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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

"QUE A FELICIDADE NÃO DEPENDA DO TEMPO, NEM DA PAISAGEM, NEM DA SORTE, NEM DO DINHEIRO. QUE ELA POSSA VIR COM TODA A SIMPLICIDADE, DE DENTRO PARA FORA, DE CADA UM PARA TODOS". CARLOS DRUMOND DE ANDRADE

DOR DA ALMA

CAPÍTULO TRÊS
Quirino foi correndo pegar o velho caminhão e se dirigiu o mais próximo possível do laranjal. Em seguida, os três homens carregaram o rapaz, que estava inconsciente, até a carroceria do veículo; depois voaram para o Pronto Socorro do hospital da cidade. O avô, que pela vivência tinha algum conhecimento, foi amparando a cabeça e protegendo-a, enquanto Alceu se debatia involuntariamente.

André pediu ao ajudante que telefonasse, avisando o hospital que estavam a caminho do Pronto Socorro, com um rapaz convulsionando. Era uma suspeita de intoxicação por agrotóxicos, alertara o avô, que ao longo da vida, tivera notícias de casos parecidos.

Foram recebidos na porta da emergência, já estavam esperando o paciente. Os enfermeiros seguiram levando o rapaz na maca, em direção à sala de urgência; não havia tempo a perder. Depois de duas longas horas de aflição, o médico chamou Quirino para uma conversa. Disse que o paciente estava na Unidade de terapia intensiva, UTI, com suporte ventilatório para a manutenção da vida.

 – É um caso muito grave e faremos todo o possível para que ele se recupere. Contamos com a força de sua juventude para que reaja aos medicamentos. Afirmou o médico.

 O pai ficou paralisado, não poderia perder o filho para o veneno das pragas. Então, concordou com a cabeça, sua voz não saia, estava com um nó na garganta; sentia náuseas intensas.

    - Alceu precisa ficar em observação constante. Vou deixa-lo ver o seu filho e depois peço que se retire, pois, ali ninguém pode permanecer ou só vai atrapalhar. Concluiu o médico.

   O avô e o irmão, que ouviram tudo, ficaram imóveis vendo o pai seguir o médico.

  - Como isso foi acontecer? Não pensamos nessa possibilidade e estava bem em frente aos nossos olhos; somos culpados por essa desgraça. Afirmou o avô com lágrimas nos olhos.

   Ele já ouvira falar de casos fatais de intoxicação por agrotóxicos. Havia pouco conhecimento e quase nenhuma precaução com a saúde dos agricultores, naquela região. Muitos já tiveram agravos à saúde por causa do uso indevido dos venenos contra pragas.

    Quirino se aproximou do filho e este parecia dormir, enquanto a máquina respirava por ele. Alceu estava pálido e desfigurado. O coração do pai sangrou de dor e sua alma gemeu naquele momento.

     Os três homens voltaram para casa, estavam desolados. O pior é que tinham que levar a notícia para as mulheres, que aguardavam aflitas. Souberam do fato ocorrido pelo ajudante do sítio, quando foi telefonar.

   Os homens sabiam que precisavam ter cuidado ou elas poderiam passar mal. No entanto, as fisionomias deles deixavam clara a situação de Alceu. Ao vê-los chegar sem o filho, a mãe começou a chorar abraçada a avó e as irmãs se juntaram cabisbaixas. Feridas no amor familiar, começaram a rezar, nada mais poderiam fazer naquele momento.

Quirino não tinha mais sossego e não conseguia trabalhar; ia ao hospital todos os dias, juntamente com sua esposa, para ver o filho. Os dias passavam e não havia novidades, o paciente permanecia inconsciente. Os médicos diziam que o rapaz mantinha o quadro, mas nunca acordava e isso fez a família tomar uma decisão.  

     Venderiam o sítio e se mudariam para a cidade, precisavam ficar perto de Alceu. Estavam desgostosos com o acidente sofrido e o sítio já não interessava mais. Em vinte dias fizeram uma troca e adquiriram uma casa com uma mercearia, na cidade onde estava Alceu.

 – Vamos aguardar que Alceu volte a vida, aqui perto dele. Disse o pai tristonho ao chegar na nova casa.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

"EU SEM VOCÊ SOU SÓ DESAMOR, UM BARCO SEM MAR, UM CAMPO SEM FLOR. TRISTEZA QUE VAI, TRISTEZA QUE VEM. SEM VOCÊ, MEU AMOR, EU NÃO SOU NINGUÉM!' VINÍCIUS DE MORAES

EM MEIO AO LARANJAL

CAPÍTULO DOIS
          Tudo começou há três décadas, mais precisamente quando a família de Alceu morava no interior do Mato Grosso do Sul. Tinham um pequeno sítio em uma área rural e mantinham um pomar de laranjas. As frutas, de boa qualidade, eram vendidas na feira livre da cidade mais próxima e o excedente para fábricas de sucos de laranjas.

              O pomar de laranjas era uma lavoura que exigia pouco trabalho manual, portanto rentável. E, enquanto a natureza se encarregava da produção de laranjas, eles plantavam vagem, tomates e outros produtos hortifrúti. Assim a vida corria normalmente e havia fartura na região.

               Pai, mãe, avô, avó maternos, André, Alceu e depois três meninas, uma família comum do interior do Brasil. Os meninos trabalhavam na roça com o pai e o avô; as meninas ajudavam a mãe e a avó na casa.

            Em uma certa manhã, o pai percebeu que havia problemas no laranjal. As folhas e as laranjas estavam enferrujadas em vários pontos. O pai e o avô subiram na velha caminhonete e foram para a cidade buscar o agrônomo. Precisavam diagnosticar a doença, pois temiam as pragas, que rondavam os laranjais da região. O agrônomo foi taxativo:

            - É o bicho furão mostrando a sua cara, é necessário um combate ferrenho para que ele não se espalhe ou perderemos todo o pomar. Em último caso será necessário arrancar e queimar todo o laranjal.

               Quirino, o pai, viu seu mundo desabar, demorou anos para a formação daquele pomar e somente agora começou a dar lucros, não seria justo queimar todo o pomar por causa de pragas.  

         – Faremos o que for necessário para não perder o laranjal, afirmou Quirino, bastante nervoso.

         - Então, a solução será entrar com agrotóxicos e não dar folga para o bicho, disse o agrônomo preocupado.

No mesmo dia foram buscar os agrotóxicos para iniciar na manhã seguinte, bem cedo, o combate aquela praga. Era um procedimento feito logo após o amanhecer, com uma bomba pendurada nas costas do agricultor.

 Um procedimento manual, que liberava o veneno atingindo as folhas e frutos das laranjeiras. O veneno saia por um bico regulável de uma mangueira, espalhando-se por todo o ambiente. O agricultor que manuseava a bomba também ficava exposto ao veneno.

Quirino montou a bomba e a carregou com o veneno. Pulverizou uma pequena parte e o filho mais velho chegou para pedir que fosse receber o caminhão, que iria transportar as caixas de vagens e tomates para o Ceasa.

 Alceu ficou olhando e experimentou colocar a bomba em suas costas. Sentiu firmeza e resolveu pulverizar o restante da plantação. Quando Quirino voltou, Alceu já estava com o serviço bem adiantado. Ele era um menino de dezessete anos, forte e arrojado; poderia fazer aquele serviço para ajudar seu pai. Sendo assim, o pai autorizou que ele terminasse a pulverização.

O dia transcorreu normalmente e os homens foram para casa tomar banho, jantar e descansar para o dia seguinte. Quirino estava mais tranquilo, pois as providências quanto as pragas já tinham sido tomadas.

            No dia seguinte, Alceu levantou-se com mal-estar corporal, mas atribuiu a chegada de algum resfriado. O rapaz foi diretamente para o paiol pegar o veneno e continuar a pulverização recomendada pelo agrônomo. André, o pai e o avô foram cuidar das outras plantações, que requeriam mais cuidados.

Na hora do almoço, uma das filhas foi levar as marmitas para que os homens não perdessem tempo e almoçassem por ali mesmo.

    No entanto, Alceu não apareceu e Quirino foi assuntar o que aconteceu. Ao chegar no pomar, ficou arrazado ao se deparar com o filho caído em meio ao capinzal, entre as laranjeiras. Estava desfalecido, com a boca espumando, as calças urinadas e com trejeitos estranhos. 

Correu pedindo apoio aos demais, para ajudarem no socorro do filho. Então, o avô olhando o neto disse estarrecido:

 - Rápido, o Alceu está convulsionando!

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

"OBRIGADO PELAS CONVERSAS, PELA ATENÇÃO, PELOS CONSELHOS "INFALÍVEIS", PELO ELOGIO QUE SÓ VEM DE QUEM AMA E, PRINCIPALMENTE, POR TE IMPORTARES COMIGO". AUGUSTO BRANCO

OLHAI POR MIM

AS CADEIRAS CHEIAS

CAPÍTULO UM
O taxi corria pela rodovia, levava pessoas ansiosas para o encontro marcado no centro assistencial “CASA DO CARINHO”. Alceu estava acompanhado da mãe, da esposa e do irmão André. O irmão era o primogênito da família e fora o único compatível, entre todos os pesquisados, familiares e banco nacional de medula, para o transplante que salvaria a vida de Alceu.

Ele estava com linfoma em estado adiantado. Durante algumas noites o paciente delirava, estava febril e com uma fraqueza extrema. Então, sonhava que estava sendo atendido na referida casa de assistência espiritual.

 A família, em sua maioria, era católica e não conhecia a instituição. Ficaram espantados com os relatos dos sonhos de Alceu. Eles nunca ouviram falar da tal casa e nem Alceu sabia do que se tratava. Era um sonho repetitivo, que ocorria em várias noites da semana, mesmo depois de sair da crise febril.

 Ele via em seu sonho uma casa grande, pintada de branco com portas e janelas azuis, rodeada de árvores frondosas, que pareciam ser flamboyants, pois estavam carregadas de flores vermelhas. Na entrada havia um letreiro em letras grandes: “CASA DO CARINHO”.

Um homem alto, claro, de olhos azuis o esperava na porta e o recebia com um sorriso. Depois, ambos entravam em um salão amplo, cheio de pessoas atentas a uma palestra. Mas, Alceu acordava sempre na hora em que iria ouvir, o que estavam falando.

O irmão prometeu pesquisar onde ficava essa casa e, se realmente existia esse lugar, depois iria acompanha-lo até lá.

- Iremos onde quer que esteja essa casa, reiterou André, compadecido da situação do irmão.

Depois de meses internado, Alceu recebeu alta hospitalar.  Assim, a família contratou um taxi para leva-los até a instituição de assistência espiritual, que ficava a duzentos e cinquenta quilômetros de distância do hospital onde Alceu se encontrava.

Ele precisava conhecer o local e ver aquele homem de olhos azuis. Parecia ideia fixa, só pensava naquilo. O paciente, bastante debilitado, estava com uma traqueostomia, pois estivera em coma por muitos dias e ainda inspirava cuidados especiais, mas parecia feliz.

Seguiram até o veículo, estavam todos contentes, pois o irmão doente estava melhor e seria atendido pelas entidades do local. Havia uma expectativa de que Alceu seria definitivamente curado por espíritos de luz. Aqueles sonhos deveriam significar alguma coisa, que eles não entendiam; disso eles tinham certeza.

Saíram bem cedo, ainda estava escuro quando pegaram a rodovia. A palestra ocorreria as nove horas e o motorista conhecia bem a região, por isso todos estavam tranquilos.

No entanto, quando chegaram à Casa do Carinho, a palestra já havia terminado. Houve uma intercorrência, um pneu do automóvel furou e eles se atrasaram. O paciente ficou algum tempo olhando tudo por ali, já conhecia o lugar.

Todos ficaram desapontados, mas André conseguiu que o mentor do local os atendesse, porém, deveriam esperar para entrar; já havia pessoas sendo atendidas pelo mentor. Alceu, então, fez um comentário para sua esposa:

- Mesmo que tivéssemos chegado a tempo, não teria lugar para sentarmos, as cadeiras estão cheias. Será que todas estas pessoas estão aguardando outra palestra?

              Elisa, sua esposa, arregalou os olhos e respondeu:

           - Ainda tem pessoas sentadas, mas tem muitas cadeiras vazias, você não consegue ver?

              – Não mulher, as cadeiras estão todas ocupadas.

               Rosa, a mãe do rapaz, ouvindo isso ficou assustada e perguntou desconfiada:

           - Quem são as pessoas que estão sentadas nas cadeiras? Alceu respondeu calmamente:

           - Mãe, são pessoas comuns, iguais as outras, homens e mulheres vestidos de branco. Estão concentradas em oração e parecem serenas.

           As duas mulheres se entreolharam e sentiram um arrepio correr pelo corpo. Não queriam contrariar Alceu, mas as cadeiras estavam vazias.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

"O QUE QUER QUE ACONTEÇA NAS ESTAÇÕES DE NOSSAS VIDAS, A GLÓRIA QUE VAI SER REVELADA PARA NÓS UM DIA, VAI OFUSCAR AS DORES DE HOJE, COMO SE ELAS NUNCA TIVESSEM ACONTECIDO". ROMANOS 8:18

UMA ESTRELA BRILHANTE

CAPÍTULO TREZE
           O ano seguinte passou rápido e as feridas de Benjamim fecharam. Ele ficou dois meses no hospital e depois foi levado para a casa do médico, que o deixou aos cuidados da família do caseiro. Ele precisava de acompanhamento de fisioterapia e retornos semanais ao hospital, por isso não poderia voltar para sua casa na zona rural.

             O Dr. Catena estava muito atento a tudo o que acontecia com o menino. Ele tinha uma afeição especial, que o aproximava de Benjamim. Alguma coisa dizia para ele ajudar aquele menino:

             - Deve ser coisa de Deus! Pensava olhando para o céu.

            O médico vivia em uma bela casa com sua mãe idosa, depois que sua esposa faleceu de câncer de mama. A mãe e o filho se juntaram na solidão e um apoiava o outro. Ele tinha um filho que estudava na Inglaterra e só voltava para casa nas férias de julho.

           Olavo Catena era um médico famoso, ortopedista de valor e muito rico.

             -“Um Semideus”, diziam seus subordinados, com admiração.

           Ficava pouco em casa, vivia dando palestras em simpósios e congressos, além de seu trabalho no hospital, onde era o maior acionista. Era fino, carismático e elegante; muito respeitado por todos. Os atendimentos eram, em sua maioria, gratuitos.

             Quando voltava para casa logo mandava chamar o Benjamim; queria saber de seus progressos nos estudos. O menino frequentava a escola juntamente com o filho do caseiro, ambos se tornaram amigos. A vida ali era simples e confortável, tinham acesso a piscina, campo de futebol, sala de jogos e a biblioteca da casa grande.

            Dona Aurora, a mãe do médico era bondosa e prestativa, tratava o menino como se fosse seu neto. E nas horas de folga, ela ensinava o menino a tocar piano. Ele e Miguel, o filho do caseiro, terminaram o ano letivo e Benjamim não queria voltar a morar com seus pais. O menino da roça queria estudar na cidade grande; tornara-se um cidadão urbano.

            Dirceu foi buscar os dois meninos para passar férias no sítio, mas percebeu que seu filho estava se afastando deles, tinha outros interesses. O doutor, quando viu Dirceu, o chamou para uma conversa e lhe pediu permissão para colocar seu filho em um colégio interno.  Ele foi claro dizendo:

           - Se ele se empenhar eu financio seus estudos. Faremos dele um bom médico para cuidar de todos nós, na velhice.

               Teresa chorou, os irmãos ficaram com inveja, mas Benjamim seguiu seu caminho; tinha um futuro promissor. Dirceu ficou espantado e surpreso, mas não poderia negar essa oportunidade ao filho. Então, o abençoou desejando-lhe muita sorte.

            No começo foi difícil, mas cada vez que o menino ia visita-los, eles agradeciam a Deus pela oportunidade de ter um filho estudado e muito educado. Teresa fazia orações, todas as noites, de agradecimento ao médico que cuidava de seu filho.

Benjamim tornara-se um rapaz alto e forte, admirado por todos. Tinha bons princípios, era humilde e nunca abandonou seus pais. Chamava o doutor Catena de tio e o respeitava muito.

Os pais estiveram em sua formatura e choraram de felicidade ao ver o filho ser chamado de doutor. Rui se casou com uma moça das redondezas e continuou a trabalhar com seu pai. Marília estava noiva de um soldado da vila e logo se casaria também.

Benjamim foi trabalhar com o doutor Catena, a quem estimava como a um pai. O médico o introduziu na sociedade local e ficou feliz quando ele começou a namorar uma moça de família conhecida.

Em pouco tempo, Benjamim conquistou novos amigos, casou-se com Mariana e tornou-se um médico requisitado. O velho doutor já não viajava muito, retirava-se de suas atividades gradualmente. No entanto, estava sempre pronto a discutir casos com Benjamim, sempre orientando e esclarecendo dúvidas do jovem médico.

Dona Aurora faleceu em uma véspera de Natal, a idade a levou e deixou o médico mais solitário. O filho do doutor Catena fixou residência em Londres e visitava o pai uma vez no ano.

 Benjamim era seu filho de fato, Dirceu era o pai biológico que recebia a visita do filho, de vez em quando. Teresa estava conformada e orgulhosa de seu menino, que agora iria ser papai.

 Os anos continuaram em seu galope e os cabelos brancos cobriram a cabeça do doutor, que se isolava, cada vez mais, da vida em sociedade. Seus passos ficaram lentos, seu corpo pesado e sua fala mansa; agora ele passava o tempo lendo e meditando.

 Parecia um Semideus mesmo, sentado em sua cadeira de balanço vendo o Sol se por. Uma figura nostálgica de alguém que deu tudo de si com firmeza, para reger a vida de todos que o rodeavam. Era rígido e fascinante, sabia dar o tom na música da vida.

 Benjamim ocupava seu lugar com muita eficiência e humildade. Assim se apresentava a vida para todos na virada do ano dois mil. 

  E, no dia primeiro do ano, enquanto todos dormiam, o Dr. Olavo Catena deixou o corpo velho e cansado para subir aos céus, tornando-se mais uma estrela brilhante nas noites escuras. E, na terra deixou sementes de amor e determinação no coração das pessoas que o conheceram.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa


quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

"AMADOS, AMEMOS UNS AOS OUTROS, POIS O AMOR PROCEDE DE DEUS. AQUELE QUE AMA É NASCIDO DE DEUS E CONHECE A DEUS. QUEM NÃO AMA NÃO CONHECE A DEUS, PORQUE DEUS É AMOR". JOÃO 4:7-8


SENTIMENTOS

CAPÍTULO DOZE
             Os dias que se seguiram foram mesclados de ironias e desaforos, direcionados a Benjamim por seus irmãos. Eles estavam revoltados, a Magrela ficara amarrada no teto do rancho e a possibilidade de tirá-la de lá era muito remota. O pai a confiscara e além disso, não havia dinheiro para trocar os pneus.

           Benjamim sentia-se acuado, sabia que fora imprudente, mas nunca pensara que iria provocar tantos problemas. A mãe o mimava tentando agradá-lo, para minimizar suas dores físicas e emocionais. O pai se mantinha fora das discussões, mas era duro em suas decisões e, os filhos sabiam disso.

             Como o prometido à curandeira, Dirceu e Teresa levaram o filho ao médico, que depois de uma inspeção nas mãos do menino disse:

            - As queimaduras das palmas das mãos são as que mais inspiram cuidados, pois, algumas bolhas estouraram e ficou evidente a profundidade das queimaduras. Precisam ficar sempre limpas e umidificadas para crescer a carne nas feridas. Parou por um instante, coçou a cabeça e depois continuou:

            - As mãos devem ser observadas para identificar pontos de infecção. Se o menino tiver febre devem retornar imediatamente. Por hora, basta tomar analgésicos e usar a pomada que está na receita.

                     Os três saíram dali preocupados, as palmas das mãos de Benjamim estavam em carne viva e doíam muito. Foi o contato com a borracha quente dos pneus, que corroeram suas mãos.

              Assim que o ano novo passasse, Dirceu iria com o filho até o hospital, onde ele estivera internado. Cumprindo assim, o retorno agendado referente a fratura do fêmur.

            Teresa estava triste, ela temia que o filho ficasse internado novamente; lágrimas caiam de seus olhos ao pensar nisso. Trazia no peito sentimentos contraditórios. A mãe queria que o menino permanecesse com eles no sítio. No entanto, sabia que no hospital seria melhor para ele. Com a assistência adequada, o filho teria o tratamento necessário e consequentemente a cura mais rápida. E Benjamim não teria os irmãos para chateá-lo.

              Dirceu também tinha seus medos, mas queria que todos pensassem que era durão, então, chorava escondido. Benjamim sempre fora seu ponto fraco, por ser traquinas, por ser o que sempre estava machucado e o mais impetuoso dos seus três filhos.

              Depois do ano novo, Teresa arrumou as coisas do filho e no meio das roupas colocou uma medalhinha de Nossa Senhora. A mãe acreditava que assim, seu menino seria protegido pela virgem e ela ficaria mais conformada em ficar longe dele.

              Sentados na sala de espera, entre outros pacientes, viram quando o doutor Olavo Catena chegou para assumir seu posto, depois das festas de final de ano.

            Quando o médico cruzou seu olhar com o menino, ele sorriu e fez um aceno com as mãos. Estava evidente a simpatia que nutria pelo garoto. Fixou seu olhar nos curativos das mãos de Benjamim e, espantado, não se conteve:

             - O que foi isso filho? Vamos conversar. Abriu a porta esperando o Benjamim e seus pais entrarem.

             E, dentro do consultório abraçou o menino, cumprimentou seus pais e indicou as cadeiras para que se sentassem. Em seguida, sentou-se também e com seriedade perguntou o que havia acontecido.

             Depois de ouvir a história da bicicleta, ele quis ver os ferimentos e assustado balançou a cabeça, estava desapontado. E voltando para sua mesa disse:   
   
           - Benjamim, você precisa ficar internado para curar suas mãos e prosseguir no tratamento da fratura. Essa aventura vai lhe custar mais algum tempo no hospital.

            Teresa começou a chorar, estava com um nó na garganta. Entre soluços e lágrimas, explodiram sentimentos de emoção a muito contidos e  a mulher precisou ser levada para fora pelo marido.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

"PORTANTO, NÃO SE PREOCUPEM COM O AMANHÃ, POIS O AMANHÃ SE PREOCUPARÁ CONSIGO MESMO. BASTA A CADA DIA O SEU PRÓPRIO MAL". MATEUS 6:34

                     NA BERLINDA

CAPÍTULO ONZE
            A mulher mantinha-se na cama quieta e com os olhos fechados; o sono demorou a voltar. Dava para ouvir os barulhos da roça, um latido de cães ao longe, que era respondido em diversos lugares e distâncias diferentes. Uma melodia canina fazendo eco na madrugada, com pequenos intervalos de silêncio.

           Na árvore, perto da janela do quarto do casal, havia corujas piando, uma, duas, três, eram várias e deixavam os sentidos de Teresa aguçados. Não gostava da presença de corujas, traziam mensagens de mau agouro, segundo o consenso popular.

          Havia muitas perguntas no ar e não havia respostas possíveis, naquela noite de Natal. O dia amanheceu e quando Teresa acordou de um breve cochilo, Dirceu não estava mais na cama. Levantara-se muito cedo e saíra para ver a destruição do incêndio diante da luz do dia. Os estragos no rancho foram pequenos, os maiores estavam dentro do peito de Dirceu.

            Ele estava nervoso e muito bravo com tudo aquilo. Preferia ficar calado até a raiva abrandar ou acabaria por ofender sua mulher no dia de Natal. Ela não merecia, Teresa era uma boa mulher e também uma mãe amorosa.

Quanto ao Benjamim, este lhe dava muitas preocupações, temia pelo seu futuro. Ainda não vira as queimaduras nas mãos do filho, teria que enfrentar mais essa situação. Seu coração estava escuro, triste por ver o menino sofrendo física e emocionalmente.

Dirceu sentia saudades de quando via o filho montado a cavalo, correndo pelos pastos sem camisa. Parecia forte e imbatível, no entanto, agora Benjamim ficava contido em uma cama. Não estava fácil para ninguém, havia nuvens de desconfortos no ar.

 O pai entendia o que o menino fizera e também não encontrava culpados para aquela atitude intempestiva. Antonio, seu cunhado, nem sabia do acidente e trouxera a bicicleta para alegrar os sobrinhos, não seria justo culpa-lo pela frustração do afilhado.

            O Sol brilhava forte e aquele seria um Natal diferente, todos cansados e com mágoas uns dos outros. Mas, ele não estragaria o que restava do dia tão esperado. Pensou no nascimento do menino Jesus, era um dia de alegria para todos os cristãos. Iria tomar algumas atitudes para pacificar os ânimos.

           Voltou para casa e encontrou Teresa fazendo café. Aproximou-se dela e beijou seu pescoço, ela deu um passo atrás, então, Dirceu a abraçou e disse:
            - Feliz Natal mulher, eu te amo. Não vamos estragar o Natal dos meninos reunidos. Em seguida a beijou.

            - Obrigada homem, também te amo, vamos fazer de conta que não aconteceu nada nesta noite. Vou fazer um almoço especial de Natal.

            Em seguida, foram ver Benjamim, que gemia baixinho enquanto cochilava. Dirceu disse a Teresa que iria buscar Bibiana para fazer curativo nas mãos do filho.

            A curandeira ficou preocupada com as queimaduras nas mãos do menino e disse ao casal:

              - É melhor leva-lo ao médico, isso pode infectar e piorar a situação de Benjamim. Em alguns pontos a queimadura foi profunda.

             O homem, então, disse que faria isso no dia seguinte.

            – Vou leva-lo até o posto médico da vila, para conseguir um remédio para aliviar as dores das queimaduras. 

          A curandeira concordou com a cabeça e seguiu de volta para sua casa, ficara realmente preocupada. As queimaduras não eram apenas superficiais, careciam de cuidados médicos e teriam um longo processo de recuperação. Em sua sabedoria popular ela tinha esse entendimento.

                  Benjamim sentia muitas dores, mas evitava reclamar, pois tinha quatro olhos de censura, o tempo todo, pregados nele. Rui e Marília não o perdoavam por ter estragado a bicicleta. Ela ficara encarregada de levar e oferecer os alimentos para o irmão. Rui, o irmão mais velho, deveria ajudar em sua locomoção para o banheiro e arrumar suas calças, pois Benjamim tinha as mãos queimadas.

          Os dois sentiam raiva de Benjamim e ainda tinham que passar por criados dele, isso era terrível; estavam revoltados. Ficavam calados para não aborrecer a mãe, mas olhavam com olhos que fuzilavam o irmão. O menino estava na berlinda e precisava da ajuda de todos, até para suas necessidades íntimas.

           Com Benjamim acuado e os irmãos irados, foi assim, que transcorreu o dia de Natal da família.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa.

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