplicáveis, me parece que seu filho teve uma experiência de quase morte, isto é uma EQM. Trate isso com leveza e agradeça a Deus pela recuperação do rapaz, depois, se quiser pode pesquisar sobre isso. Existem muitos relatos sobre este assunto e trabalhos sérios de pesquisas científicas.

           A mulher voltou para casa com uma sensação estranha, o seu filho tinha visões. Ela não sabia se aquilo era do bem ou do mal, tinha medo do desconhecido. 
            - Será que Alceu está ficando louco? Pensou e uma ruga de preocupação fincou em sua testa.

 Quirino também não entendia nada daquilo e abraçando sua mulher disse:

        - Estou com medo de tudo isso, Deus que nos proteja.
Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

"QUE A FELICIDADE NÃO DEPENDA DO TEMPO, NEM DA PAISAGEM, NEM DA SORTE, NEM DO DINHEIRO. QUE ELA POSSA VIR COM TODA A SIMPLICIDADE, DE DENTRO PARA FORA, DE CADA UM PARA TODOS". CARLOS DRUMOND DE ANDRADE

DOR DA ALMA

CAPÍTULO TRÊS
Quirino foi correndo pegar o velho caminhão e se dirigiu o mais próximo possível do laranjal. Em seguida, os três homens carregaram o rapaz, que estava inconsciente, até a carroceria do veículo; depois voaram para o Pronto Socorro do hospital da cidade. O avô, que pela vivência tinha algum conhecimento, foi amparando a cabeça e protegendo-a, enquanto Alceu se debatia involuntariamente.

André pediu ao ajudante que telefonasse, avisando o hospital que estavam a caminho do Pronto Socorro, com um rapaz convulsionando. Era uma suspeita de intoxicação por agrotóxicos, alertara o avô, que ao longo da vida, tivera notícias de casos parecidos.

Foram recebidos na porta da emergência, já estavam esperando o paciente. Os enfermeiros seguiram levando o rapaz na maca, em direção à sala de urgência; não havia tempo a perder. Depois de duas longas horas de aflição, o médico chamou Quirino para uma conversa. Disse que o paciente estava na Unidade de terapia intensiva, UTI, com suporte ventilatório para a manutenção da vida.

 – É um caso muito grave e faremos todo o possível para que ele se recupere. Contamos com a força de sua juventude para que reaja aos medicamentos. Afirmou o médico.

 O pai ficou paralisado, não poderia perder o filho para o veneno das pragas. Então, concordou com a cabeça, sua voz não saia, estava com um nó na garganta; sentia náuseas intensas.

    - Alceu precisa ficar em observação constante. Vou deixa-lo ver o seu filho e depois peço que se retire, pois, ali ninguém pode permanecer ou só vai atrapalhar. Concluiu o médico.

   O avô e o irmão, que ouviram tudo, ficaram imóveis vendo o pai seguir o médico.

  - Como isso foi acontecer? Não pensamos nessa possibilidade e estava bem em frente aos nossos olhos; somos culpados por essa desgraça. Afirmou o avô com lágrimas nos olhos.

   Ele já ouvira falar de casos fatais de intoxicação por agrotóxicos. Havia pouco conhecimento e quase nenhuma precaução com a saúde dos agricultores, naquela região. Muitos já tiveram agravos à saúde por causa do uso indevido dos venenos contra pragas.

    Quirino se aproximou do filho e este parecia dormir, enquanto a máquina respirava por ele. Alceu estava pálido e desfigurado. O coração do pai sangrou de dor e sua alma gemeu naquele momento.

     Os três homens voltaram para casa, estavam desolados. O pior é que tinham que levar a notícia para as mulheres, que aguardavam aflitas. Souberam do fato ocorrido pelo ajudante do sítio, quando foi telefonar.

   Os homens sabiam que precisavam ter cuidado ou elas poderiam passar mal. No entanto, as fisionomias deles deixavam clara a situação de Alceu. Ao vê-los chegar sem o filho, a mãe começou a chorar abraçada a avó e as irmãs se juntaram cabisbaixas. Feridas no amor familiar, começaram a rezar, nada mais poderiam fazer naquele momento.

Quirino não tinha mais sossego e não conseguia trabalhar; ia ao hospital todos os dias, juntamente com sua esposa, para ver o filho. Os dias passavam e não havia novidades, o paciente permanecia inconsciente. Os médicos diziam que o rapaz mantinha o quadro, mas nunca acordava e isso fez a família tomar uma decisão.  

     Venderiam o sítio e se mudariam para a cidade, precisavam ficar perto de Alceu. Estavam desgostosos com o acidente sofrido e o sítio já não interessava mais. Em vinte dias fizeram uma troca e adquiriram uma casa com uma mercearia, na cidade onde estava Alceu.

 – Vamos aguardar que Alceu volte a vida, aqui perto dele. Disse o pai tristonho ao chegar na nova casa.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

"EU SEM VOCÊ SOU SÓ DESAMOR, UM BARCO SEM MAR, UM CAMPO SEM FLOR. TRISTEZA QUE VAI, TRISTEZA QUE VEM. SEM VOCÊ, MEU AMOR, EU NÃO SOU NINGUÉM!' VINÍCIUS DE MORAES

EM MEIO AO LARANJAL

CAPÍTULO DOIS
          Tudo começou há três décadas, mais precisamente quando a família de Alceu morava no interior do Mato Grosso do Sul. Tinham um pequeno sítio em uma área rural e mantinham um pomar de laranjas. As frutas, de boa qualidade, eram vendidas na feira livre da cidade mais próxima e o excedente para fábricas de sucos de laranjas.

              O pomar de laranjas era uma lavoura que exigia pouco trabalho manual, portanto rentável. E, enquanto a natureza se encarregava da produção de laranjas, eles plantavam vagem, tomates e outros produtos hortifrúti. Assim a vida corria normalmente e havia fartura na região.

               Pai, mãe, avô, avó maternos, André, Alceu e depois três meninas, uma família comum do interior do Brasil. Os meninos trabalhavam na roça com o pai e o avô; as meninas ajudavam a mãe e a avó na casa.

            Em uma certa manhã, o pai percebeu que havia problemas no laranjal. As folhas e as laranjas estavam enferrujadas em vários pontos. O pai e o avô subiram na velha caminhonete e foram para a cidade buscar o agrônomo. Precisavam diagnosticar a doença, pois temiam as pragas, que rondavam os laranjais da região. O agrônomo foi taxativo:

            - É o bicho furão mostrando a sua cara, é necessário um combate ferrenho para que ele não se espalhe ou perderemos todo o pomar. Em último caso será necessário arrancar e queimar todo o laranjal.

               Quirino, o pai, viu seu mundo desabar, demorou anos para a formação daquele pomar e somente agora começou a dar lucros, não seria justo queimar todo o pomar por causa de pragas.  

         – Faremos o que for necessário para não perder o laranjal, afirmou Quirino, bastante nervoso.

         - Então, a solução será entrar com agrotóxicos e não dar folga para o bicho, disse o agrônomo preocupado.

No mesmo dia foram buscar os agrotóxicos para iniciar na manhã seguinte, bem cedo, o combate aquela praga. Era um procedimento feito logo após o amanhecer, com uma bomba pendurada nas costas do agricultor.

 Um procedimento manual, que liberava o veneno atingindo as folhas e frutos das laranjeiras. O veneno saia por um bico regulável de uma mangueira, espalhando-se por todo o ambiente. O agricultor que manuseava a bomba também ficava exposto ao veneno.

Quirino montou a bomba e a carregou com o veneno. Pulverizou uma pequena parte e o filho mais velho chegou para pedir que fosse receber o caminhão, que iria transportar as caixas de vagens e tomates para o Ceasa.

 Alceu ficou olhando e experimentou colocar a bomba em suas costas. Sentiu firmeza e resolveu pulverizar o restante da plantação. Quando Quirino voltou, Alceu já estava com o serviço bem adiantado. Ele era um menino de dezessete anos, forte e arrojado; poderia fazer aquele serviço para ajudar seu pai. Sendo assim, o pai autorizou que ele terminasse a pulverização.

O dia transcorreu normalmente e os homens foram para casa tomar banho, jantar e descansar para o dia seguinte. Quirino estava mais tranquilo, pois as providências quanto as pragas já tinham sido tomadas.

            No dia seguinte, Alceu levantou-se com mal-estar corporal, mas atribuiu a chegada de algum resfriado. O rapaz foi diretamente para o paiol pegar o veneno e continuar a pulverização recomendada pelo agrônomo. André, o pai e o avô foram cuidar das outras plantações, que requeriam mais cuidados.

Na hora do almoço, uma das filhas foi levar as marmitas para que os homens não perdessem tempo e almoçassem por ali mesmo.

    No entanto, Alceu não apareceu e Quirino foi assuntar o que aconteceu. Ao chegar no pomar, ficou arrazado ao se deparar com o filho caído em meio ao capinzal, entre as laranjeiras. Estava desfalecido, com a boca espumando, as calças urinadas e com trejeitos estranhos. 

Correu pedindo apoio aos demais, para ajudarem no socorro do filho. Então, o avô olhando o neto disse estarrecido:

 - Rápido, o Alceu está convulsionando!

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

"OBRIGADO PELAS CONVERSAS, PELA ATENÇÃO, PELOS CONSELHOS "INFALÍVEIS", PELO ELOGIO QUE SÓ VEM DE QUEM AMA E, PRINCIPALMENTE, POR TE IMPORTARES COMIGO". AUGUSTO BRANCO

OLHAI POR MIM

AS CADEIRAS CHEIAS

CAPÍTULO UM
O taxi corria pela rodovia, levava pessoas ansiosas para o encontro marcado no centro assistencial “CASA DO CARINHO”. Alceu estava acompanhado da mãe, da esposa e do irmão André. O irmão era o primogênito da família e fora o único compatível, entre todos os pesquisados, familiares e banco nacional de medula, para o transplante que salvaria a vida de Alceu.

Ele estava com linfoma em estado adiantado. Durante algumas noites o paciente delirava, estava febril e com uma fraqueza extrema. Então, sonhava que estava sendo atendido na referida casa de assistência espiritual.

 A família, em sua maioria, era católica e não conhecia a instituição. Ficaram espantados com os relatos dos sonhos de Alceu. Eles nunca ouviram falar da tal casa e nem Alceu sabia do que se tratava. Era um sonho repetitivo, que ocorria em várias noites da semana, mesmo depois de sair da crise febril.

 Ele via em seu sonho uma casa grande, pintada de branco com portas e janelas azuis, rodeada de árvores frondosas, que pareciam ser flamboyants, pois estavam carregadas de flores vermelhas. Na entrada havia um letreiro em letras grandes: “CASA DO CARINHO”.

Um homem alto, claro, de olhos azuis o esperava na porta e o recebia com um sorriso. Depois, ambos entravam em um salão amplo, cheio de pessoas atentas a uma palestra. Mas, Alceu acordava sempre na hora em que iria ouvir, o que estavam falando.

O irmão prometeu pesquisar onde ficava essa casa e, se realmente existia esse lugar, depois iria acompanha-lo até lá.

- Iremos onde quer que esteja essa casa, reiterou André, compadecido da situação do irmão.

Depois de meses internado, Alceu recebeu alta hospitalar.  Assim, a família contratou um taxi para leva-los até a instituição de assistência espiritual, que ficava a duzentos e cinquenta quilômetros de distância do hospital onde Alceu se encontrava.

Ele precisava conhecer o local e ver aquele homem de olhos azuis. Parecia ideia fixa, só pensava naquilo. O paciente, bastante debilitado, estava com uma traqueostomia, pois estivera em coma por muitos dias e ainda inspirava cuidados especiais, mas parecia feliz.

Seguiram até o veículo, estavam todos contentes, pois o irmão doente estava melhor e seria atendido pelas entidades do local. Havia uma expectativa de que Alceu seria definitivamente curado por espíritos de luz. Aqueles sonhos deveriam significar alguma coisa, que eles não entendiam; disso eles tinham certeza.

Saíram bem cedo, ainda estava escuro quando pegaram a rodovia. A palestra ocorreria as nove horas e o motorista conhecia bem a região, por isso todos estavam tranquilos.

No entanto, quando chegaram à Casa do Carinho, a palestra já havia terminado. Houve uma intercorrência, um pneu do automóvel furou e eles se atrasaram. O paciente ficou algum tempo olhando tudo por ali, já conhecia o lugar.

Todos ficaram desapontados, mas André conseguiu que o mentor do local os atendesse, porém, deveriam esperar para entrar; já havia pessoas sendo atendidas pelo mentor. Alceu, então, fez um comentário para sua esposa:

- Mesmo que tivéssemos chegado a tempo, não teria lugar para sentarmos, as cadeiras estão cheias. Será que todas estas pessoas estão aguardando outra palestra?

              Elisa, sua esposa, arregalou os olhos e respondeu:

           - Ainda tem pessoas sentadas, mas tem muitas cadeiras vazias, você não consegue ver?

              – Não mulher, as cadeiras estão todas ocupadas.

               Rosa, a mãe do rapaz, ouvindo isso ficou assustada e perguntou desconfiada:

           - Quem são as pessoas que estão sentadas nas cadeiras? Alceu respondeu calmamente:

           - Mãe, são pessoas comuns, iguais as outras, homens e mulheres vestidos de branco. Estão concentradas em oração e parecem serenas.

           As duas mulheres se entreolharam e sentiram um arrepio correr pelo corpo. Não queriam contrariar Alceu, mas as cadeiras estavam vazias.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

MEU MUNDO REINVENTADO.

UM BLOG PARA POSTAR CONTOS CURTOS E EM CAPÍTULOS.