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quarta-feira, 26 de setembro de 2018

"MESMO QUANDO TUDO PARECE DESABAR, CABE A MIM DECIDIR ENTRE RIR OU CHORAR, IR OU FICAR, DESISTIR OU LUTAR; PORQUE DESCOBRI NO CAMINHO INCERTO DA VIDA, QUE O MAIS IMPORTANTE É O DECIDIR". CORA CORALINA

AMANHÃ, TALVEZ

CAPÍTULO SETE
           A mulher, com o coração cheio de esperanças, passou o dia bem melhor. Cuidou dos afazeres domésticos e até cantou debaixo do chuveiro; precisava acreditar que Fernando estava se recuperando bem. Aquele foi o primeiro dia de muitos, que ela não chorou. Colocou uma roupa leve e florida, precisava aliviar o peso dos dias mais escuros.

             Antes de sair pegou um terço, que havia ganhado de sua avó e saiu com a intenção de passar na igreja, antes de ir visitar seu esposo. Ajoelhou-se no genuflexório em frente ao Sacrário e com muita devoção seguiu as contas do rosário. Não era de sua rotina rezar o terço, mas tinha a impressão que sabia interpretar cada conta ali disposta e, o fez com muita fé. Depois, seguiu a pé até o hospital onde Fernando se encontrava.

Quando chegou na sala de espera da UTI encontrou Lorenzo, que também queria ver o pai. Ela entrou e o filho ficou esperando ela sair, para visitar o pai. Ao se postar junto a cama de Fernando, Marilia percebeu que ele fazia alguns movimentos com as mãos. E, logo veio um enfermeiro lhe dizer que ele estava acordando, pois, a sedação fora suspensa. Aquele tempo de coma fora um período muito importante para a recuperação dele.

- A partir desse momento, ele já começa a brigar com o aparelho, movendo a cabeça também.  Um bom sinal, ele estava apenas dormindo e voltará à vida, assim que os medicamentos forem eliminados pelo corpo. Todos estamos atentos para o momento da retirada do tubo traqueal de Fernando, que esperamos aconteça nas próximas horas. Explicou com segurança, o profissional da saúde.

                 Marília segurou as mãos de Fernando, que faziam leves movimentos sem direção certa. Ele não estava consciente ainda, mas estava perdido num mundo alheio a tudo aquilo. Fazia oito dias, que Fernando estava no aparelho de respiração artificial em coma induzido.

          Prostrado num leito de hospital, não parecia o mesmo homem. Fernando estava emagrecido e pálido.

         - Ele precisa tomar Sol, pensou Marília.

           Seu coração não estava feliz com aquela situação; tinha pressa em ver seu marido brincando alegre, como sempre fazia.

Saiu do hospital com o filho, que também acompanhava o drama do pai. Os dois caminharam em silêncio, se abrissem a boca iriam chorar; estavam decepcionados. Pensaram que o encontrariam acordado; pura ilusão.

 - Ninguém sai de um coma sem atravessar etapas importantes de recuperação da consciência e sinais vitais estáveis fora da máquina. O paciente precisa voltar a respirar espontaneamente. Um caso grave como o de Fernando, é prematuro fazer planos, devemos aguardar os acontecimentos. Explicou o médico, ao ser interpelado por Lorenzo. Depois continuou:
                 - É preciso manter a calma, temos esperanças que o paciente, em breve, sairá bem dessa situação. Afirmou o médico se afastando rapidamente.

                 Mãe e filho chegaram em casa como se tivessem murchado. Lorenzo foi para a pizzaria ajudar o tio e Marília se recolheu, estava desapontada e triste. Talvez ela tivesse feito poucas orações, então, voltou a rezar pedindo a cura de Fernando. Acabou adormecendo sobre o terço que rezava chorosa. 

          Lorenzo e o tio fecharam a pizzaria por volta da meia-noite e foram para casa. Viram a porta do quarto de Marília entreaberta e foram ver se ela estava bem. Sentiram pena ao ver o terço caído ao lado de sua mão. Em seguida, puxaram a coberta sobre o corpo adormecido e o tio sussurrou para o sobrinho:

- Amanhã, talvez Fernando esteja acordado.

         Em seguida, apagaram a luz e fecharam a porta, desejando um dia melhor para todos. 
Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

"...NUNCA SE ENTREGUE, NASÇA SEMPRE COM AS MANHÃS, DEIXE A LUZ DO SOL BRILHAR NO CÉU DO SEU OLHAR. NÓS PODEMOS TUDO, NÓS PODEMOS MAIS, VAMOS LÁ SABER O QUE SERÁ..." GONZAGUINHA


MANHÃ DE LUZ

CAPÍTULO SEIS
Os dias eram todos iguais e depois de uma semana, a mulher, desolada, procurou o médico que atendia o seu marido naquela unidade de recuperação. Precisava conversar e ouvir o médico responsável, para entender algumas coisas ou ficaria doida com tantos maus pensamentos.

A UTI era um grande salão com onze leitos: a sala de espera, o posto de enfermagem, o expurgo, o almoxarifado, a copa e quatro sanitários.  Dez leitos eram dispostos dos dois lados do salão em boxes individuais.

Ali ficavam distribuídos os pacientes graves, que precisavam de cuidados intensivos. Era uma UTI para pessoas adultas de ambos os sexos e patologias diferentes. O décimo primeiro era um boxe destinado a pacientes com patologias que exigiam isolamento. Um lugar limpo, amplo e impessoal; podia-se ouvir apenas o barulho dos aparelhos ligados nos pacientes. Deles saiam sons cadenciados, que formavam uma música tristonha e sem fim.

 No horário de visitas havia muitas pessoas aflitas, querendo a atenção do médico intensivista. Ele era solicitado o tempo todo por familiares dos pacientes, para dar esperanças ou tirá-las de uma vez. Suas palavras tinham o poder de colocar um sorriso no rosto ou, provocar lágrimas de dor.

O médico, que estava conversando com o familiar de outro paciente, atendeu prontamente o chamado e explicou à Marília, que seu marido estava em sono profundo. Um coma induzido por drogas, para descansar e estabilizar o cérebro. Procedimento muito usado em casos semelhantes, com bons resultados.

Fernando não estava em coma pelo trauma recebido, mas em coma necessário à sua recuperação, induzido por sedação.

- Amanhã de manhã, se ele estiver mantendo o quadro, será iniciado o desmame das drogas e ele deverá acordar lentamente. O médico afirmou com um olhar preocupado e depois de um minuto de silêncio prosseguiu.

 - Assim, quando ele acordar ficaremos sabendo, se ele ficará bem ou não. Tudo o que for dito antes disso, será pura especulação. Estamos empenhados em seu restabelecimento, mas precisamos de tempo para isso. Explicou o médico calmamente.

Marilia não conseguiu dizer nada, o médico disse tudo com firmeza e segurança, que ela apenas aquiesceu com a cabeça, enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas. Outra pessoa solicitou a presença do profissional, que se afastou deixando a mulher envergonhada.

     Ela que sempre fora desenvolta e falante, agora se transformara em uma mulher chorona. Na última semana já despejara um rio de lágrimas no mundo. Então, voltou para perto do marido, que permanecia estático.

A visita na UTI foi encerrada e Marília precisou deixar o recinto. Saiu com a cabeça baixa, estava desolada; não sabia o que esperar de tudo aquilo.

               Chegou em sua casa e foi se deitar, estava com dor de cabeça, mas, antes tomou um analgésico. O seu sono foi cheio de pesadelos e acordou assustada, havia sonhado que Fernando tinha morrido. Então, esperou o dia clarear e o plantão diurno ser iniciado para telefonar para Eloisa. Queria pedir a ela que fosse saber de Fernando, queria notícias dadas pela amiga.

               - Marília, foi iniciado o processo de desmame do aparelho de respiração. Seu marido deverá acordar nas próximas horas ou mais tardar em um ou dois dias. Explicou a moça, com alegria.

               A mulher não conseguiu responder, começou a chorar novamente. Mas, agora o choro era de esperança em ver o seu esposo acordado novamente. Esperaria o horário de visitas com alegria no coração.

             Aquela manhã, já podia ser considerada uma manhã de luz. Tudo o que Marília desejava era levar seu marido para casa e, viver novamente sem aquelas nuvens negras no horizonte. Esquecer todos aqueles dias de muitas dores, incertezas e valorizar a vida cada dia mais. Precisava sair da escuridão e voltar para a luz.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

"EU NÃO EXISTO SEM VOCÊ" - "EU SEI E VOCÊ SABE, JÁ QUE A VIDA QUER ASSIM. QUE NADA NESSE MUNDO LEVARÁ VOCÊ DE MIM. EU SEI E VOCÊ SABE QUE A DISTÂNCIA NÃO EXISTE. QUE TODO GRANDE AMOR SÓ É BEM GRANDE SE FOR TRISTE. POR ISSO MEU AMOR NÃO TENHA MEDO DE SOFRER. QUE TODOS OS CAMINHOS ME ENCAMINHAM PRA VOCÊ". TOM JOBIM E VINÍCIUS DE MORAES

SAUDADES DE VOCÊ

CAPÍTULO CINCO
          Marília sentia uma profunda dor na alma; um sentimento triste e melancólico. A visão de seu marido na cama do hospital respirando com a ajuda de aparelhos, tinha o poder de desestabilizá-la emocionalmente. Precisava de ajuda espiritual, isto é, procurar auxílio dos céus. Saiu de sua casa com duas horas de antecedência do horário de visitas na UTI.

          Seu destino era a Igreja da Boa Morte, que ficava bem no alto do morro. Uma igreja onde havia relatos de muitos milagres recebidos e que tinha uma energia poderosa. Ela era católica, mas poucas vezes ia à missa, punha a culpa no trabalho da pizzaria. No entanto, sempre fazia suas orações.

         Todas as vezes em que esteve na igreja, presenciara pessoas ajoelhadas em frente a imagem da Virgem Maria. Certamente, pedindo misericórdia para amenizar suas tragédias, ou simplesmente, fazendo suas orações com devoção e agradecimento. Aquele desejo de procurar a igreja estava crescendo em seu coração, desde quando soube do acidente.

           Depois de uma caminhada concentrada no seu intuito, entrou de mansinho na igreja quase vazia. Era meio da tarde e havia poucas pessoas fazendo suas orações. Aquela era a casa do pai de todos, Deus, que transmitia paz e esperança para o seu coração. Olhou para a cruz e intimamente pensou:

            - Pai, eu voltei com o coração em frangalhos, me acolha por favor. Em seguida, baixou o olhar como se estivesse pedindo perdão, por estar ausente durante tanto tempo.

          Marília se ajoelhou no genuflexório diante da imagem da Virgem Maria, chorosa, implorando por clemência e misericórdia. Ela havia lido em algum lugar, que nenhum pedido sincero feito a mãe de Jesus, ficaria sem resposta. Era uma mãe piedosa e estava sempre pronta para atender aos necessitados.

            - Estou aqui para implorar pela recuperação do Fernando, ele é meu marido e preciso dele para viver. Ela desejava que seu marido se recuperasse sem sequelas do trauma na cabeça.

               Em seguida, baixou a cabeça e com lágrimas nos olhos fez suas orações. Ficou ali esperando uma luz para aliviar sua alma triste e abalada. O tempo não importava naquele lugar e, ela foi se acalmando. Em seu íntimo surgira uma paz cercada de ânimo, que tomou conta de seu coração; precisava lutar pela recuperação do seu amor. Então, voltou a realidade com a certeza de que seu amor ficaria bem.

            Olhou no relógio e ficou surpresa, fazia uma hora e meia que estava ali; deveria se apressar. Beijou a fita azul que descia das mãos da imagem de Maria e se levantou para ir ao hospital visitar Fernando.

            Chegou esbaforida, pois a caminhada foi grande. Adentrou ao hospital e viu o senhor cuja esposa tivera um derrame. Ele também a viu e cumprimentou com a cabeça. Então, ela retribuiu acenando discretamente.  

         – Estamos juntos nessa situação triste. Pensou com o coração aflito, queria ver Fernando.

          Em seguida, a porta de vidro da UTI foi aberta e cada um, com sua identificação, se dirigiu ao leito de seu familiar. Marília beijou a testa do marido, que estava exatamente como o havia deixado no dia anterior, mas, ela estava diferente; trazia no peito esperanças renovadas. Então, disse baixinho no pé do ouvido do marido:

          - Estou com saudades de você, volta para mim. E, duas lágrimas rolaram pelo seu rosto, salgando sua boca.

 Mais uma vez, ele não reagiu.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

"EMBORA MEU OBJETIVO SEJA COMPREENDER O AMOR, E EMBORA SOFRA POR CAUSA DAS PESSOAS A QUEM ENTREGUEI MEU CORAÇÃO, VEJO QUE AQUELES QUE ME TOCARAM A ALMA NÃO CONSEGUIRAM DESPERTAR MEU CORPO, E AQUELES QUE TOCARAM MEU CORPO, NÃO CONSEGUIRAM ATINGIR MINHA ALMA". PAULO COELHO

COM LÁGRIMAS NOS OLHOS

CAPÍTULO QUATRO
            Os dois irmãos chegaram à pizzaria e Marília deixou Celso conversando com os funcionários do estabelecimento. Ele assumiria o comando de tudo até a situação se resolver, por isso ele precisava conhecer o local e os funcionários. Por sorte, Celso estava de férias e poderia ajuda-la neste momento difícil.

            Depois das apresentações, Marília entrou em sua casa, que ficava ao lado da pizzaria. Uma casa pequena, mas aconchegante e muito bem arrumada. Foi construída com esforço e carinho pelo casal; um lugar onde foram felizes.

 Era noite de sexta-feira e havia bastante movimento no local, as mesas estavam cheias de gente comendo e bebendo. A música era mantida com som alto e todos pareciam felizes. No entanto, o coração de Marília estava sangrando, ela sentia um nó na garganta. O que ela mais desejava naquele momento, era que seu marido estivesse atrás daquele balcão, alegre e brincalhão como sempre.

             A mulher precisava de um banho para se livrar daquela sensação de sujeira, que a estava entristecendo ainda mais. Entrou em embaixo do chuveiro e ficou imóvel, precisava de um momento de paz, que a vida lhe roubara nos últimos dias.

          A água tépida caia em sua cabeça, rolando pelo rosto e levando suas lágrimas para o ralo. Ela trazia no peito uma tristeza e uma mágoa sem fim, que chegava a doer fisicamente.

        Estava revoltada com aquela situação, que para ela fora injusta com Fernando, não se conformava em ver o marido naquela cama de hospital. Marília nunca foi religiosa, mas era cristã e acreditava que Deus estava sempre presente cuidando e protegendo seus filhos. Fernando era um homem bom, alegre e brincalhão, não merecia aquilo, pensava Marília.

              - Por que ele foi abatido dessa forma? Preciso entender os desígnios desse Deus, que acreditamos ser nosso pai. Lamentou a mulher chorosa.

             O acidente aconteceu em um momento de esperanças; parecia que iriam superar a crise econômica. A situação esteve tão ruim, que o casal pensou em fechar as portas do estabelecimento. Mas, estavam conseguindo contornar a crise, era só uma questão de tempo. As lágrimas teimavam em se misturar com a água do chuveiro e ela aproveitava para lavar sua alma também.

           Então, percebeu que ela e Fernando eram muito felizes e não sabiam, nunca brigavam, apenas se amavam. Tinham Lorenzo, que era um bom menino. Agora seu amor estava na UTI, não tinha noção de nada e ela estava morrendo por dentro.

            Marília foi se deitar, precisava dormir e recuperar as forças, para poder voltar ao hospital. Tinha um compromisso com a vida de Fernando, teria que ajudá-lo a se recuperar até ficar bom novamente. Ainda bem que seu irmão estava lá para ajudar e tomar conta de tudo, era um problema a menos para ela se preocupar.

             Estava tão cansada que adormeceu logo e, acordou assustada durante a madrugada. Então, olhou para o lugar vazio na cama e a triste realidade voltou a atormentá-la. Marília começou a rezar pedindo pela recuperação de Fernando e assim, ela viu o dia nascer.

               Quando saiu do quarto, viu Celso jogado no sofá com a roupa que estava na noite anterior. Sentiu pena dele, ela se esquecera de arrumar um lugar para ele dormir, no quarto de Lorenzo. Fez café e colocou a mesa para quando os dois homens acordassem. Seu filho estava no período de férias de fim de ano e poderia ajudar na pizzaria.  
         
             Pegou o telefone e ligou para Eloisa, queria notícias do seu marido.

           – Por favor Eloisa, preciso ter notícias de Fernando.

             - Fui vê-lo, assim que cheguei, está estável, mantém o quadro. Marília, não venha fora do horário de visitas, eles não a deixarão entrar. Foi o recado que sua amiga lhe deu.

A visita seria somente as dezesseis horas e ela teria o dia todo para resolver suas coisas e esperar. Saiu para fazer compras e depois fez almoço, mas não tinha fome, então, comeu algumas colheres de arroz e foi se arrumar para ir visitar seu marido. Mas, antes passaria na Igreja, queria pedir pela recuperação de seu esposo, de joelhos e na casa de Deus.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa



quarta-feira, 29 de agosto de 2018

"DE TUDO AO MEU AMOR SEREI ATENTO. ANTES, E COM TAL ZELO, E SEMPRE, E TANTO QUE MESMO EM FACE DO MAIOR ENCANTO, DELE SE ENCANTE MAIS MEU PENSAMENTO". VINÍCIUS DE MORAES


ABRA OS OLHOS, POR FAVOR

CAPÍTULO TRÊS
           A esposa, desesperada, ficou sentada na sala de espera da UTI. Não havia nada que pudesse fazer para mudar a situação, que vivia ali no hospital. Era leiga em assuntos médicos, nunca passara por momentos tão difíceis. Estava sozinha e o medo do desconhecido a deixava fragilizada.

           Avisara o Celso, seu irmão, que morava na cidade vizinha sobre o acidente de Fernando. E agora, aguardava ansiosamente sua presença. Ele era um homem e saberia lidar com tantos problemas, diferente dela, que vivia na sombra de Fernando.

             Pela pressa e correria observadas, ela sentia que o estado de saúde de Fernando era grave. No entanto, não queria alarmar o filho, nem os empregados da pizzaria. Precisavam de dinheiro mais do que antes, o trabalho deveria seguir adiante.

           A todo momento buscava ajuda dos céus, agora era entre ela e Deus. Ele estava solidário, ela sabia disso, pois mandara Eloisa para estar ao seu lado. Este pensamento lhe trazia algum alento. A boa enfermeira deixara o plantão lhe desejando sorte, voltaria no dia seguinte.

           Depois de duas horas, apareceu a maca com o paciente cheio de fios e bombas de medicação. Junto da maca vinham médicos e enfermeiras paramentados, que seguiam rapidamente. Marilia levantou-se, mas foi contida por mãos que indicavam para ela se afastar. Ficou encostada na parede sem ação, apenas com vontade de chorar.

            A mulher continuou a rezar, precisava de toda a ajuda possível. Não tinha sede ou fome, apenas sentia calafrios percorrendo seu corpo. Então, o seu irmão chegou para ajudá-la naquele momento difícil. Soluçando, ela conseguiu contar a ele os últimos acontecimentos com Fernando. Depois, os dois sentaram-se nas cadeiras, para aguardar notícias do paciente.

            Mais uma hora passada lentamente, sem que Marília ouvisse nenhuma palavra sobre os acontecimentos, que envolveram seu esposo. Ali parecia que o tempo não tinha nenhuma importância; um silêncio aterrador tomava conta do ambiente. De vez em quando, passava um médico ou uma enfermeira, que logo desapareciam naqueles longos corredores.  Em dado momento surgiu um senhor, ele estava aflito e disse, olhando para Marília:

               - Minha mulher está aí dentro, teve um derrame e não me conhece mais. Depois, sentou-se perto de Marília e com lágrimas nos olhos continuou.
               - Daqui a pouco começa a hora de visita e, eu venho vê-la todos os dias. Sinto falta dela.

            Marília sentiu pena daquele homem e se viu na mesma situação. Não sabia o que iria acontecer com Fernando.

           Chegaram outras pessoas, todas tinham parentes ali, aguardavam para visita-los. Um guarda se postou em frente a porta de vidro, que dava acesso a UTI e logo formaram fila. Em seguida, foi entrando um de cada vez. Quando chegou a vez de Marília, o guarda disse que ela teria apenas quinze minutos para ver o marido. Celso ficou de lado, não poderia entrar, então esperaria por sua irmã.

           A mulher, aflita, entrou cambaleando, seu coração estava batendo na boca; era muita emoção mesclada de medos. Chorou ao ver a situação em que seu marido se encontrava. Ficou paralisada ao lado da cama, apenas observando o seu amor.

            Fernando tinha um cateter que saia da cabeça enfaixada, um tubo na boca, ligado a um aparelho que respirava por ele. No braço tinha uma punção venosa, que recebia soro de uma bomba. Tinha, também, um cateter no pescoço que recebia líquido de outra bomba. Um colar cervical para manter a cabeça imóvel e erguida a trinta graus da base da cama. E, muitos fios colados ao peito, que eram ligados a um monitor cardíaco automático, que verificava os sinais vitais a cada dez minutos. Ela ficou estática, tinha medo de chegar perto e danificar aquela parafernália.

           O paciente parecia morto, apenas o barulho cadenciado do respirador quebrava o silêncio daquele box. Ao lado, no outro box, havia uma moça chorando baixinho. Marília espiou e viu uma senhora em situação idêntica ao estado de Fernando. Em frente, tinha um jovem cheio de ataduras e uma mulher chorosa ao seu lado, provavelmente, sua mãe.  Eram pacientes graves que estavam lutando pela vida, ela entendeu isso. 

           Então, Marília inclinou sua cabeça perto do ouvido do marido e sussurrou com voz firme:

            - Abra os olhos, por favor.

           No entanto, não obteve resposta, Fernando permaneceu inerte. E, ela teve que sair, acabara a hora de visitas na UTI. Marília seguiu amparada pelo irmão, temia pelo dia de amanhã.

          Em cada box havia um drama terrível e ali eram dez ao todo, Eloisa lhe contou, no dia seguinte.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa


quarta-feira, 22 de agosto de 2018

"DELICADEZA NO AR"- "EU GOSTO DE DELICADEZA. SEJA NOS GESTOS, NAS PALAVRAS, NAS AÇÕES. NO JEITO DE OLHAR, NO DIA A DIA E ATÉ NO QUE NÃO É DITO COM PALAVRAS, MAS FICA NO AR". MANUEL BANDEIRA

                         ME DÊ A MÃO
                                            CAPÍTULO DOIS

         O médico foi chamado pela enfermeira, que ficou assustada com os gritos de Fernando. O neurologista entrou rapidamente, estava alarmado pela gritaria do paciente. Logo chamou outro médico e, juntos decidiram fazer novos exames; outra tomografia. Parecia que o quadro se agravara, Fernando estava com os olhos estalados de dor e apresentando náuseas contínuas. Precisou ser sedado e depois foi levado ao tomógrafo.


        Marília ficou assustada e quando levaram seu marido, ela começou a chorar. Todos saíram e ela ficou sentada na poltrona com as mãos cobrindo seu rosto. Parecia que o mundo desabara sobre ela, temia nunca mais ver o marido vivo; estava desesperada. No entanto, apareceu uma enfermeira com um copo de água para ela se acalmar. A mulher, que aparentava meia idade e muita experiência, foi incisiva quando disse:


             - O paciente está em mãos competentes, mas vamos pedir a Deus que olhe por ele. Em seguida, deu a mão para que Marília se levantasse e a seguisse.


                    As duas mulheres caminharam em direção à capela do hospital, depois a enfermeira despediu-se, dizendo que estaria no posto de enfermagem, se precisasse de alguma coisa.

           Um pouco mais calma, Marília ficou um longo tempo sentada na pequena igreja. Muitos pensamentos de medo, preocupação e pesar pela situação que o seu amor se encontrava, povoavam sua mente. Somente agora, ela podia perceber como o marido era importante para ela, antes nem se importava com o que ele pensava. Fernando tinha muita saúde e vivia brincando, parecia que era imortal, por isso ninguém se preocupava com ele.

               Ficou repetindo as orações que conhecia, como se fossem mantras. Depois de um tempo naquele ambiente tranquilo, ela recobrou as forças e foi procurar por Eloisa, a enfermeira que a ajudou. Então, a mulher lhe disse que seu marido estava na sala de cirurgia.

           Fora constatada uma pressão intracraniana decorrente do trauma sofrido e teriam que fazer uma intervenção cirúrgica, para diminuir a pressão. Era uma situação de emergência e provavelmente o paciente voltaria para a Unidade de Terapia Intensiva, onde as visitas eram restritas.

               Marília ficou desolada, pensava que seu marido teria alta em poucos dias, mas agora a situação se agravara. Voltaram os medos, os problemas e as incertezas. Eloisa a acompanhou até a lanchonete, para que Marília tomasse um café e comesse alguma coisa.

          Precisava estar forte para acompanhar a recuperação do marido. O café quente desceu pela garganta, aquecendo seu corpo, mas não conseguiria comer nada, parecia que tinha um nó na garganta. Não conseguia falar e muito menos comer; mantinha os olhos cheios de lágrimas incontidas.

Depois de duas horas, o médico foi dar notícias para acalmar a esposa do paciente. Chegou sério e compenetrado, o que deixou a mulher mais apreensiva.

                - A situação se agravou, as vezes acontece. No quinto dia aumenta a pressão intracraniana pós trauma e temos que tomar decisões drásticas para salvar o paciente. Fizemos tudo o que foi possível, agora devemos aguardar que ele melhore. Para isso ele deve permanecer sedado e monitorado o tempo todo. Ficará na UTI. Depois saiu com passos firmes, estava com o dever cumprido.

                Os olhos de Marília se encheram de lágrimas e cresceu um nó em sua garganta, não conseguiu dizer nada. A enfermeira se aproximou da mulher e estendendo as mãos foi logo dizendo:

          - Me dê a mão, nada está perdido, ainda temos esperanças. Em seguida, abraçou a esposa do paciente, que ficou soluçando em seu ombro. Marília não sabia o que fazer, estava sem rumo.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa
MEU MUNDO REINVENTADO.

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