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quarta-feira, 13 de junho de 2018

"LIBERDADE É UMA PALAVRA QUE O SONHO HUMANO ALIMENTA, NÃO HÁ NINGUÉM QUE EXPLIQUE E NINGUÉM QUE NÃO ENTENDA". CECÍLIA MEIRELES

OS CARAS PINTADAS ESTÃO DE VOLTA

CAPÍTULO ONZE
             No sábado, após o jantar, a família de Alberto se reuniu para a preparação de suas vestimentas e acessórios, que usariam no dia seguinte. A família iria participar do movimento contra a corrupção, que acontece em grande escala no governo brasileiro. Houve uma convocação geral nas redes sociais e nas mídias para o protesto, que aconteceria no domingo 15 de março de 2015.

          A mãe e os três filhos pediram ao pai que lhes contasse como fora o movimento dos “caras-pintadas” contra o governo de Fernando Collor de Melo, uma vez que ele participara da grande passeata, que mobilizou o país em meados de 1992. E, que posteriormente culminou com sua renúncia em 29 de dezembro de 1992, horas antes de sua cassação.

         Alberto gostava de contar as lutas que presenciara e participara durante os anos difíceis da Ditadura Militar. Queria ensinar aos filhos o valor da democracia e o temor que sentia quando ouvia alguém dizer que queria a ditadura de volta. Assim, ele deixava claro aos seus filhos, que a coisa mais importante do mundo é a liberdade: imprensa livre, ter paz para trabalhar, poder ir e vir sem medo. Lutar pelos seus direitos e cumprir com seus deveres. Nossos avós e pais lutaram para formar uma sociedade de direito e devemos preservá-la, custe o que custar.

              Alberto, então, começou a contar a história que ele vivenciara como cara pintada e que trazia na memória com muito orgulho.

             - A passeata dos caras pintadas no início da década de noventa, se espalhou pelo Brasil. Consistia num movimento contra os desmandos do governo do Presidente Collor, que assumira o governo com muitas promessas de lutas contra a corrupção, ajustes fiscais, econômicos e amparo aos descamisados. Porém, suas atitudes e decisões demonstraram que todas as suas promessas eram falsas. E, que por trás havia um grande esquema de corrupção. Depois do confisco da poupança, o que deixou a população perplexa e as decisões tomadas pelo governo, que não favoreciam os interesses da nação, houve uma tomada de consciência geral.  Então, houve a maior mobilização de protesto popular contra um governo, já visto no Brasil.

            A massa popular era composta de pessoas de todas as idades e principalmente por adolescentes, que munidos de sua mais poderosa arma, a Bandeira do Brasil, gritavam palavras de ordem. Grupos saíram às ruas vestidos de preto, outros com as cores do país e muitos com os rostos pintados para a guerra. Uma luta em prol da democracia, de um país mais justo e contra um governo corrupto.

            Diante de tantos clamores e mobilização popular, que procurava de alguma forma se proteger, para impedir o retrocesso aos anos de repressão da ditadura, a voz do povo se fez ouvir. Enfatizou o homem, emocionado.    
       
           As crianças prestavam atenção ao que o pai dizia e de vez em quando faziam alguma pergunta, pois, ainda não compreendiam bem o que era uma ditadura ou um governo corrupto.

             – Preciso contar um pouco da história dessa época, para que vocês entendam os fatos como eles aconteceram. Disse Alberto, compenetrado.

             Sua esposa e os filhos estavam atentos, queriam estar bem informados, para entender o movimento ao qual participariam no dia seguinte.

            - Desde os anos sessenta, depois da instauração da ditadura militar e seu regime de censura e repressão, o povo brasileiro ansiava pelo direito à liberdade. Então, houve muitas lutas subversivas contra o poder militar, que oprimia a sociedade civil com mão de ferro.

            Um dos grandes momentos de luta pela democracia foram os movimentos estudantis do final dos anos sessenta, em plena Ditadura Militar, onde jovens universitários saíam as ruas para protestar abertamente contra o governo, expressando ideias, geralmente, de esquerda. Muitos desapareceram e outros foram presos e exilados; foi uma fase obscura da política brasileira, “A DITADURA MILITAR”. Nessa luta apareceram algumas lideranças e entre elas o ex-Presidente Lula e a atual Presidente Dilma Roussef, que lutavam na clandestinidade.

           A ditadura durou 21 anos, de 1964 a 1985. O primeiro presidente eleito pelo povo foi Fernando Color de Melo que assumiu em 1990 e renunciou em 1992, assumindo seu vice, Itamar Franco. Com o fim de seu mandato foi eleito Fernando Henrique Cardoso, que cumpriu dois mandatos seguidos.

           Em 2002 assumiu o novo Presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva. Seria a primeira vez que a esquerda assumiria o poder e nas primeiras medidas tomadas, o governo anunciou um projeto social: a campanha “Fome Zero”. Seu primeiro mandato foi de encontro as expectativas do povo carente de mudanças e melhoria nas condições de vida da população de baixa renda.

           Entretanto, depois da esquerda assumir o governo e mostrar uma nova maneira de assistir aos mais necessitados, levando o país a uma estabilidade aparente, vieram à tona uma enxurrada de decepções e corrupções em todos os escalões do governo, acordando o gigante que estava adormecido.

E, na eleição de 2014 com uma disputa acirrada, a presidente Dilma conseguiu se manter no poder em meio a muitas denúncias de corrupção. Depois de sua posse ela tomou medidas impopulares e contrárias as suas promessas de campanha, o que levou o povo a se posicionar contra seu governo e pedir a sua saída através do impeachment. 

              - Portanto, é para esse movimento que estamos nos preparando, frisou Alberto. O movimento em prol da ética, da moral e da cidadania. Por mais saúde, segurança, educação e transportes, que estão sucateados em nosso país

           Diante desse cenário confuso “os caras-pintadas” retornarão às ruas; os mais velhos, que participaram da primeira versão, os filhos e netos deles, todos unidos para mais uma vez defender o seu país de um governo corrupto.

          Os filhos de Alberto estavam em idade escolar e os dois mais velhos já tinham ouvido falar sobre essa história. Mas, a menina Ana Clara, que estava no primeiro ano do ensino fundamental, ainda não conhecia essa história, que seu pai contava com tanto entusiasmo e patriotismo.

       Alberto continuava contando que, “os caras-pintadas” tornaram-se ícones de uma nova maneira, que o povo descobriu, de se fazer democracia; forçar a queda de dirigentes corruptos e incompetentes. Em seguida, todos foram dormir, precisavam descansar para cumprir seu dever cívico no dia seguinte.

          O domingo amanheceu ensolarado depois de vários dias de chuva, no entanto, uma brisa fresca deixava o dia perfeito para a passeata. Logo após o almoço, a família de Alberto se preparou e saiu para cumprir seu dever cívico em defesa de um Brasil melhor. Todos vestidos com roupas nas cores da Bandeira do Brasil, apitos, chapéus, bandeiras e as caras pintadas de verde, amarelo, azul e branco; estavam alegres e felizes.

             Saíram do bairro do Ipiranga e tomaram o ônibus em direção ao Vale do Anhangabaú, no centro da cidade de São Paulo. O local foi escolhido como ponto de encontro para uma das maiores manifestações do movimento contra a corrupção, os aumentos de tarifas abusivos e a instabilidade do atual governo da presidente Dilma.

           Chegando ao local, eles foram se juntar a outros grupos, que estavam se organizando para iniciar a passeata.  Um dos líderes do grupo pegou o microfone e começou a falar qual a diferença entre os caras pintadas antigos e os atuais. Em 1992, o povo queria tirar um político da Presidência, baseados em suas atitudes impopulares e provas de corrupção. Nos dias atuais a luta é contra um partido, Partido dos Trabalhadores e a disseminação da corrupção em todas as esferas do governo.

          Para Alberto, a decepção e revolta do povo é o que existe de comum entre os dois momentos. Ele acredita que contra o PT a revolta é ainda maior do que com o Collor; o sentimento está na cara das pessoas e é maior do que em 1992.

            Alberto conta, com um certo saudosismo, que em 1992 os jovens eram mais comprometidos e atuantes, mesmo sem acesso à internet e as redes sociais. Hoje em dia, com acesso a todo tipo de tecnologia, os jovens demonstram menos interesse. Os caras-pintadas atuais são pessoas mais velhas e experientes, levando os jovens para um compromisso com a democracia. São idosos, cadeirantes, artistas, jogadores de futebol e muitas crianças acompanhando os pais. A população está muito mais informada do que antes e querem um país livre e sem corrupção. Os caras-pintadas da atualidade estão fartos de corrupção e falcatruas; pedem a prisão dos corruptos e a queda do governo.

           O líder do grupo que estava reunido permanecia com o microfone na mão e continuava seu discurso:

           -Não adianta ir para uma manifestação e achar que já fez a sua parte e se acomodar. Agora é a hora de iniciar uma longa luta. Nesse primeiro momento servirá de alerta para os governantes saberem que o povo não é bobo, e unidos tem muita força. A corrupção não está somente em todos os partidos, faz parte do sistema. As pessoas precisam ir às ruas brigar pelas reformas política, tributária e jurídica.

Em seguida, saíram em passeata cantando o Hino Nacional Brasileiro e gritando palavras de ordem; foi uma festa da liberdade de expressão e fortalecimento da democracia. A manifestação ocorreu em âmbito nacional e quando a família de Alberto regressou a sua casa, já estava escurecendo e as crianças, apesar de felizes, estavam exaustas. Depois do banho e de um lanche foram dormir e marido e mulher se abraçaram, tinham ensinado aos filhos um sentimento muito importante: o amor e respeito a Pátria. O valor dos símbolos do país, que é a Bandeira e o Hino Nacional, que devem representar seu povo em todos os momentos, apresentações, lutas e competições que participarem.

Portanto, as crianças aprenderam em um dia, muito mais do que em um ano de estudos, pois, vivenciaram um momento importante de civismo. Os filhos de Alberto e os filhos de milhares de famílias que participaram de tão importante manifestação, criaram dentro do peito uma semente de patriotismo. Coisa antiga, meio adormecida diante de tanta modernidade e tecnologia, que tomou conta da nova geração. Eles estão aprendendo o valor da presença física e do som da voz em uma luta contra um inimigo gigante: um governo corrupto. As ruas estavam pintadas, as caras pintadas, e as casas pintadas de verde e amarelo A manifestação ocorreu em âmbito nacional e a mobilização assustou quem não acreditava no movimento.

- Sair detrás do computador e gritar a plenos pulmões o orgulho de ser brasileiro, não tem preço. É sentir a liberdade no rosto, pois, os caras-pintadas estão de volta, concluiu Alberto, satisfeito.

           Então, Maria Alcina que estava na sacada da casa do filho, olhou para o céu e com um suspiro murmurou.

          – Boa noite lua, você ainda me faz sonhar e agora, com um país mais justo.           
          - Ah! Eu quero registrar que tenho certeza, que São Jorge e o dragão ainda moram na lua... Em seguida entrou e foi descansar.


Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 6 de junho de 2018

""...BOM MESMO É IR À LUTA COM DETERMINAÇÃO, ABRAÇAR A VIDA COM PAIXÃO, PERDER COM CLASSE E VENCER COM OUSADIA. PORQUE O MUNDO PERTENCE A QUEM SE ATREVE E A VIDA É MUITO PARA SER INSIGNIFICANTE". AUGUSTO BRANCO


TEMPOS MENOS ESCUROS
CAPÍTULO DEZ
              As “Diretas Já” consistiam em um movimento político, em que a população brasileira foi engajada para cobrar o fim da ditadura militar no Brasil. Havia um grande desgaste no governo devido à alta inflação, que passava de 200% ao ano e um fraco desempenho econômico, gerando recessão. O principal objetivo era a retomada de eleições diretas para presidente da República do Brasil. Os partidos de oposição e o povo em geral, clamavam pelo fim da ditadura militar.

           O movimento teve início em maio de 1983 e se estendeu até 1984 com a mobilização de milhares de pessoas, em comícios e passeatas. Entretanto, apesar do grande apelo popular, em 1985 foi eleito o novo Presidente da República, por eleições indiretas. Tancredo Neves foi escolhido por um colegiado eleitoral, marcando o fim da ditadura militar, iniciada em 1964. No entanto, Tancredo Neves morreu antes de assumir a presidência do país.

             Ainda em 1985 houve o primeiro Rock In Rio, que enlouqueceu os amantes do rock. Maria Alcina e Fred fizeram questão de levar Alberto e Alice, para assistir ao show no Rio de Janeiro. Alberto com quinze e Alice com treze anos ficaram encantados com as bandas e os cantores, que se apresentaram no evento. Frederico dizia que estava levando os filhos em eventos musicais, para apurar o gosto de cada um.

          Enquanto eles gritavam extasiados com as bandas, que se apresentavam na noite carioca, uma lua enorme brilhava lá no céu. Alberto viu e lembrou-se de sua mãe e as histórias que ela contava para ele e Alice, sobre as noites de lua cheia. Na volta para casa, ele cutucou Maria Alcina e lhe perguntou:

             - Mãe, será que esta noite alguém virou lobisomem? Ela sorriu e respondeu:

           - Provavelmente, a noite está propícia; a lua está cheia, do jeito que deve ser.

            Frederico fez uma careta, não concordava com as histórias que sua esposa contava, mas, as crianças gostavam e ele deixava que dessem asas à imaginação.

            - Histórias de lobisomem eram instigantes e todas as crianças tinham curiosidades a respeito, pensou Fred.

           E, continuou dirigindo sob um forte luar, estava feliz com sua família. Um silêncio se fez presente no automóvel e Alice se aconchegou ao seu irmão, estava claro que aquela conversa a deixava temerosa.

              José Sarney, o vice de Tancredo, assumiu o governo, cujo mandato foi dedicado ao combate à inflação e promoveu o estabelecimento de uma nova Constituição, que foi promulgada em 5 de outubro de 1988.  
            No mundo, com o fim da guerra fria, a grande conquista foi a queda do muro de Berlim em 1989, uma vergonha para a humanidade, que incomodava o mundo moderno.

               E, em meio ao caos na economia brasileira e a muitos seguimentos em greves, foi realizada a primeira eleição direta após a ditadura militar. O vencedor foi Fernando Color de Melo, que pregava a caça aos marajás, empossado em março de 1990.

            Marajás, era uma alusão a vida boa que os deputados, senadores e outros funcionários públicos desfrutavam no governo, sem ter mérito nenhum.
No entanto, o novo presidente surpreendeu toda a população, confiscando as cadernetas de poupança, o que gerou uma perplexidade inédita no país. Ninguém esperava por medidas tão radicais em nome de um novo plano econômico, que mais uma vez fracassou.

         Ciente da gravidade da situação, o presidente convocou a população para sair as ruas de verde e amarelo com o intuito de apoiá-lo. Mas, o povo, revoltado, saiu às ruas vestidos de preto, com as caras pintadas com as cores da bandeira do Brasil. Esse movimento ficou conhecido como: “Os caras pintadas”.

            Neste protesto, havia famílias inteiras pedindo o afastamento imediato do presidente. Entre eles estavam Fred, Maria Alcina, Alberto e Alice praticando a cidadania, enrolados na bandeira do Brasil. Desde cedo as crianças acompanhavam os pais em atos cívicos e tinham um grande sentimento patriótico.

            O movimento, que contava com grande parte da juventude estudantil, foi fundamental para o processo de impeachment de Fernando Collor, que renunciou horas antes de ser cassado em dezembro de 1992. E, foi no governo de seu vice Itamar Franco, que foi implantado o plano real, que conseguiu deter a inflação. Depois dele, em 1995 assumiu Fernando Henrique Cardoso, eleito pelo povo.

            No início do ano 2000, Alberto se formou em advocacia e casou-se com Marta, uma antiga namorada. E, adentram ao novo milênio com Fernando Henrique Cardoso no seu segundo mandato. Alice estava fazendo faculdade de medicina e logo se casaria também.

             Em dois mil e três, quando nasceu o primeiro filho de Alberto, o pequeno Tobias, assumiu a presidência do Brasil Luís Inácio Lula da Silva. Em dois mil e cinco nasceu Dulce e, em dois mil e sete Renato, completando, assim, a família de Alberto, um dos caras pintadas do movimento pró impeachment.

               O primeiro mandato do presidente Lula foi um sucesso junto aos mais carentes, que foram conquistados com programas sociais bem articulados. No entanto, no segundo mandato surgiram as denúncias de corrupções e escândalos, que se arrastaram até a vitória da candidata de Lula, Dilma Roussef.

           A primeira mulher eleita pelo povo assumiu a presidência do Brasil em 2010 e se reelegeu em 2014 entre muitas denúncias de corrupção e desvio de dinheiro por parte de seu partido. Posteriormente, muitas denúncias foram confirmadas.

          Novamente, o povo cansado de assistir à escalada da corrupção, voltariam às ruas para pedir o impeachment de Dilma Roussef. Havia uma convocação geral nas redes sociais, para mais uma passeata, agora, pedindo o impeachment da presidente.

             Alberto e Marta, com seus três filhos em idade escolar, decidiram participar do movimento de protesto contra os desmandos da presidente e o partido dos trabalhadores, o PT. As crianças ficaram exultantes, queriam muito participar daquele evento.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 30 de maio de 2018

"MESMO QUANDO TUDO PARECE DESABAR, CABE A MIM DECIDIR ENTRE RIR OU CHORAR, IR OU FICAR, DESISTIR OU LUTAR". CORA CORALINA


QUE NOSSA DOR VIRE AMOR
CAPÍTULO NOVE
           Maria Alcina, com seu filho Alberto no colo, viu nascer o ano de um mil novecentos e setenta e um. Eram tempos difíceis e de muitas mudanças. As pessoas tinham medo de doenças, de guerras, da polícia, dos governantes, e de assombrações. Mas, viviam melhor porque o mundo era menor, as informações demoravam para chegar e havia tempo para absorver as novidades.

           Os jovens cresciam, emocionalmente, no tempo certo. Aguardavam o grande amor e embalavam muitas fantasias a respeito de relacionamentos. Enquanto o sexo era um tabu e ficava somente no desejo das revistas de pornografia, conseguidas através de amigos de outros amigos, que continham segredos incontáveis, o amor estava no ar. Estas revistas só poderiam serem vistas nos banheiros, escondidas nos fundos dos guarda-roupas e fechadas a sete chaves. Era o instrumento que os rapazes utilizavam para dar asas à imaginação.

             Desejavam amar sem medo de se comprometer ou de sofrer por amor. Tempo em que homens e mulheres se davam o devido valor e se respeitavam. As moças ainda sonhavam com um príncipe, já sem muito encanto, mas, ainda um príncipe.

             Ninguém se preocupava com o efeito estufa e o ozônio ainda estava em seu devido lugar. O meio ambiente ainda respirava sozinho, havia equilíbrio entre a flora e a fauna.  Os rios continham oxigênio suficiente para a sobrevivência de seus peixes. Computadores eram caixas enormes, restritas as empresas dedicadas à corrida ao espaço, nos Estados Unidos da América.

           No Brasil, o que havia de mais moderno era a chegada da televisão em cores nas grandes cidades. No entanto, a maioria tinha televisão em preto e branco e cuja programação terminava a meia-noite. Não havia celulares e era raro quem tinha telefone em casa.   Todos deveriam andar com algum documento no bolso, pois, se a polícia os parasse e não tivessem identificação, seriam levados presos.

           Os jovens se divertiam nas discotecas e os adolescentes com jogos de diversos tipos. Os mais novos jogavam birocas, feitas no chão duro de terra com bolinhas de aço, tiradas dos carrinhos de rolimãs, ou bolinhas de gude feitas de vidros. Soltavam pipas ou jogavam futebol, em campinhos improvisados em terrenos baldios. Já os que tinham acesso ao clube local jogavam voleibol, basquetebol, tabuleiros de damas ou xadrez e outros.

                Estavam sempre em turmas heterogêneas, gostavam de se divertir juntando os meninos e meninas, que formavam grupos alegres. Um jovem, ter amizade com outro menino ou rapaz e até andar o tempo todo juntos, era comum. No entanto, sua masculinidade não era posta em jogo. As moças tinham amizades com outras moças e andavam de mãos dadas com as amigas, entretanto, ninguém dizia que éramos lésbicas; isso estava fora de cogitação.

           Todos respeitavam os mais velhos, estes tinham o carinho dos filhos e netos e eram sempre ouvidos nas decisões familiares.  Os jovens demonstravam seu respeito, cedendo-lhes os bancos para que viajassem sentados nos coletivos. Os idosos tinham prioridade nas filas e eram auxiliados a atravessar as ruas. Sempre encontravam alguém para carregar suas sacolas. Essas atitudes faziam parte da educação recebida em casa e não era imposta por leis.

           Os jovens eram bastante emotivos e se apaixonavam com facilidade. E, eram os amigos ou amigas que intermediavam o primeiro encontro. Os namoros eram sérios e a maioria queria se casar com a menina certinha da escola ou da sua rua. Havia mais cuidado com os namoros, que eram mais calmos e discretos. Eram menos impetuosos e dar uns beijos no escuro, era o máximo de uma conquista. Não poderia passar disso ou a jovem ficaria falada e ninguém mais a queria.

             Nos finais de semana frequentavam as discotecas, faziam os bailinhos nas casas dos amigos ou ficavam ouvindo músicas até tarde da noite. Aguardavam os anos dois mil, prevendo grandes acontecimentos futuristas.

           As vestimentas usadas no início dos anos setenta tinha como moda, na classe média, as calças jeans, muitas eram importadas dos Estados Unidos. Este era um fato que causava inveja aos menos abastados, pois, eram calças desbotadas e com um brim diferente do nacional. As calças bocas de sino, os sapatos plataforma, os tênis tinham, também, seu lugar assegurado entre os jovens.

            Nesse contexto, era formada a família de Fred e Maria Alcina, que já anunciava uma nova gravidez. Quando Alberto tinha dois anos nasceu a Alice, uma menina linda, na casa do casal Fred e Maria Alcina.

           O tempo passou rápido em meio aos acontecimentos mundiais, tais como: a crise do petróleo e a recessão nos Estados Unidos. No Brasil, a música popular brasileira (MPB) ganhou corpo e se instalou definitivamente no gosto da sociedade, tendo grande aceitação. A separação dos membros da banda dos Beatles e as músicas de Elvis Presley tocando em todas as rádios e discotecas, pontuaram o final da década de setenta.  

            Por aqui surgiram as passeatas pelas diretas já, um anseio do povo pelo fim da ditadura. A sinalização, por parte do governo, de uma abertura democrática agitava os meios políticos e o povo saia as ruas. Os hippies alienados andavam pelas grandes capitais.

        Finalmente, os anos oitenta surgiram com acenos de novos tempos, menos escuros para o país. E as duas crianças, Alberto e Alice, estavam crescidos e frequentando as escolas, onde aprendiam que as lutas do povo, devem ser pacíficas e unidas com demonstrações de civilidade.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa
      


quarta-feira, 23 de maio de 2018

"APAVORADO ACORDO, EM TREVA. O LUAR É COMO O ESPECTRO DO MEU SONHO EM MIM. E SEM DESTINO, E LOUCO SOU O MAR PATÉTICO, SONÂMBULO E SEM FIM." VINÍCIUS DE MORAES

O VÉU DO LUAR
CAPÍTULO OITO
           Durante os últimos meses aconteceram muitas mudanças e a discoteca chegou à pequena cidade. Havia uma necessidade de diversão, para compensar anos difíceis e conturbados no contexto mundial. Aos sábados à noite, a festa ficava por conta da nova discoteca, que acontecia no antigo salão de bailes da comunidade. O local fora remodelado, mas ainda tinha característica de salão de festas familiares.

        O clube era um lugar simples e acolhedor, o único da região. Aos domingos, depois da missa dominical, os homens jogavam bocha, enquanto as mulheres ficavam em casa preparando o almoço. Os rapazes jogavam futebol e as meninas se divertiam com o voleibol, na quadra ao lado da piscina.

            Maria Alcina estava eufórica, pois seu casamento seria realizado naquele salão, que para ela tinha um sentido mágico, pois, enfeitava seus sonhos. O local já fora palco para muitas festas e a maioria das pessoas o conheciam muito bem. Tudo fora preparado para ser uma grande festa com muita comida, música e danças. Ela era a filha mais velha de oito irmãos e seus pais estavam muito felizes, por casar a filha querida.

            Entretanto, havia uma preocupação e muito medo corroendo os pensamentos da noiva.  Ela constatou que sua menstruação estava atrasada e se assustou. O seu maior temor era que sua mãe desconfiasse. Não poderia sequer imaginar a reação de seu pai, que mantinha vigilância constante sobre o casal. Mas, quanto maior a vigilância maior é a tentação, já dizia a sua avó.

             Na primeira oportunidade, ela cedeu a tentação do sexo e se entregou ao Frederico. Foi uma relação rápida e furtiva, no canto escuro da porta, na hora da despedida. Num silêncio contido, eles conheceram o sabor da paixão. Não pensaram nas consequências e, a moça perdeu o sossego; sentia-se encurralada.

            – Que falta de sorte! Fora apenas um deslize, gemia inconsolável olhando para o noivo, que não sabia o que dizer.

           Ambos estavam culpados pela transgressão e não poderiam procurar o médico para obter esclarecimentos.  E, muito menos dividir com alguém tamanha preocupação. Era um assunto proibido, que ficava escondido entre eles. Ela estava encrencada com a possibilidade de uma gravidez inoportuna.

      A comunidade tinha um forte laço com a Igreja católica e todos respeitavam os ensinamentos e tradições da casa de Deus. Uma coisa não saia da cabeça de Maria Alcina, já não era mais uma moça pura e não poderia usar um véu branco cobrindo sua cabeça, pois, era privilégio das virgens. Assim, se estivesse grávida e cobrisse a cabeça com véu branco, estaria cometendo um duplo pecado terrível.

            Ela conseguiu esconder a falta da menstruação, fingindo estar com cólicas, que tinha mensalmente. Doralice nada percebeu e a filha ganhou tempo. Faltava, ainda, dois meses para o casamento e ela conseguiria esconder sua gravidez, que com o passar dos dias se confirmava.

           A jovem sentia náuseas e enjoos matinais, mas escondia de todos e vomitava, em silêncio, no banheiro. Com tantos vômitos ela emagreceu ao invés de engordar e com isso, disfarçava bem. Dizia que a proximidade do casamento a estava deixando nervosa e sem apetite.

            Faltando um mês para o enlace matrimonial, o vestido de noiva estava pronto e o véu também. O véu cobria a cabeça preso com uma tiara e descia até o chão. Ela teria que encontrar uma maneira de descobrir sua cabeça; esse pensamento a atormentava dia e noite. Porque assim, ela não cometeria um pecado e pouparia seus pais de passar vergonha, pois, quando descobrissem iriam acusa-la de herege.

            Certo dia, Fred foi a capital e trouxe uma revista de noivas para Maria Alcina, que olhava desesperadamente todos os véus. Queria encontrar uma solução para o seu problema. Nessa procura ela encontrou uma noiva com um birote no cabelo, preso atrás da cabeça, circundado com flores do casquete. Era a solução que ela procurava, então, mostrou para sua mãe dizendo que queria fazer igual o cabelo da revista.

Houve muita resistência, mas, alegando que era moda, sua mãe acabou cedendo. E, no grande dia a noiva saiu do carro com a cabeça coberta, apenas, com o véu do luar. Estava salva, pois, não ofendera a Deus cobrindo a cabeça com um véu branco.

             Os meses foram passando e sua gravidez já estava evidente, porém, ninguém desconfiou de nada. Maria Alcina era magra e ganhava pouco peso, à medida que o tempo passava. E, quando fez sete meses do casamento, ela passou mal e entrou em trabalho de parto.

           As comadres fizeram até grupo de orações, pois, temiam pela vida do bebê prematuro, que, segundo elas, deveria ficar na incubadora. Apesar de tantas orações não teve jeito e nasceu um lindo menino.

- O bebê nasceu antes do tempo, era o que diziam as comadres, preocupadas em vigiar a vida alheia.

Mas, quando viram o bebê, que pesava quatro quilos, rosado e cabeludo, saíram contando aos quatro cantos, que Maria Alcina escapara por entre os dedos de Doralice e Romeu e se casara embuchada.

Romeu fechou a cara de vergonha e cortou relações com a filha e o genro, que o haviam enganado. Doralice sentiu-se envergonhada, mas, queria estar ao lado do neto e relevou o fato de ter sido enganada. Maria Alcina estava casada e logo o acontecido seria esquecido.

             No entanto, como neste mundo tudo passa, a raiva do pai ultrajado durou pouco. Romeu se rendeu ao ver o neto e tudo acabou bem. Maria Alcina se explicou, dizendo que a culpa era da lua, que a fazia sonhar.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 16 de maio de 2018

"O LUAR" "O LUAR É A LUZ DO SOL QUE ESTÁ SONHANDO. O TEMPO NÃO PÁRA! A SAUDADE É QUE FAZ AS COISAS PARAREM NO TEMPO...OS VERDADEIROS VERSOS NÃO SÃO PARA EMBALAR, MAS PARA ABALAR..." MÁRIO QUINTANA

A LUA POR TESTEMUNHA

CAPÍTULO SETE
           A pequena comunidade estava abalada com o último acontecimento, aquele foi um caso inédito, que entristeceu as famílias do local. Cecília não poderia mais viver ali, pois, sempre que saísse de casa seria apontada na rua e nunca mais encontraria casamento na região. Ficara marcada pelo ocorrido, era uma mulher rejeitada pelo marido, que teve seu casamento anulado.

             Os pais de Cecília estavam envergonhados e desgostosos da vida, então, resolveram mudar de cidade. A família foi, definitivamente, para a capital, lá ninguém conhecia aqueles acontecimentos e Cecília poderia ter uma nova chance. Essa história ficou na memória do povo da pequena cidade e fez arrochar a vigilância sobre as meninas do local.

             Maria Alcina foi proibida de sair à noite.

          - Não correremos o risco de Maria Alcina seguir o caminho da amiga. Se alguém se interessar por ela, deve vir até a nossa casa falar comigo; dizia seu pai preocupado.

           As festas praticamente foram extintas e o cinema estava sempre vazio. As meninas passaram a namorar no portão, por durante três meses, era tempo suficiente para decidir se queria namorar sério ou desistir ali mesmo.

            Se entrasse, o rapaz teria que pedir a moça em namoro para sentar no sofá da sala e conversar com ela em dias marcados. E, dali a seis meses aconteceria o noivado. A seguir começariam os preparativos para o casamento, que ocorreria na Igreja local.

           A noiva ficaria empenhada em confeccionar o enxoval e ao noivo caberia decidir onde morar. Ele teria que arrumar uma casa ou morar com seus pais, até construir a própria casa. Tudo muito prático e decidido para preservar a ética e a moral das donzelas.

           E assim, Maria Alcina começou a namorar no sofá da sala. Frederico chegava as dezenove horas e quando o relógio batesse vinte e uma horas ele deveria se levantar e despedir-se na porta, para depois sair fechando o portão. O namoro aconteceria somente aos sábados e domingos. No restante da semana todos trabalhavam e não poderiam perder tempo com namorados.

             No entanto, Romeu, o pai da moça, vivia desconfiado do novo casal, que, segundo ele, precisava ser vigiado para não cair em tentação. Ele, então, colocou um quadro, que continha uma paisagem clara e brilhante, na parede da copa; mais parecia um espelho. Dessa maneira, ele poderia vigiar os acontecimentos no sofá, sem despertar suspeitas. Romeu ficava assistindo o jornal na Televisão e de olho na filha, namorando no sofá da sala.

             Maria Alcina e o namorado eram jovens, cheios de hormônios em ebulição e a proximidade despertava em ambos desejos incontroláveis. Várias vezes, o pai teve que intervir com pigarros e tosses forçadas para afastá-los, sem dar vexame. E, Doralice ficava encarregada de chamar a atenção da filha, quanto aos agarramentos.

            Todo cuidado foi pouco, pois, algumas moças burlaram toda essa vigilância e se desviaram do caminho traçado. Algumas se casaram grávidas e outras tiveram filhos solteiras, para desgostos de seus familiares. A modernidade tinha reflexo no interior também.

            As coisas da vida estavam por toda parte; liberdade sexual, os hippies, as danceterias e a luta feminista pela igualdade com o sexo masculino. Tantas mudanças incomodavam muita gente. As moças da pequena cidade foram pressionadas a se casar cedo, para ficar longe de todas aquelas tentações.

Assim, Romeu e Doralice forçaram os dois namorados ao compromisso, que os levaria ao casamento. Maria Alcina e Frederico estavam com o casamento marcado para dali a seis meses. Enquanto isso não acontecia, eles se agarravam escondidos nos cantos escuros da rua, tendo apenas a lua por testemunha.

 A festa começou a ser planejada para acontecer no clube de campo e contar com a presença de grande parte da população local. Uma cidade pequena onde todos se conheciam e a maioria eram parentes ou amigos. Os casamentos eram motivos de grande confraternização naquela comunidade.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

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